A reação positiva do mercado financeiro francês na manhã de segunda-feira, 1º de julho, ao resultado do primeiro turno da eleição parlamentar da França, realizado na véspera, refletiu a complexidade política e econômica, para o país e para o futuro da União Europeia, que o atual processo eleitoral representa – com dois partidos extremistas, um de direita e outro de esquerda, liderando a votação.

O índice CAC 40 da Bolsa de Paris, que reúne 40 das maiores empresas listadas, subiu 2,7% na abertura, diminuindo para alta de 1,5% ao longo da manhã.

A euforia se deve ao desempenho da Reunião Nacional (RN), partido de ultradireita liderado por Marine Le Pen e favorito para obter a maioria das 577 cadeiras em disputa na Assembleia Nacional. A RN, porém, recebeu entre 33% e 34,2% dos votos nacionais, insuficientes para assegurar as 289 cadeiras para formar maioria.

A aposta do mercado financeiro é que, sem maioria, a ultradireita francesa terá dificuldade de aprovar sua agenda econômica repleta de subsídios na Assembleia Nacional – elevando ainda mais a atual crise fiscal e de dívida pública do país, o que seria péssimo também para os mercados europeus e para o euro.

A coligação de extrema-esquerda Nova Frente Popular - que também tem uma agenda fiscal expansionista - chegou em segundo com 28,5% a 29,6%, enquanto a aliança centrista liderada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, obteve entre 21,5% e 22,4% de apoio.

A disputa, portanto, segue em aberto no segundo turno, marcado para o próximo domingo, 7 de julho, pois os partidos de oposição à RN podem se unir e escolher o candidato com mais chance de vitória nos distritos que não elegeram um candidato com mais de 50% dos votos.

Essa possibilidade, porém, está longe de resolver as preocupações do mercado financeiro. São duas as possibilidades a serem abertas com os resultados do segundo turno. Uma delas, sem um partido majoritário controlando a Assembleia Nacional, o impasse político tende a travar votações relevantes.

A outra hipótese, a vitória de um partido extremista – seja da ultradireita ou da extrema esquerda - levaria à adoção de políticas perdulárias e nacionalistas que provocariam rapidamente uma crise econômica e social na França.

A rigor, independentemente do resultado do segundo turno, a França entra num período de incerteza que pode se estender até 2027, quando termina o mandato de Macron.

Legado sob risco

O maior temor de boa parte do mercado financeiro é ver o legado de Macron virar pó com a Assembleia Nacional sob domínio ultradireitista, o mais cotado para sair vencedor da eleição, nem que seja sem maioria absoluta.

Desde que assumiu o poder, há sete anos, o atual presidente francês pôs fim a um longo período de letargia da economia do país: cortou os impostos para as empresas, aprovou uma reforma parcial do sistema de aposentadoria e colocou em ação iniciativas que ajudaram a criar 2 milhões de empregos e mais de 6 milhões de empresas.

Em abril, a taxa de desemprego era de 7,3%, abaixo do máximo de 10,5% registado pelo antecessor de Macron, François Hollande. Hoje, a França tem crescimento econômico acima da média da zona do euro e taxa de pobreza inferior à do bloco.

Macron, porém, não conseguiu transformar os bons resultados em votos. Em parte porque, embora Paris e as grandes cidades tenham prosperado, no interior francês a percepção de desigualdade econômica aumentou ao longo do mandato do presidente francês e serviu de gatilho para a extrema direita atrair votos.

Enquanto o partido de Le Pen batia bumbo com seu discurso contra os imigrantes, Macron preferiu priorizar as questões climáticas, levando-o a cair na armadilha de aumentar impostos sobre os combustíveis fósseis, que incitaram os protestos dos coletes amarelos e enfraqueceram permanentemente seu governo depois de 2018.

De quebra, Macron pouco fez para desfazer a imagem de arrogante e inacessível. Sua decisão de convocar eleições parlamentares antecipadas, por exemplo, pegou de surpresa até os apoiadores.

O anúncio foi feito logo depois do RN obter maioria dos votos na eleição para o Parlamento Europeu, há três semanas. O presidente francês alegou que sua aliança centrista, que já havia perdido a maioria absoluta na Assembleia Nacional em 2022, foi dilacerada por uma “desordem” que tornou difícil legislar.

O anúncio, em meio aos preparativos finais de Paris para sediar as Olimpíadas, com início no final do mês, tornou ainda mais incompreensível sua atitude.

O fato é que o cenário francês daqui para frente é incerto seja qual for o resultado do segundo turno da eleição. Se a RN obtiver maioria, por exemplo, forçará Macron a dividir o poder com um governo de coabitação, no qual Jordan Bardella, de apenas 28 anos, protegido de Le Pen, deverá ser nomeado primeiro-ministro.

A agenda da Reunião Nacional causa calafrios no mercado financeiro e na sede da UE, em Bruxelas: Le Pen está determinada a reverter a reforma das pensões, a restaurar o imposto sobre a riqueza e promete reduzir o IVA nas contas de energia e combustível.

No campo político, promete reprimir a imigração, deportar “islamistas”, proibir o uso do véu em locais públicos e reintroduzir controles nas fronteiras com outros países da União Europeia.

O que mais assusta o mercado é a possibilidade uma política fiscal expansionista, uma ameaça que atinge a União Europeia. No caso da França, os números da política fiscal de Macron são preocupantes – em seu governo, a economia francesa fechou 2023 com déficit público de 5% e uma dívida elevadíssima, de 110% do PIB.

Tanto a extrema-direita como a extrema-esquerda estão empenhadas em grandes aumentos da despesa que inflacionariam a dívida e o déficit, violando ao mesmo tempo as regras da UE.

Bruno Le Maire, ministro das Finanças da França, alertou que a vitória de qualquer um dos extremos poderia levar a uma crise da dívida na França e à supervisão das finanças do país pelo FMI ou pela Comissão Europeia.