Se há uma característica comum aos chamados titãs da tecnologia, é o pragmatismo. E Mark Zuckerberg, fundador e CEO da Meta, não foge ao script.
Enquanto Joe Biden mandava nos EUA, ele seguiu tocando a sua empresa no ritmo da banda dos democratas. Agora que o poder mudou de lado, Zuck, que tinha Donald Trump como desafeto e que chegou a ser ameaçado pelo agora presidente eleito de "prisão perpétua" se conseguisse provar que a Meta estava atrapalhando a eleição dos EUA, resolveu dançar ao som dos republicanos.
Num vídeo postado em suas redes sociais, o CEO da Meta – que criou e controla duas das maiores redes sociais do mundo, o Facebook e o Instagram - anunciou na terça-feira, 7 de janeiro, que a Meta está encerrando a checagem de fatos e removendo as restrições à expressão no Facebook e no Instagram, num gesto comemorado ruidosamente por simpatizantes de Trump.
O cavalo de pau de Zuckerberg reforçou uma tendência que começou a crescer após a eleição presidencial dos Estados Unidos, em novembro: o apoio maciço do Vale do Silício ao novo presidente, que toma posse no próximo dia 20.
Seu gesto foi visto como uma aproximação definitiva de Zuckerberg a Trump. No vídeo, o bilionário afirmou que os verificadores de fatos serão substituídos por um protocolo semelhante ao da plataforma X de Elon Musk, desafeto que Zuck já chamou para a briga no octógono.
Esse novo protocolo deixa a cargo dos próprios usuários a tarefa de acrescentar correções às publicações que possam conter informações falsas ou enganosas.
"Vamos voltar às nossas raízes e nos concentrar em reduzir erros, simplificar nossas políticas e restaurar a liberdade de expressão em nossas plataformas", disse Zuckerberg, no vídeo. "Chegamos a um ponto em que há muitos erros e muita censura, as recentes eleições também parecem um ponto de inflexão cultural para mais uma vez priorizar o discurso."
O argumento de Zuckerberg é a liberdade de expressão. Pode até ser, mas é certo que o magnata da tecnologia está bem preocupado com o seu negócio. Adaptando o famoso bordão do republicano, que repete à exaustão o "America first", pode-se dizer que para Zuckerberg o lema é "Business first".
Numa mostra dos novos tempos, a Meta ainda anunciou Joel Kaplan, um republicano conhecido por intermediar a relação da companhia com os conservadores, como novo presidente de assuntos globais da holding e a nomeação de Dana White - presidente do Ultimate Fighting Championship (UFC) e famoso trumpista - para integrar seu conselho de administração.
Zuckerberg busca se aproximar de Trump para proteger sua holding de problemas regulatórios que se arrastam desde 2020, como o caso antitruste contra a Meta em andamento na Comissão Federal de Comércio.
A alegação é de que as aquisições do Instagram e do WhatsApp deram à Meta um monopólio ilegal sobre as redes sociais que aniquilaram a concorrência. Google, Amazon e Apple também têm processos ativos, mas têm resistido a pressões por leis antitruste no Congresso. Ter o presidente como desafeto, definitivamente, não ajuda.
Em novembro, um dia antes do Dia de Ação de Graças, o CEO da Meta jantou com Trump em Mar-a-Lago e o presenteou com um par de óculos inteligentes Meta Ray-Ban. Desde então, a Meta doou US$ 1 milhão para o fundo inaugural de Trump.
A Meta foi apenas a última das big techs do Vale do Silício a aderir ao novo presidente dos EUA. Amazon.com e Uber Technologies, bem como o CEO da OpenAI, Sam Altman, anunciaram doações semelhantes para o fundo inaugural de Trump.
Conflito de interesses
A adesão de Zuckerberg – que em 2021 suspendeu as contas de Trump no Facebook e Instagram após a invasão do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro por seus apoiadores - tem enorme peso político para o novo presidente.
Além do dono da Meta, o novo presidente atraiu ao menos 14 nomes de peso de empresários e capitalistas de risco ligados à indústria tech ao seu governo, onde vão ocupar cargos-chave e de consultoria – de Elon Musk, o dono da Tesla e do SpaceX, que vai chefiar o Departamento de Eficiência Governamental, a Paul Atkins, CEO da consultoria de gerenciamento de risco Patomak Global Partners, que vai presidir à SEC, a comissão de valores mobiliários do mercado americano.
A extensa lista vai se espalhar por várias áreas do governo. David Sacks (sócio da Craft Ventures, gestora de VC, e ex-diretor de operações do PayPal), foi nomeado o "czar" da Casa Branca para inteligência artificial (IA) e criptoativos.
Já gestora de venture capital Andreessen Horowitz emplacou dois sócios na nova administração: Scott Kupor, nomeado diretor do Escritório de Gestão de Pessoas, e Sriram Krishnan, que será consultor político sênior para inteligência artificial no Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca.
Outros nomes de peso incluem Ken Howery (co-fundador do Pay Pal), que será o embaixador dos EUA na Dinamarca. Emil Michael, ex-diretor de negócios da Uber e COO da Klout, vai ocupar o cargo de subsecretário de Defesa para Pesquisa e Engenharia.
Esse time de pesos-pesados do setor tech está levantando dúvidas sobre potenciais conflitos de interesse na futura administração Trump. Um caso chama a atenção: a nomeação de Jared Isaacman como novo administrador da Nasa.
Isaacman, um bilionário que fundou a Shift4 Payments, uma empresa de processamento de pagamentos, foi astronauta da SpaceX de Elon Musk, que comemorou sua nomeação.
Há também a dúvida se Trump vai ceder às pressões de seu “dream team” para manter o programa de visto H-1B para trabalhadores qualificados. A plataforma de Trump contra a imigração prometia limitar ou reduzir ao mínimo a emissão desses vistos – usados pela indústria tech para atrair especialistas do mundo inteiro, em especial indianos.
Musk foi o primeiro a defender não a limitação, mas a ampliação dos vistos. Os motivos vão além do conhecimento que esses especialistas podem trazer ao setor - esses trabalhadores chegam para ganhar salários mais baixos que os americanos que exercem a mesma função.
Independentemente de como a questão do visto H-1B será resolvida, ela mostra como podem surgir problemas entre a base tradicional de Trump, que o apoia há muito tempo, e os líderes de tecnologia que começaram a subir na hierarquia no círculo próximo do futuro presidente.
Em relação à possibilidade de influenciar Trump, Musk já desponta como a maior ameaça. Desde o dia da eleição, o bilionário dono da Tesla tem se hospedado em uma casa de campo em Mar-a-Lago, passando a palpitar, em redes sociais, sobre temas alheios ao seu futuro cargo no governo.
Nos últimos dias, Musk atraiu a ira de líderes europeus ao manifestar apoio a um partido de extrema-direita antes das eleições na Alemanha, acusando o primeiro-ministro britânico de ter sido cúmplice de crimes de estupros na época em que era procurador-geral, além de denunciar juízes na Itália e criticar a Comissão Europeia.
“Há dez anos, se alguém nos tivesse dito que o proprietário de uma das maiores empresas de redes sociais do mundo apoiaria um novo movimento reacionário internacional e interviria diretamente nas eleições, incluindo na Alemanha, quem teria imaginado isso?”, questionou o presidente francês, Emmanuel Macron.