Desde que o rombo bilionário de R$ 20 bilhões da Americanas veio à tona, em 11 de janeiro deste ano, é notório que há um certo desconforto em diversos elos do mercado em abordar oficialmente o assunto.

Na segunda-feira, 6 de fevereiro, no entanto, um grande nome quebrou esse silêncio. Com R$ 32 bilhões sob gestão, a Verde Asset Management, gestora de Luis Stuhlberger, dedicou um bom espaço do seu relatório sobre o mês de janeiro ao tema Americanas. E foi direto ao ponto, sem meias palavras.

“Temos a maior fraude da história corporativa do Brasil, um buraco de mais de R$ 20 bilhões e a gestão financeira da companhia (com exceção da recém-empossada CFO) continuou sendo feita pelas mesmas pessoas durante todo o período seguinte”, afirma, no texto, a gestora, que diz ter tido um prejuízo de 14 pontos-base com a posição em debêntures que detinha na operação.

No documento, a Verde ressalta que “beira o inacreditável” que, somente 23 dias após o estouro do escândalo, alguns executivos tenham sido afastados. Sobram críticas também para Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, os nomes à frente do 3G, controladores da operação.

“Os três controladores da companhia, diante da escolha entre aportes para reparar um pedaço substancial da fraude, ou preservar sua reputação / legado, têm ficado silentes, mas claramente escolheram a opção financeira”, diz outro trecho do texto.

A gestora destaca ainda que a recuperação judicial da varejista será um processo longo e ruidoso, no qual os únicos ganhadores serão os “inúmeros advogados envolvidos”. “Quanto mais tempo levar, menor a chance de alguma recuperação relevante para a companhia (e seus funcionários, fornecedores, credores e acionistas)”, observa.

Confira o texto na íntegra:

O caso Americanas

Embora o prejuízo do fundo com a posição em debêntures de Lojas Americanas tenha sido de -14bps, consideramos fundamental dividir nossas reflexões sobre o tema com nossos cotistas. O fundo Verde investe em crédito, tanto no mercado brasileiro quanto globalmente, há pelo menos quinze anos. No mercado local, construímos ao longo dos últimos sete anos uma estratégia focada em crédito high yield, que pelos bons resultados e diversificação de risco, ganhou relevância e capital dentro do portfólio.
Dentro desta estratégia, ocasionalmente fazemos posições em papéis de companhias de perfil high grade, por vermos algum prêmio em relação aos pares, ou algum evento específico que buscamos explorar. Feito este preâmbulo, vamos discutir a posição do fundo em debêntures das Lojas Americanas.

O primeiro investimento do fundo em papéis da LASA ocorreu em maio de 2020, no auge da volatilidade dos spreads de crédito por conta da chegada da pandemia. Adquirimos debêntures numa emissão primária a CDI+3.00%, com vencimento em três anos. Cinco meses depois, com a redução da volatilidade do mercado de crédito, vendemos esses papéis por uma taxa de CDI+1.50%, um spread alinhado com o histórico de captação da companhia antes da Covid. Ato contínuo, em outubro de 2020, fizemos um pequeno investimento em outra debênture da companhia, desta vez uma emissão de dez anos em IPCA usada para internalizar recursos de uma captação externa. Compramos tais debêntures a IPCA+7.40%, e Janeiro de 2023 3 VERDE FIC FIM Relatório de gestão apenas três meses depois, vendemos no mercado secundário esses mesmos papéis por uma taxa de IPCA+5.51%, gerando um retorno bastante interessante para o fundo.

O terceiro (e fatídico) investimento do fundo em debêntures da LASA veio em junho de 2022. A companhia fez uma emissão de dois bilhões de reais a CDI+2.75% com vencimento em onze anos, e decidimos investir por considerar que havia um excesso de spread em relação a empresas comparáveis e ao próprio histórico da companhia. Como em todo investimento de crédito do fundo, analisamos o balanço da companhia (que mostrava um endividamento líquido de menos de três vezes o EBITDA), o histórico da companhia, seus acionistas controladores, time de gestão e as perspectivas do negócio. Com isso, alocamos em torno de 15bps do capital do fundo nestas debêntures (a exposição total de crédito representa por volta de 10% do fundo hoje). E, infelizmente, como todo o mercado brasileiro, fomos surpreendidos pela notícia divulgada pelo recém-empossado CEO da companhia, Sérgio Rial, no dia 11 de janeiro, que causou um colapso no preço das ações, bonds e debêntures da companhia, e levou poucos dias depois, ao pedido de Recuperação Judicial. Ao fim do mês, a posição do fundo estava marcada em torno de 13% do valor de face e trouxe uma perda de aproximadamente -14bps na cota.

Passados vinte dias, o que podemos dizer?

Fomos vítimas de uma fraude. Há quanto tempo que esta fraude existe, quem foram os principais responsáveis e beneficiários, é assunto que será amplamente discutido e explorado no Judiciário. A Verde, em conjunto com outros debenturistas, vai exercer seu dever fiduciário de preservar o melhor interesse dos cotistas.

Quem investe em crédito sabe que este tipo de risco existe. O processo de diligência bem-feito deveria mitigá-lo, mas nunca é possível escapar totalmente do risco da fraude. Como gestores, nosso dever é buscar falhas em nosso processo de investimento e aprimorá-lo a partir dos aprendizados desse caso. Mas estávamos falando de uma companhia com longo histórico, controlado por três acionistas considerados (até então) os melhores gestores de negócios do país, e com balanços auditados por uma das principais empresas do setor.

Beira o inacreditável que somente 23 dias após o fato relevante, que alguém da companhia, seja na área financeira, seja na alta gestão, tenha sido afastado. Temos a maior fraude da histórica corporativa do Brasil, um buraco de mais de vinte bilhões de reais, e a gestão financeira da companhia (com exceção da recémempossada CFO) continuou sendo feita pelas mesmas pessoas durante todo o período seguinte. ‣ A Recuperação Judicial da companhia será um processo longo, ruidoso ao fim do qual os únicos ganhadores serão os (inúmeros) advogados envolvidos. Quanto mais tempo levar, menor a chance de alguma recuperação relevante para a companhia (e seus funcionários, fornecedores, credores e acionistas).

Os três controladores da companhia, diante da escolha entre aportes para reparar um pedaço substancial da fraude, ou preservar sua reputação / legado, tem ficado silentes, mas claramente escolheram a opção financeira.

A resposta da Verde a esse evento será mais trabalho, mais pesquisa, disciplina e foco. Seguiremos investindo em crédito, com um portfólio bastante diversificado, apoiando boas companhias, em estruturas com boas garantias e retornos adequados.