O forte crescimento econômico da China no primeiro trimestre de 2024, de 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) na base anual, conforme anúncio oficial na terça-feira, 16 de abril, surpreendeu parte dos analistas – o governo chinês trabalha com um crescimento em torno de 5% do PIB em 2024.

Um ritmo vertiginoso de investimentos industriais, com aumento de 9,9% em relação ao primeiro trimestre do ano anterior, foi fundamental para o crescimento da China. As fortes exportações no início deste ano também ajudaram.

Os dados divulgados, no entanto, abriram espaço para duas constatações. A primeira, que vem causando preocupações no Ocidente, é a aposta do governo chinês em apoiar o crescimento da economia na produção industrial e nas exportações como forma de compensar a retração do mercado imobiliário (com queda de dois dígitos) e do consumo interno.

O efeito disso é a inundação de produtos chineses no mercado externo, com preços imbatíveis, levando vários países a denunciarem práticas protecionistas chinesas para proteger sua indústria.

Outra constatação é que a análise pormenorizada dos números do primeiro trimestre, em especial de março, indica que esse crescimento corre o risco de se transformar num voo de galinha, uma vez que o último mês do primeiro trimestre acusou uma queda relevante da produção industrial e de outros indicadores que haviam sustentado o avanço chinês nos dois primeiros meses do ano.

No entanto, Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, adverte que é preciso cautela ao avaliar os indicadores chineses de começo de ano.

Segundo ele, o feriado do Ano-Novo chinês, ocorrido no primeiro trimestre e marcado por uma paralisação geral da atividade produtiva por uma semana, acaba impactando nos números.

Além disso, a forma de publicação restrita do governo sobre o desempenho do primeiro trimestre não permite avaliar a economia como um todo.

“O setor imobiliário continua preocupante, mas temos sinais de que a economia pode estar entrando nos eixos”, diz Borsoi ao NeoFeed, fazendo a ressalva que é preciso esperar dados de abril para saber a tendência do resto do ano.

“É possível dizer que 2024 tende a ser mais benigno que os anteriores, mesmo porque o impacto causado pela pandemia ficou para trás e a guerra tecnológica com os Estados Unidos não tem avançado”, acrescenta o especialista.

Queda de produção

Parte dessa incerteza é explicada pela queda abrupta de produção de alguns setores em março. Ao longo do primeiro trimestre, por exemplo, a produção industrial chinesa aumentou 4,5% - um dado decepcionante em relação aos 7% registrados em janeiro e fevereiro.

Com índice de 73,8%, a capacidade industrial atingiu, no primeiro trimestre, o nível mais fraco desde 2015 (excluindo o primeiro trimestre de 2020, afetado pela pandemia). Ou seja, no trimestre, China parece ter começado a esgotar seus estoques industriais.

Esse recuo impactou nas exportações. Embora, em termos de volume, elas tenham atingido em março o maior nível em dez anos, em termos de valor, as exportações ficaram apenas um pouco acima do índice de outubro.

Já as vendas no varejo aumentaram 3,1% em relação ao ano anterior em março, abaixo da previsão de crescimento de 4,6% e desacelerando de um ganho de 5,5% no período janeiro-fevereiro.

"A recuperação ainda não tem uma base sólida, já que o ajuste profundo do mercado imobiliário e o excesso de dívida dos governos locais continuam sendo os principais riscos", advertiu Jinyue Dong, economista sênior da pesquisa do banco BBV, à agência Reuters.

O mercado imobiliário é de fato o maior entrave ao crescimento da economia. O investimento imobiliário caiu 9,5% em termos anuais no primeiro trimestre. As vendas caíram 23,7% em março, em comparação com uma queda de 20,5% nos primeiros dois meses do ano.

Segundo Borsoi, estancar a crise do mercado imobiliário é essencial para a China voltar a crescer, uma vez que o consumo interno ainda segue em níveis baixos: “O ritmo do crescimento da economia em 5,3% não será tão grande ao longo do ano, para crescer mais o governo terá de investir, o que não parece estar disposto.”

Para o economista, o governo chinês tem como objetivo evitar uma espiral negativa para evitar uma queda econômica acentuada, mas sem estimular o excesso de produção.

Já a questão do protecionismo deve seguir na pauta das relações da Ocidente com a China. Ao receber em Pequim o chanceler alemão Olaf Scholz nesta terça-feira, o presidente Xi Jinping tentou se afastar da polêmica.

“As exportações da China de veículos elétricos, baterias de lítio, produtos fotovoltaicos, etc., não só enriqueceram a oferta global e aliviaram a pressão inflacionária global, mas também fizeram grandes contribuições para a resposta global às alterações climáticas e à transformação verde e de baixo carbono”, disse Xi, de acordo com para a mídia estatal.

Para Borsoi, a questão é complexa. Se por um lado, o governo chinês de fato subsidia vários setores – ele cita a indústria siderúrgica chinesa, que produz aço com prejuízo, bancado pelo Estado –, por outro, o país vem colhendo os ganhos de ter investido em tecnologia há muitos anos.

“Os carros elétricos e painéis solares são exemplos de segmentos que aproveitaram o apoio estatal para desenvolver alta tecnologia e ganhar mercados”, disse Borsoi.