Como a economia brasileira está se comportando? O impacto das guerras nos preços dos ativos? A China pode abalar a hegemonia americana? Quais ativos o investidor deveria olhar com mais atenção? Há gente demais dando opiniões para essas perguntas, mas quando quem responde é Luis Stuhlberger, um dos maiores gestores do Brasil, é bom prestar atenção.

À frente da Verde Asset, Stuhlberger marcou seu nome na história da gestão de recursos e é referência para qualquer pessoa que esteja atenta aos movimentos do mercado financeiro. E ele recebeu o NeoFeed para uma entrevista exclusiva na qual discorre sobre investimentos, geopolítica, economia, entre outros assuntos, como o futuro da Verde.

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Com cerca de 75 pessoas e R$ 26 bilhões sob gestão – já foram R$ 50 bilhões antes de a renda fixa fazer todos os fundos do mercado sofrerem com resgates –, a Verde está perto de concluir a chegada da Lumina, de Daniel Goldberg, ao seu quadro acionário. “A chegada do Daniel vai nos gerar também uma maior capacidade, principalmente nas coisas que ele entende muito bem, que é crédito em situações complexas”, diz Stuhlberger.

Na conversa com o NeoFeed, Stuhlberger diz que “não vai sair atirando para todo lado e criar um monte de verticais”. Ele também contou que passou a olhar com mais atenção aos 10Y Treasury, está apostando na moeda indiana contra a chinesa e que no Brasil os juros da NTN-B 35 estão muito atrativos.

Também afirma que os investidores se decepcionaram muito com o mercado de ações no Brasil. “Não há milagre, chega uma hora que você não consegue performar se o PIB do País não anda”, diz. Numa rara declaração, falou sobre a responsabilidade de ser um gestor de recursos do seu tamanho. “É um peso, sempre foi um peso e sempre será um peso. O peso da responsabilidade de gerir recursos de terceiros.”

Mas reflete sobre a questão. “O que eu tenho acumulado na vida é a experiência. A experiência de lidar com o estresse disso, a gente tem que ter. Se você não souber lidar com o estresse disso, você não pode fazer esse trabalho. O que não quer dizer que você não sofre”, afirma, dando o exemplo da noite em que a Rússia invadiu a Ucrânia e como isso mexeu com os investimentos.

Na entrevista que segue, Stuhlberger ainda analisa a questão fiscal do Brasil e dos Estados Unidos, a competição dos americanos com os chineses e o que pode acontecer mais para frente. Aproveitou para parafrasear o economista Zoltan Pozsar, ex-estrategista do Credit Suisse, e disse que o tema hoje é a Terceira Guerra Mundial.

“Mas que é uma guerra financeira, tecnológica e geopolítica. Tudo tem algum componente político hoje, nearshoring, reshoring, produção de chips e processadores, componentes de armas, baterias. Tudo vai ter que ser feito no seu país ou você não terá controle sobre supply-chains críticos militares e de inteligência, tecnologia.”

Sobre o Brasil, foi enfático. "O Brasil é um país complicado. Temos o nosso inferno particular, fiscal e trabalhista”, diz. Mas fez questão de frisar a preocupação com a insegurança jurídica que afasta o investidor estrangeiro. “O investidor estrangeiro está pondo muito menos dinheiro nas ações e, geralmente, o gringo sabe comprar barato, ele sabe ir na contramão do mercado, mas ele está entrando muito pouco.” Acompanhe a seguir os principais trechos:

A Verde é uma das gestoras mais respeitadas do Brasil, uma referência para muita gente do mercado. Como ela está atualmente?
A Verde faz o que sempre fez, que é para gerir fundos multimercado, de ações, de previdência e crédito. Então, digamos assim, o nosso goal está nos fundos que existem há muito tempo. O time da Verde está mais robusto, nas capabilities que a gente trouxe recentemente, tanto em crédito, em ações e em alguns books menores, mas significativos, com quatro ou cinco talentos. Estamos sempre empenhados em, digamos, melhorar nossa performance, melhorar o time. Existe outra coisa acontecendo que eu diria que está nos finalmentes.

