Um debate intenso entre economistas do mundo inteiro, que se arrasta desde meados do ano passado, quando a economia chinesa começou a entrar em um processo de desaceleração, ainda segue quente e sem uma conclusão.

A dúvida é: estaria a China passando por um processo de “japanização” de sua economia, numa referência à crise econômica que atingiu o Japão em 1990, com reflexos até hoje na nação nipônica, com deflação e baixa média de crescimento?

A dúvida surgiu pelas características do atual processo de desaceleração da economia chinesa, que guarda muitas similaridades com a do Japão no final do século passado.

A polêmica é alimentada pela histórica rivalidade de séculos entre os dois países, além de alguns fatos recentes. Entre eles, a recente recuperação do mercado de ações japonês, com o índice Nikkei atingindo nível recorde pela primeira vez em 34 anos na semana passada, graças à migração de investimentos globais que estavam alocados na China.

Em outubro, pela primeira vez em 25 anos, o Japão já havia ultrapassado a China em comissões de taxas de emissões de ações, expondo a queda do mercado acionário chinês.

Além disso, na sexta-feira, 16 de fevereiro, a taxa de crescimento nominal (sem descontar a inflação) do Produto Interno Bruto (PIB) do Japão ultrapassou a da China pela primeira vez desde 1977. A economia japonesa apresentou um crescimento nominal de 5,7% em 2023, enquanto a da China, com deflação, avançou apenas 4,6%.

Com um crescimento médio anual do PIB de dois dígitos entre 2000 e 2020, a China foi duramente atingida pelos efeitos na economia global causados pela pandemia, com redução brusca de exportações, estouro de uma bolha imobiliária, queda no mercado de ações, endividamento dos governos locais e baixo consumo interno.

Exatamente o mesmo roteiro da crise que atingiu o Japão nos anos 1990, quando o país asiático ainda era a segunda economia do mundo (posto que ocupou por 40 anos), posição perdida justamente para a China em 2010.

Outra semelhança é o modelo de desenvolvimento econômico, baseado em elevados níveis de poupança interna e de investimento em ativos, com desestímulo ao consumo.

A rigor, a única diferença entre as crises de Japão e China foi o fato causador – a valorização do iene naquele período, em vez do surgimento da pandemia – e, entre as semelhanças, alguns efeitos, como a deflação chinesa (que o Japão combate há 25 anos) e a questão demográfica, uma vez que a queda de natalidade chinesa atingiu o mesmo ponto da japonesa durante a crise atual.

Se a China corre o risco de virar o Japão dos anos 1990, a probabilidade de a economia japonesa recuperar seu esplendor do século passado ainda está distante.

O Japão perdeu o terceiro posto de economia global para a Alemanha e, de quebra, entrou tecnicamente em recessão, com o PIB japonês encolhendo 0,4% no último trimestre de 2023, depois de queda de 3,3% no período anterior.

Chances de reversão

Apesar da polêmica dos últimos meses, vários economistas recorrem a argumentos sólidos para descartar esse paralelo, alegando que as características socioeconômicas distintas dos dois países, por si só, já seriam suficientes pôr fim à comparação.

Robin Xing, economista-chefe do Morgan Stanley na China, é um dos críticos à comparação. Segundo ele, o crescimento potencial da China de hoje é muito maior que o do Japão nos anos 1990, dando a entender que a crise atual chinesa tem melhores condições de ser revertida.

“Em 1990, o PIB per capita do Japão já era superior ao dos EUA, ou seja, a economia japonesa atingiu o limite ao entrar na crise”, diz Xing. Segundo ele, a China de hoje ainda tem forte competitividade internacional, com investimento em tecnologia e conquistando mercados.

“Como o rendimento per capita da China ainda está muito abaixo do nível dos EUA, o país asiático tem um potencial de crescimento econômico mais elevado do que o Japão de 1990”, acrescenta.

O economista do Morgan Stanley diz ainda que os perfis das dívidas da China atual e do Japão dos anos 1990 são diferentes. Quando a crise estourou no Japão, deixou um rastro de bancos em dificuldades e dívidas corporativas excedentes, o que ocasionou uma geração de estagnação econômica.

