Os fundos multimercado sempre tiveram um espaço privilegiado nos portfólios de investimento. Os retornos diferenciados e a liberdade de estratégia ofereciam um diferencial para as carteiras. Mas essa posição está sob escrutínio após um ano desastroso, principalmente os fundos macro: menos de um quarto bateu o CDI em 2023.

O mau desempenho cobrou um preço alto. Pelo segundo ano consecutivo, os multimercados registraram saques recordes. O resultado foi um resgate de quase R$ 135 bilhões, um montante que respondeu por 69% da captação líquida negativa que teve a indústria de fundos em 2023. No ano anterior, os saques tinham sido de quase R$ 88 bilhões.

A pedido do NeoFeed, a Morningstar, empresa provedora de dados e análise de investimentos, levantou quais foram as gestoras que mais encolheram em 2023. E, surpreendentemente, as que mais sofreram com os resgates foram nomes badalados da indústria, principalmente as casas conhecidas (e muito respeitadas) pelas suas estratégias multimercado macro.

Liderando a lista está a SPX Capital, de Rogério Xavier. Os multimercados da casa perderam R$ 12,7 bilhões sob gestão. Em seguida aparece a Ibiuna Investimentos, de Mário Torós e Rodrigo Azevedo, com menos R$ 7,8 bilhões. Completando a lista dos três maiores resgates no ano está a Verde Asset, de Luis Stuhlberger, com menos R$ 5 bilhões nos multimercados da casa.

Tirando a Verde, que conseguiu um retorno acumulado de 14,5% em seu fundo multimercado Verde FIC FIM, nenhuma dessas casas macro bateu o CDI, que fechou o ano em 13%. O Ibiuna Hedge FIC FIM entregou 8,1% de retorno. E na SPX o resultado foi negativo em seus principais fundos: o Raptor caiu 12,9% em 2023 e o SPX Nimitiz, 1,5%.

Procuradas pelo NeoFeed, nenhuma das gestoras quis comentar o mau resultado. Mas em 29 de janeiro, na sua participação no Latin America Investment Conference do UBS, Xavier fez um mea culpa sobre o resultado dos seus multimercados.

Segundo ele, a SPX estava comprada na desaceleração mundial, com os EUA entrando em recessão no segundo trimestre. A casa também apostava em um processo diferente de desinflação no mundo. E, no Brasil, ele, particularmente, não acreditava que o Banco Central conseguiria colocar a inflação na meta (ele chegou a defender, inclusive, o aumento da meta).

Para entender a razão desse resultado da indústria, o NeoFeed conversou com seis grandes alocadores do mercado. E a leitura consensual é que houve tanto erros de análise do cenário como também falta de sorte, como na crise bancária nos EUA que mudou a direção da curva de juros e pegou muita gente no contrapé.

“Foi um ano de quebra de tendência frequente, sendo difícil montar posição em uma direção, como esses gestores fazem. A indústria errou principalmente o timing e em um momento de grande competição com outros ativos”, diz Rodrigo Giordano, superintendente da área de fund of funds do Itaú.

Mas é difícil explicar o mau resultado de uma classe que pode investir em qualquer ativo em um ano em que os juros estavam altos, a bolsa brasileira subiu 22% e a americana 25% e o real valorizou 4% sobre o dólar. O investidor pessoa física não entende. E os profissionais questionam por que quase todo mundo estava posicionado nas mesmas coisas.

“É difícil de explicar, mas com certeza há falta diversidade de pensamento. O fato é que enquanto o cenário não estiver claro, não haverá uma recuperação rápida da indústria. E quem performou pior, sofrerá mais para recuperar também a confiança”, afirma Christian Lupinacci, do comitê de alocação da Nova Futura.

Saques contínuos, indústria em transformação

O resultado ruim de nomes considerados por muitos gênios do mercado financeiro acendeu um sinal amarelo nos grandes investidores. Mas esse alerta não se restringe apenas a essas casas, mas à categoria em geral.

Um levantamento da Elos Aya Consultoria mostrou que apenas 34% dos fundos multimercado ficaram acima do CDI no ano de 2023. Levando-se em conta apenas os de estratégia macro, 24%.

Esse desempenho ruim dos gestores de multimercados coincidiu com uma “competição” com os títulos isentos, que atraíram grande parte do volume de saques do mercado. Dentre os segmentos que mais perderam volume, os multimercado macro encolheram R$ 36,5 bilhões no ano passado.

