Vinte e cinco anos após o início das discussões em torno da criação de uma área de livre comércio entre a América do Sul e a Europa, a reunião da Cúpula do Mercosul e Estados Associados, que acontece na cidade paranaense de Foz do Iguaçu, prevê a assinatura do acordo no sábado, 20 de dezembro.
Mas só o acordo Mercosul-União Europeia não é o suficiente para destravar a pauta comercial do governo brasileiro. Ainda que haja a necessidade real de diversificar a oferta de intercâmbio comercial entre os blocos e diminuir a dependência da China, em termos de exportação, o Brasil precisa, internamente, fazer sua parte para garantir todos os avanços do acordo.
Para o diplomata Marcos Troyjo, ex-presidente do Banco dos Brics e um dos responsáveis pela conclusão de um acordo entre os blocos comerciais, em 2019, em Bruxelas - que acabou não avançando -, há dez pontos fundamentais que precisam ser endereçados pelo governo brasileiro para que o País possa, de fato, ser beneficiado plenamente pelo tratado com os países da União Europeia.
“O que será assinado no sábado é, essencialmente, o que nós assinamos lá atrás, com pequenas alterações. Uma das mudanças foi a retirada, pelo Brasil, da possibilidade de compras governamentais com outros países, o que, para mim, é um erro, porque diminui o volume de transparência”, diz Troyjo, em entrevista ao NeoFeed.
“Estamos subaproveitando a Europa que, no seu conjunto, é a segunda maior economia do mundo. Ela é menor do que a dos Estados Unidos, mas é maior que a da China. A União Europeia tem um terço da população da China, mas um PIB per capita três vezes maior. Poderíamos estar aproveitando isso muito mais”, complementa.
Na visão do ex-secretário de comércio exterior e assuntos internacionais do Ministério da Economia, na gestão de Jair Bolsonaro, a gestão Lula tenta dar sua cara para um plano do qual a administração não fez esforços para avançar, ao longo dos anos.
De qualquer forma, o ex-presidente do Banco dos Brics – cadeira hoje ocupada por Dilma Rousseff – entende que a assinatura e a efetiva implementação do acordo têm um grande potencial para diminuir os riscos gerados a partir da enorme participação do mercado asiático na balança comercial brasileira.
“É um acordo muito importante para os europeus, que estão ensanduichados entre essa megacompetição entre Estados e China, mas também muito significativo para nós. O Brasil, que usa esse discurso de proteção de empresas nacionais, precisa de mais diversificação do comércio internacional”, afirma ele.
“De cada US$ 100 que o Brasil exporta, US$ 33 vão para a China. De cada US$ 2 exportados, US$ 1 vai para a Ásia. Hoje, o Brasil exporta mais para Singapura, por exemplo, do que para a Alemanha; mais para a Tailândia do que a França”, complementa.
Esse volume, no entanto, não é o problema, mas sim deixar de colocar os “ovos” em outras cestas, como nos países europeus. Em geral, esses acordos servem com um grande convite aos investimentos transfronteiriços. E a Europa pode ajudar muito nisso.
“Em um acordo internacional, um dos principais benefícios é que ele serve como um catalisador de reformas internas. Mas isso depende da disposição do governo. E eu não vejo isso no Brasil”, diz ele.
Confira, abaixo, os 10 pontos listados por Troyjo ao NeoFeed que precisam ser endereçados pelo Palácio do Planalto para que esse acordo comercial tenha o resultado esperado:
AJUSTE FISCAL
“Vai ser necessário que o Brasil faça, obrigatoriamente, o ajuste fiscal e as reformas estruturais. E o que vejo é o País pouco atento a questões fiscais, dos gastos públicos e da necessidade de garantir mais competitividade às empresas brasileiras. Há um risco grande de a gente não conseguir fazer a nossa própria parte após a assinatura do acordo.”
CARGA TRIBUTÁRIA ELEVADA
O economista e diplomata aponta a discrepância entre o volume de gastos do Brasil em relação aos principais países emergentes, o que afeta o crescimento econômico do País.
“Se você pegar países como México, Turquia, Índia, eles têm uma carga tributária média de 18% a 22% de seu Produto Interno Bruto (PIB). A do Brasil é 33%. O Estado brasileiro é muito caro.”
INTERVENÇÃO DO GOVERNO EM CONSELHOS DE EMPRESAS
“O governo precisa adotar o modelo de meritocracia nas empresas de economia mista, em que ele tem posição relevante e participa de conselhos. Não dá para seguir com o modelo que esta gestão vem adotando de indicações a esses cargos.”
PRODUTIVIDADE DA ECONOMIA EM QUEDA
No acordo estabelecido, há possibilidade de que empresas saiam do cenário de vendas só para Argentina, Uruguai e Paraguai e avançar sobre os países da União Europeia, e vice-versa. “Tudo isso vai afetar diretamente de forma positiva o agro, o setor industrial e o de serviços”, diz.
Para ele, com a produtividade em queda, o tratado tem potencial de ajudar a mudar esse patamar. “É preciso que o País se modernize internamente. Não há outra saída, o Brasil vai ter que fazer. Essa é uma dimensão que as pessoas não prestam atenção nisso.”
Isso inclui, na avaliação de Troyjo, mais atrações de investimentos para escoamento da produção, como logística e armazenamento.
EFICIÊNCIA DAS ESTATAIS
No contexto em que as empresas estatais registram queda de receita e que apresentam volumes grandes de ineficiência, como no caso dos Correios, que negocia um empréstimo de até R$ 12 bilhões, tendo o Tesouro como avalista, para cobrir o rombo nas contas, Troyjo afirma que é preciso endereçar mudanças reais para isto.
“É muito claro como isso piorou. E não estamos vendo nada para mudar esse cenário. Nenhuma movimentação concreta”, afirma.
INVESTIMENTOS EM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
“As empresas precisam aumentar seus investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Só que, quando elas vão ao mercado, precisam competir com o apetite voraz do grande tomador de crédito da economia que é o governo, que acaba aumentando o preço do dinheiro. Sem as reformas, há menos recursos disponíveis para o investimento em inovação.”
NÚMERO DE EMPRESAS LISTADAS NA BOLSA DIMINUI
“Temos visto um enorme número de empresas que têm anunciado a saída da Bolsa. O aprimoramento do mercado de capitais no Brasil não subiu. Esse é um critério bem objetivo da forma como o governo atua.”
Pelo menos 32 empresas deixaram a B3 desde 2023, segundo dados da consultoria Elos Ayta. Entre janeiro e outubro de 2025, nove empresas fecharam o capital, como Santos Brasil, Carrefour e BRF.
RELAÇÃO DÍVIDA VERSUS PIB
“Essa relação piorou muito nesta gestão. E essa é uma característica muito forte da gestão do presidente Lula.” Dados do Banco Central mostram que a dívida consolidada do setor público registrou alta de um ponto percentual em setembro, atingindo 77,6% do PIB. No padrão do FMI, este percentual chega a 90%.
TAXA DE POUPANÇA COMO PERCENTUAL DO PIB
“Esse é um critério muito objetivo que traduz a gestão econômica do atual governo. Não é opinião. São números. Sem essas ações, o benefício a partir do acordo fica muito limitado.”
AUMENTO DAS ATIVIDADES DE PROMOÇÃO DE EXPORTAÇÕES
“É fundamental que o governo brasileiro faça mais investimentos em iniciativas que garantam mais a presença internacional, em termos de imagem, do mercado brasileiro. Neste sentido, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) tem um papel muito importante.”