Esqueça as lojas âncoras em shopping centers ou os grandes espaços nas ruas pelos quais a Americanas era conhecida. No futuro da empresa, eles serão exceção. Dois anos após o rombo bilionário no balanço ser revelado, a rede varejista adotou o lema de que menos é mais.

A estratégia é vender apenas o que pode ser levado debaixo do braço. Por isso, a maior televisão que pode ser encontrada na rede de lojas é a de 40 polegadas, que tem cerca de 50 centímetros de altura. Produtos maiores como geladeira, fogão e sofá, por exemplo, estão disponíveis exclusivamente no site e vendidos por algum parceiro.

"Em 2025, seguiremos focados na ampliação de nossa eficiência operacional. Continuamos fortalecendo nossas lojas físicas e intensificando a omnicanalidade consistente em nosso digital”, afirma Leonardo Coelho, CEO da Americanas, ao NeoFeed.

“Hoje, somos uma empresa mais leve, mais simples e mais rentável”, complementa.

Essa estratégia criada por Coelho, pouco depois de assumir como CEO em fevereiro de 2023, para reduzir custos com os centros de distribuição, está começando a dar os primeiros bons resultados.

No balanço do terceiro trimestre de 2024, publicado em novembro, o volume bruto de mercadoria (GMV) acumulado nos nove primeiros meses do ano no varejo físico tinha crescido 14,4%, para R$ 10,6 bilhões. O GMV no digital caiu 49,4%, para R$ 2,4 bilhões.

O executivo decidiu acabar com as chamadas vendas 1P no site — quando a loja vende e entrega o produto por conta própria — ao perceber que esses itens tinham margens negativas.

Para competir com a concorrência, a Americanas dava descontos que não eram interessantes para a companhia, além de oferecer cashback por meio da carteira digital Ame, o que se tornava uma “perda dupla”. O portal da rede varejista passou a ser, então, apenas um e-commerce que conecta os clientes a terceiros.

Com a casa mais arrumada, Coelho quer voltar a avançar no digital para oferecer conforto aos clientes através da omnicanalidade, ou seja, permitir que o mesmo perfil de cliente possa usar o canal que preferir para interagir com a Americanas.

Além disso, as lojas físicas devem ganhar um padrão, para que o cliente saiba onde encontrar cada tipo de produto, independente de em qual unidade esteja. A CFO da companhia, Camille Faria, diz que o número de SKUs (unidade de produtos) também está lentamente ganhando escala, priorizando produtos rentáveis e com boa saída.

“Pulamos de 10 mil SKUs para 14 mil SKUs. Nós tínhamos capacho do Mickey, moletom roxo, casa da Barbie de R$ 2 mil. Isso tudo é desnecessário”, diz Faria. “Nosso cliente quer um moletom preto, uma blusa branca básica e um brinquedo de até R$ 200. O básico.”

A CFO afirma que otimizar o espaço é a estratégia certa no caminho de recuperar a rentabilidade do negócio.

Além de um custo elevado de aluguel, as lojas maiores não são eficientes porque o cliente não tem “paciência” para andar por toda a extensão. Já nas menores, há mais compras por impulso. Uma pessoa que entra para comprar uma calcinha, pode levar também um chocolate, uma supercola e até um brinquedo para o filho.

Em janeiro de 2023, quando o rombo no balanço veio a público, a varejista tinha 1.800 lojas. Hoje, são 1.600, o que levou à demissão de cerca de 8 mil colaboradores. E o plano é fechar mais unidades.

“Vamos fechar lojas se Deus quiser, mas também vamos abrir outras. É um processo natural, igual cortar unha”, diz Faria.

Em busca da credibilidade

Com experiência na reestruturação da Oi, Camille chegou à Americanas 19 dias após a videoconferência para investidores em que o ex-CEO Sérgio Rial divulgou a descoberta das inconsistências financeiras no balanço — ela embarcou na empresa antes mesmo de Coelho assumir a presidência.

“Todo mundo sabia que aquilo ali não tinha sido feito por erro desde o início. A gente só precisava descobrir a motivação”, afirma a CFO.

O primeiro desafio foi refazer toda a equipe do departamento financeiro. Depois, foi focar na sobrevivência da empresa: descobrindo quais números eram verdadeiros e quais tinham sido maquiados, além de se preocupar em não deixar as prateleiras vazias.

A partir da análise, a Americanas descobriu uma fraude de mais de R$ 25 bilhões. O patrimônio líquido e o Ebtida de 2022 foram revisados e estavam negativos em R$ 26,7 bilhões e R$ 6,2 bilhões, respectivamente.

“Naquele momento, a gente não tinha nem base para negociar com credores porque não sabíamos quais números eram reais, nem a capacidade futura de geração de caixa da empresa”, afirma a CFO.

Agora, depois do aporte dos acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, que colocaram R$ 12 bilhões na companhia no ano passado e aumentaram sua fatia de 30,1% para 49,2%, o objetivo é mostrar para o mercado que a empresa está se recuperando e pode ser rentável.

A tentativa é reaver a credibilidade e visa atrair os investidores institucionais. O entendimento da companhia é que a ação AMER3 está basicamente nas mãos de pessoas físicas — o empresário Inácio de Barros Melo Neto, por exemplo, dono de instituições de ensino em Pernambuco, detinha no segundo semestre do ano passado 12,5% dos papéis da rede varejista.

Um outro objetivo é voltar a gerar resultado de forma consistente. No terceiro trimestre de 2024, o Ebitda ajustado da companhia foi de R$ 497 milhões, revertendo o resultado negativo de R$ 269 milhões apontado no mesmo período do ano anterior.

A retomada da confiança, na visão da CFO da Americanas, só deve acontecer depois de pelo menos três balanços consistentes e com dados positivos.