O quê?
A mudança do nosso sócio minoritário, que hoje é o UBS Credit Suisse, para a vinda da Lumina, do Daniel Goldberg, e isso vai nos gerar também uma maior capacidade, principalmente nas coisas que o Daniel entende muito bem, que é crédito em situações complexas.

Vai entrar nisso?
A gente não vai, obviamente, poder colocar muito crédito dentro dos fundos, porque como são fundos abertos que têm liquidez D30, D60, você tem um limite que não é grande, cerca de 15%. Mas, fora isso, a gente acha que o Daniel vai nos ajudar em muitas outras coisas.

No quê?
A contratar talentos.

A ideia é aumentar o time?
Não necessariamente, mas é uma possibilidade. Por exemplo, uma asset class que, desde 2008, ninguém liga são os Global Bonds, que a taxa estava muito baixa. Agora com a taxa do dez anos beirando 5%, e os bonds ainda pagam spread, isso é uma asset class em dólar que, com o passar do tempo, vai ter uma alocação maior por parte dos investidores, eu creio.

Vocês farão isso?
Não estou dizendo que a gente vai fazer isso. Isso é uma possibilidade que eu estou te falando da mais óbvia, de entrar no mercado assim, com a ajuda do Daniel, que a gente não tem hoje. E que o mercado não tem hoje. No 10Y Treasury médio, se você chegar num dia qualquer, randômico, e clicar de 2008 até 2022, o que você olharia. Tipo assim, um chipanzé clicando ali. O que eu tenho hoje se eu aplicar por dez anos no 10Y Treasury? O valor mediano é 2,27%. Por 2,27% em dez anos, como a inflação americana nesse período foi perto de dois, você tem um juro real de zero. Agora, a TIP americana está 2,5%. Então você tem um juro real extremamente alto. Isso é uma possibilidade de fazer. Isso é uma frente. Mas a gente também não vai sair atirando para todo lado. Porque isso aqui é uma coisa que eu acho que a gente não deve fazer, começar a criar um monte de verticais.

“A gente também não vai sair atirando para todo lado. Porque isso aqui é uma coisa que eu acho que a gente não deve fazer, começar a criar um monte de verticais”

Para não perder o foco, né?
Eu acho que o nosso foco é gerir bem o que a gente tem e que tem muita coisa a ser feita nesse campo.

Como um todo, o mercado de assets, principalmente os fundos, tiveram saídas de quase R$ 260 bilhões neste ano, segundo a Anbima. Como você tem acompanhado isso?
O mercado de multimercados e de fundos de ações está passando por uma reestruturação significativa de tamanho e eu acho que essa fase foi muito aguda esse ano. Foram dois efeitos: a má performance do mercado de ações e a má performance dos multimercados nesse ano. Esse é um mercado que tem muita alocação dos funds of funds, dos grandes distribuidores. Geralmente, um investidor não tem um multimercado só, ele tem três, quatro, cinco, seis. Eu diria que quando, coletivamente, eles vão mal, você provoca um resgate no sistema inteiro.

O que está chamando esse capital?
São produtos e possibilidades de investimento isentos de imposto. É aquilo que o Haddad chama de uma parte das jabuticabas brasileiras. Só que essa jabuticaba é muito forte, muito sólida, porque você tem CRI, CRA, LCI, LCA, debêntures de infraestrutura, fundos imobiliários. Estar isento de imposto é um atrativo. Na última vez que eu vi, as emissões disso neste ano montava uns R$ 800 bilhões. Você tem, por semana, praticamente de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões de emissão de debêntures de infraestrutura isentas de impostos. Eu não acho que isso vai acabar porque os lobbys para não acabar com isso foram muito fortes.