Esse comportamento dos multimercado macro não foi isolada no ano. Ele vem ocorrendo desde 2020. Segundo dados da Anbima, essa classe acumula um total de R$ 82 bilhões em saídas nesse período.

Por esse motivo, o segmento vem encolhendo em participação dentro das diferentes estratégias de multimercado. Em 2019, os fundos macro representavam 16% de todos os multimercado. Em 2022, caiu para 12%. E, no fim do ano passado, ficou ainda menor, com apenas 10%.

“A classe vem sendo questionada, principalmente pela volatilidade em relação ao retorno que traz. Os investidores estão revisando o tamanho da posição que devem ter. Mas isso sempre acontece em janelas difíceis, foi o mesmo com a bolsa e também com o crédito privado”, afirma Eduardo Otero, head de asset allocation & FoF na Warren Brasil.

Parte da discussão se reflete pelo amadurecimento de outros instrumentos alternativos nos últimos 10 anos, como o crédito estruturado, o venture capital, os fundos imobiliários, sistemáticos, entre outras classes de ativos.

“No passado, a classe de alternativos era limitada. Hoje, os multimercado competem com outras estratégias de grande performance. Ao longo de 10 anos, reduzimos em um terço a nossa exposição, apesar de continuar acreditando no seu potencial”, diz Marco Bismarchi, portfolio manager da TAG Investimentos, que hoje tem 15% de alocação na classe.

Na visão dos grandes alocadores de recursos, não é um ano ruim que vai levar ao resgate de um fundo. É preciso acompanhar os resultados em uma janela de, pelo menos, três anos. A gestora passa a ser mais monitorada se houver alguma grande mudança na equipe.

Mesmo com a cautela da janela mais extensa, inegavelmente haverá uma pressão por resultados consistentes. A expectativa é conseguir entregar, ao menos, CDI+4% neste ano. Essa é uma maneira de justificar o risco que esses gestores tomam com o custo acima das demais classes, na dobradinha 2% de taxa de administração e 20% de performance.

A boa notícia é que o cenário de queda na taxa de juros tanto no Brasil (projeção é de Selic perto de 9% no fim do ano) como no exterior é benéfico para essa classe de ativo, que sabe capturar bem esses movimentos. Além disso, a competição com os ativos isentos ficará menor.

Em 1º de fevereiro, o Conselho Monetário Nacional restringiu os lastros elegíveis para os papéis isentos de Imposto de Renda, o que deve reduzir a volume disponível para investir em papéis como Letras de Crédito Agrícola (LCA) e Imobiliário (LCI) e Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) e do Agronegócio (CRA).

Por isso, até o momento, todos os alocadores com os quais o NeoFeed conversou estão mantendo ou mesmo aumentando sua alocação em 2024, após uma redução ao longo do ano anterior.

“Estamos aumentando a alocação porque vemos um cenário mais claro de queda de juros e com isso eles não só ganham oportunidade de ganhar dinheiro como o custo de oportunidade fica menor. Esse é um tipo de movimento que a pessoa física não consegue capturar sozinha”, afirmou Marcos Macedo, head de research e alocação da Fami Capital.

Mas a seleção de quais são os gestores que vão ficar na carteira é um capítulo à parte. Na visão dos grandes investidores, não dá mais para se limitar à visão de estar comprado ou vendido no kit Brasil (estratégia que aposta na alta da bolsa brasileira e na queda do câmbio e da taxa de juros) e nem ter grandes solavancos de performance durante o ano.

Segundo Adilson Ferrarezi, head de soluções de investimentos da Bradesco Asset, há três anos que 85% dos fundos não performam bem e é necessário um trabalho profissional de um time de alocação para achar os 15% que vão ter retornos consistentes. Para ele, os vencedores serão os que estão se modernizando.

“A indústria está evoluindo e caminhando para o que é lá fora, ou seja, não apenas uma busca por retorno, mas pelo gerenciamento de risco. É preciso impedir grandes drawdown (indicador que mostra quanto um ativo caiu em um período) e buscar consistência acima de grandes calls. Não se aceita mais tanto que tenha que cair 20% em um momento para ganhar 15% depois”, diz Ferrarezi.

Na visão dos alocadores, as casas que estiverem mais conectadas com as economias globais, investirem mais em uso de tecnologia para gestão de muitos ativos e gerenciamento de riscos serão os vencedores.

As casas menos preparadas podem ficar para trás, em um ciclo de consolidação neste momento difícil após anos de bonança que levaram ao surgimento de muitas novas gestoras. Mas quais serão elas, só o tempo vai dizer.