O primeiro-ministro chinês Li Qiang anunciou na terça-feira, 5 de março, que a China terá como meta um crescimento econômico de 5% em 2024 - índice considerado “ambicioso” por analistas ocidentais -, entre outras medidas que, no fim, decepcionaram os investidores, que esperavam um maior estímulo à economia.

A rigor, a única medida mais efetiva nesse sentido anunciada por Li foi a decisão do governo de emitir 1 trilhão de yuans (US$ 139 bilhões) em títulos ultralongos especiais para impulsionar os investimentos, medida tomada pela última vez em 2020, durante a pandemia.

“A base para a recuperação e melhoria contínuas da economia do nosso país ainda não é sólida, com procura insuficiente, excesso de capacidade em algumas indústrias, fracas expectativas sociais e muitos riscos persistentes”, disse Li ao apresentar o seu “relatório de trabalho” a quase 3.000 delegados presentes em Pequim na reunião anual do Congresso Nacional do Povo, o Legislativo chinês.

Num reflexo da desconfiança com as medidas anunciada por Li – o número 2 do regime, liderado pelo presidente Xi Jinping -, o índice Hang Seng, que mede as ações das principais empresas chinesas na Bolsa de Hong Kong, caiu 2,6%. O índice CSI 300 de empresas listadas em Xangai e Shenzhen fechou o dia com alta de 0,7%.

A meta de 5% de crescimento da economia estipulada pelo governo ficou acima dos 4,6% previstos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e por boa parte dos analistas internacionais.

A taxa anunciada é a mesma do ano passado, quando a economia chinesa avançou 5,2%, mas só após o governo ter baixado várias medidas a partir de julho para impulsionar a produção, incluindo a redução da taxa de empréstimo para injetar mais liquidez no sistema financeiro do país e anúncios pontuais para apoiar o setor imobiliário em dificuldades.

Para este ano, alcançar uma expansão de cerca de 5% exigiria um crescimento anualizado em relação ao trimestre anterior para uma média de 5,3%, acima dos 4,2% em 2023, de acordo com cálculos da empresa de consultoria Capital Economics.

Por outro lado, Li apresentou planos para aumentar o financiamento governamental para a investigação científica e tecnológica em 10% em relação ao ano passado, “para avançar mais rapidamente em direção à autossuficiência”, numa referência à indústria de semicondutores da China.

Separadamente, a China planeja aumentar os gastos militares em 7,2%, para 1,67 trilhão de yuans, o equivalente a cerca de US$ 232 bilhões.

Crise prolongada

O cenário atual chinês explica a desconfiança de analistas estrangeiros e de parte do mercado financeiro – que amarga um nível recorde de quedas de investimento direto estrangeiro em 2023 e no mercado de ações acima de 10% este ano.

O país vive uma crise imobiliária prolongada, com alto endividamento dos governos locais, baixo consumo interno e ainda luta contra a deflação.

Além disso, há crescentes tensões com o Ocidente, em especial no setor comercial, causadas pelo excesso de oferta da indústria chinesa - que produz mais produtos do que a sua economia interna parece capaz de absorver, levantando temores de uma invasão de produtos chineses baratos no Ocidente.

Entre as medidas anunciadas por Li, o governo chinês decidiu aumentar em 4,1% as transferências fiscais para os endividados governos locais, o que representa um alívio de US$ 1,4 trilhão.

Li autorizou os governos locais a emitir um valor combinado de 3,9 trilhões de yuans em títulos, que são utilizados principalmente para financiar projetos de infraestrutura.

O governo chinês também pretende criar pelo menos 12 milhões de empregos e limitar a taxa de desemprego em 5,5% em 2024 (mesmas metas do ano passado).

No setor imobiliário, o primeiro-ministro chinês reiterou a intenção do governo de promover um novo modelo de desenvolvimento imobiliário que se centre no fornecimento de habitação mais acessível, por meio de subsídios para as famílias de baixa e média renda.

Para Tao Wang, chefe de pesquisa econômica para a Ásia do banco UBS, o governo precisa fazer mais para ajudar o mercado imobiliário.

Segundo ela, muitos agentes desse segmento faliram e os consumidores perderam confiança no setor. “A pressão descendente da crise imobiliária sobre a economia continua bastante grave”, disse Tao.

Descompasso

Para o economista Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do FGV Ibre, o maior problema enfrentado pelo país é o descasamento entre o que está sendo proposto pelo governo e as necessidades do atual momento da economia.

Segundo ele, a China – com 55% do PIB em serviços – enfrentou uma carência de demanda muito bem estabelecida no último ano, causada principalmente pela incerteza da população em consumir.

“Mas o governo continua atacando pelo lado da oferta, oferecendo estímulo fiscal, redução de juros e aumento de gastos públicos”, disse.

O problema, adverte, é a ineficiência desse dispêndio e a incapacidade do governo de lidar com a questão central, a falta de confiança do das famílias em consumir. “Isso não está sendo tratado no desenho de política que está sendo proposto”, assegurou Ribeiro.

Em seu pronunciamento, Li foi vago de como o governo conseguirá alavancar o consumo interno em meio ao processo de deflação. Após atingir o índice mais baixo em janeiro em 14 anos, a inflação ao consumidor subiu apenas 0,2%, em 2023 muito abaixo da meta oficial de cerca de 3% - para 2024, a meta de inflação foi mantida.

Para Ribeiro, esse descompasso da economia chinesa também está presente no cenário de deflação. "A grande desinflação em alguns itens, especificamente da carne de porco, está mais associada à sobreoferta do produto do que uma demanda fraca por alimentos", disse.

O discurso de Li, nesse sentido, chamou a atenção mais pelo que ele não disse, incluindo reformas estruturais que os economistas dizem serem necessárias para colocar a China numa posição mais segura.

Por outro lado, o Partido Comunista chinês luta para passar uma imagem positiva, em especial num ano em que o país celebrará este ano o 75º aniversário da República Popular da China.


Matéria atualizada às 13h47 com comentários de analistas