Last mile é um termo utilizado no setor de logística para indicar que o produto está na reta final para ser entregue na casa do cliente.
Essa foi a figura de linguagem utilizada por André Esteves, chairman e fundador do BTG Pactual, para provocar os gestores André Jakurski, da JGP, Luis Stuhlberger, da Verde Asset, e Rogério Xavier, da SPX Capital, sobre o comportamento da inflação global.
Nos últimos 12 meses, o processo de desinflação em todo o mundo foi acelerado. Nesse período, o Brasil conseguiu colocar a inflação dentro da meta estabelecida pelo Banco Central e até os Estados Unidos conseguiram controlar o aumento de preços de bens e serviços, um indicativo de soft landing para a maior economia global.
“A parte mais difícil da last mile já foi”, afirmou Stuhlberger, da Verde Asset, no CEO Conference Brasil 2024, promovido pelo BTG, ao explicar que os EUA estão voltando para os anos 2010-20 com PIB e emprego robustos com inflação controlada.
Xavier, da SPX Capital, acrescenta: “A inflação de serviços está controlada no mundo, mas a desinflação de bens segue pressionada, principalmente pelo excesso de exportação da China”.
Para os gestores, a balança da economia global está na situação da China. Há um esgotamento do modelo econômico do País ao privilegiar a oferta, com uma indústria forte, em vez do consumo (neste momento). Com isso, embora o PIB do país esteja em 5%, os chineses estão em deflação.
Esse grande excedente exportável da China é a principal razão para o preço dos bens caírem no ocidente. Esse modelo não gera retorno e aumenta o endividamento da China - Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, falou em entrevista ao É Negócio, parceria entre o NeoFeed e a CNN Brasil, sobre como essa competição tem afetado o preço do aço, por exemplo.
Mas a “exportação chinesa de deflação” para o ocidente pode ter um custo alto: um colapso econômico no país. Os gestores lembraram que nenhuma crise imobiliária terminou sem uma no sistema financeiro.
Recentemente, a gigante imobiliária Evergrande, que tentou reestruturar dívidas de mais de US$ 332 bilhões junto aos credores, foi à falência. O presidente Xi Jinping tem tido conversas com os reguladores do mercado de ações para organizar o sistema.
“Quando olho para um prazo mais longo, de até 10 anos, vejo a China militarmente mais competitiva com os EUA. Isso me deixa apreensivo pois como líder de tecnologia, um conflito mais severo pode desligar o Ocidente”, afirma Jakurski, da JGP.
Embora um país não compre duas batalhas ao mesmo tempo e a China está na sua batalha econômica neste momento, há uma percepção dos gestores de que um desarranjo geopolítico na magnitude da esperada no início do ano passado está mais distante.
“Mas, como acredito que a China vai falhar na parte da economia, isso vai gerar fraqueza e Xi Jinping, como todo ditador, vai criar um conflito para buscar a unidade interna novamente”, diz Xavier.
Com esse cenário de deflação global, os gestores foram diretos sobre o papel dos bancos centrais. Para eles, há uma lentidão em reduzir mais rapidamente as taxas de juros.
Esse conservadorismo está ligado ao passado recente da Covid: eles erraram barbaramente na ida, quando os juros precisavam subir rapidamente, e não querem errar nessa volta. Um exemplo é o Brasil, com inflação corrente de cerca de 3,5% para uma taxa de juros de 11,25%, o que dá um “juro real exagerado”.
A visão dos gestores é que todos os bancos centrais estão atrás da curva de juros. Com isso, a renda fixa continua muito mais atrativa do que os ativos de risco. O que, para eles, explica a sangria contínua de fundos multimercados e de ações no Brasil.
Jakurski e Stuhlberger veem a bolsa de valores barata, com algumas ações “amassadas” e bom potencial de valorização. Mas destravar esse valor depende do fluxo de estrangeiros (que foi negativo em janeiro, um movimento inverso ao dos últimos anos), a redução da Selic e o fim dos produtos incentivados.
“O Brasil vai ser sardinha. Se o mundo for bem, o País vai junto”, afirma Xavier.