De acordo com Xing, o governo central chinês tem a questão fiscal sob controle, o problema é o endividamento dos governos locais. “Assim, a China tem muito espaço para continuar a utilizar a política fiscal do governo central para proporcionar uma almofada enquanto a economia enfrenta o lado negativo”, argumenta.

Já o americano Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, porém, vê a economia chinesa numa situação mais difícil por duas razões. A primeira, pelo fato de a China poder ter caído na “armadilha da renda média”, que parece afligir muitas economias emergentes que crescem rapidamente, mas apenas até um determinado ponto, e depois empacam.

A segunda pelo fato de o Japão ter conseguido atravessar duas décadas de crescimento econômico baixo e deflação sem queda relevante de poder aquisitivo.

“A China, cujo governo é autoritário, pode se sair pior por não ter capacidade de administrar um crescimento mais lento sem sofrimento massivo nem instabilidade social”, escreveu Krugman no final do ano passado.

Fechando o debate, o economista britânico George Magnus, pesquisador da Universidade Oxford, afirma que embora a China corra riscos de repetir o roteiro japonês dos anos 1990, tem algumas ferramentas à mão para reverter a tendência.

Em entrevista ao NeoFeed, Magnus sugere que o governo chinês deveria adotar um programa semelhante ao que o governo dos EUA fez em 2008, após a crise financeira desencadeada com a falência do Lehman Brothers.

“Isso pode ser necessário para comprar ativos em dificuldades e recapitalizar instituições financeiras e bancos em apuros”, diz Magnus. “O governo chinês também precisa urgentemente de uma estratégia de consolidação, ou seja, uma reforma fiscal para recuperar os governos locais.”

O drama, segundo ele, é que essas medidas não estão na agenda do governo. Uma possibilidade, especula o economista, seria o presidente Xi Jinping aproveitar a reunião do Congresso Nacional do Povo, em março, embora Magnus acredite que as autoridades não vão tomar as medidas adequadas de forma suficiente.

“Portanto, a ‘japanização’ provavelmente persistirá e a China deverá enfrentar cerca de uma década de crescimento mais fraco e múltiplos problemas de balanço, o que tornará a política do governo ainda mais urgente de ser observada e avaliada”, conclui Magnus.

Efeitos por aqui

A crise chinesa e seus efeitos também preocupa os gestores brasileiros. Para eles, há um esgotamento do modelo econômico chinês ao privilegiar a oferta, com uma indústria forte, em vez do consumo (por enquanto). Esse grande excedente exportável da China é a principal razão para o preço dos bens caírem no Ocidente.

Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, falou em entrevista ao É Negócio, parceria entre o NeoFeed e a CNN Brasil, sobre como essa competição tem afetado o preço do aço, por exemplo:  “O Brasil está passando por um momento que a gente nunca tinha visto na nossa história, que é uma competição desleal com o aço que tem entrado da China e de outros países asiáticos.”

O problema, diz Werneck, não é a competição, mas sim a forma como tem sido a disputa. “Quando começa a ter penetração de um aço que não segue as práticas da Organização Mundial do Comércio e que vem subsidiado, a gente tem dificuldade de competir”, afirma. Empresas nacionais têm lutado para o governo aumentar a tarifa de importação do aço.

Já Rogério Xavier, CEO da SPX Capital, gestora que tem R$ 45,3 bilhões sob gestão, diz que o gigante asiático passa por sinais de esgotamento econômico e que ainda é difícil saber quando a situação vai, de fato, se agravar.

Mas se há algo que tira o sono do gestor é a China. Segundo ele, o excesso de alavancagem das empresas e do sistema bancário pode respingar pelo canal financeiro, para quem está bastante comprado em títulos de dívida chineses.

"Quando vemos o enredo, vemos que ele é o mesmo que o visto na Turquia, na Argentina em 2000, e na Rússia", afirmou recentemente Xavier.