O resultado das eleições para o Parlamento da União Europeia - o Poder Legislativo do bloco comercial de 27 membros –, no domingo, 9 de junho, com forte avanço dos partidos de extrema-direita de vários países, causou mais que um terremoto político no Velho Continente.

A nova configuração do Parlamento Europeu deve impactar a economia global em pelo menos dois temas que interessam ao Brasil: na assinatura de acordos de livre-comércio e no calendário de adoção de metas de transição energética verde.

Essa possibilidade ficou evidente após o anúncio dos primeiros resultados, indicando que os partidos nacionalistas e populistas de extrema-direita devem ocupar mais de um quarto das 720 cadeiras do Parlamento europeu.

Partidos ultradireitistas foram os mais votados na França e na Itália, chegando em segundo lugar na Alemanha. Também obtiveram votação expressiva em outros países relevantes do bloco, como Áustria, Polônia e Holanda.

França e Alemanha, justamente as maiores economias da União Europeia, foram as mais impactadas pelo avanço da extrema-direita.

O presidente francês Emmanuel Macron, cuja coalizão recebeu metade dos votos do partido de extrema-direita Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, decidiu dissolver o Parlamento francês e convocar eleições legislativas antecipadas para o fim do mês, três anos antes do previsto.

Já o Alternativa para a Alemanha (AfD), partido ultradireitista alemão, ficou à frente dos sociais-democratas do premiê Olaf Scholz e também exigiu convocação de novas eleições legislativas.

Para o Brasil, a derrota de Macron e do chanceler alemão deve enterrar de vez as esperanças de um acordo entre Mercosul e União Europeia.

Macron vinha resistindo em aceitar a assinatura do tratado entre os dois blocos, mas não descartava negociar questões pendentes. Já o chanceler alemão era o maior aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no bloco europeu a favor da assinatura acordo comercial com o Mercosul.

O tratado comercial União Europeia-Mercosul  começou a ser negociado em 1999, mas sempre emperrou por pressões de agricultores franceses e, mais recentemente, espanhóis, que temem a concorrência do agronegócio brasileiro.

No ano passado, o presidente francês até parecia disposto a avançar. Mas recuou em dezembro, alegando a “falta de metas ambientais” do Brasil.

Desde 2019, a União Europeia vinha exigindo a inclusão de sanções em caso de descumprimento de metas ambientais de desmatamento, o que foi mal-recebido pelo bloco sul-americano. Mas o item era considerado negociável, passível de entendimento.

Um estudo publicado em fevereiro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o Acordo União Europeia-Mercosul beneficiaria mais o Brasil que o bloco europeu em termos de aumento do produto interno bruto (PIB), de investimentos e de ganhos na balança comercial.

De acordo com o estudo, caso fosse aprovado este ano, o acordo provocaria um crescimento de 0,46% no PIB brasileiro – o equivalente a US$ 9,3 bilhões a preços constantes de 2023 –, entre 2024 e 2040, em relação ao cenário de referência.

O estudo mostra também que, em termos relativos, o país obteria ganhos maiores que os da União Europeia (aumento de 0,06% no PIB) e dos demais países do Mercosul (alta de 0,20%).

Resistências

Além da extrema-direita europeia, o Brasil também enfrenta a resistência da Argentina, do presidente Javier Milei, em assinar o tratado Mercosul-União Europeia – Milei prefere fazer acordos bilaterais.

Com o fortalecimento político de Marine Le Pen, que tem nos agricultores franceses uma de suas bases de apoio, as discussões em torno do tratado devem voltar à estaca zero.

Além do Mercosul, a União Europeia tem tratados comerciais pendentes com México e Austrália. A Comissão Europeia defende a assinatura de acordos comerciais com parceiros confiáveis para compensar os negócios perdidos com a Rússia e reduzir a dependência da China.

“Agora, certamente haverá um endurecimento nas negociações do Programa Agrícola Comum (PAC) previsto no acordo Mercosul-União Europeia”, diz o economista Julio Hegedus Netto, da consultoria ConfianceTec, que prevê também impacto na questão imigratória, em especial de brasileiros em Portugal. "Há resistência dos partidos nacionalistas na Europa contra a leniência dos governos em conter a imigração, que eles chamam de invasão."

A questão climática também foi impactada com o resultado da eleição. A UE aprovou nos últimos cinco anos um pacote de leis sobre energia limpa e redução de CO2 para atingir as suas metas para 2030.

Embora essas políticas sejam difíceis de serem revertidas, um Parlamento Europeu mais cético em relação ao clima deverá aprovar iniciativas para enfraquecer essas leis, sendo que muitas deverão ser revistas nos próximos anos.

Um tema que foi explorado na campanha pelos ultradireitistas é a eliminação progressiva da venda de novos automóveis com motor a combustão no bloco, fixada em 2035.

O Parlamento Europeu também negociará com os países da UE um novo objetivo juridicamente vinculativo para reduzir as emissões até 2040, com impacto em todos os setores, desde a agricultura, à indústria, até transporte.