O que pode fazer a indústria crescer?
Esse é um mercado curioso. Vamos supor que existe uma competição entre os gestores. Quer dizer, no fundo, nós gestores, cada um compete consigo mesmo. Ou seja, o teu problema é você performar bem. Se você está discutindo aqui, o campeonato Carioca, o cara do Flamengo quer que o do Fluminense vá mal. A gente aqui tem que torcer para os outros gestores de multimercado irem bem, porque, se eles vão mal, afeta todo o sistema. É uma coisa curiosa, porque o resgate vem em todo o sistema. Não posso dizer que está sendo uma fase fácil para a gente, mas, de fato, estamos vendo um tamanho da indústria, coletivamente, diminuindo também.

“A gente aqui tem que torcer para os outros gestores de multimercado irem bem, porque, se eles vão mal, afeta todo o sistema”

Os investidores se decepcionaram com a bolsa brasileira?
A decepção dos investidores com o mercado acionário foi muito grande. Não foram só os investidores em fundos de ações ou a parte de ações que está em multimercado. Mesmo no mercado de pessoa física, que houve muito investimento, todo esse fenômeno de financial deepening, que começou em 2017 e 2018, foi uma grande decepção.

Você enxerga uma volta desse mercado da bolsa, enxerga a bolsa voltando a performar? A bolsa está andando de lado...
Se você pegar, principalmente, em 2021 e 2022, as carteiras dos fundos de ações foram piores que o Ibovespa, não todas. No geral, foram piores porque dificilmente a carteira de um fundo replica o Ibovespa EWZ, até porque é muito concentrada em commodities e bancos. Isso foi excepcionalmente bom entre 1995 e 2010. Depois, a carteira do EWZ e do IBX ficou mediana, mas, nos últimos dois anos, ela foi bem melhor do que os fundos de ações.

A que você credita isso?
O fundo de ação está mais correlacionado com o PIB brasileiro e o Ibovespa não tem muito a ver com o PIB. Você pega bancos, Petro e Vale. De 1999 até 2010, o Brasil cresceu 4% ao ano. De 2013 a 2023, o Brasil cresceu praticamente zero. Não há milagre, chega uma hora que você não consegue performar se o PIB do País não anda.

“De 1999 até 2010, o Brasil cresceu 4% ao ano. De 2013 a 2023, o Brasil cresceu praticamente zero. Não há milagre, chega uma hora que você não consegue performar se o PIB do País não anda”

Você se cobra muito? Sabe o chef de cozinha que ganha a estrela Michelin e já fica agoniado porque tem que ganhar a segunda, a terceira, e depois se manter na terceira?
É um peso, sempre foi um peso e sempre será um peso. O peso da responsabilidade de gerir recursos de terceiros. Quando o resultado não é o que você queria, o peso fica maior. Mas sempre estou tentando dar o melhor de mim, assessorado pelo time. O que eu tenho acumulado na vida é a experiência. A experiência de lidar com o estresse disso, a gente tem que ter. Se você não souber lidar com o estresse disso, você não pode fazer esse trabalho. O que não quer dizer que você não sofre. Então vou te dar um exemplo, que é a noite do dia 24 de fevereiro de 2022. O que aconteceu? A Rússia invadiu a Ucrânia.

O que isso representou?
Eu tinha uma posição muito grande short em 10Y Treasury. Para piorar, era o comecinho do carnaval na época. Para você ter uma ideia, esse que hoje está em 4,90% na época estava 2,10%. Vindo lá do fim de 2020, começo de 2021, que a gente fez a posição, de 1,30%. Fizemos essa posição em abril, maio 2021, e carregamos depois por muito mais tempo até o fim de 2022. Mas o que aconteceu nessa noite quando a Rússia invadiu a Ucrânia? Ele tinha subido de 1,40% para 2,10% longo de sete, oito meses, mas, nessa noite, ele caiu de 2,10% para 1,70%, um evento geopolítico. O maior problema que a gente tem que lidar como gestor é quando o mercado vai para um lugar que é contrário aos fundamentos que você acha.

São muitas variáveis...
Isso pode acontecer por uma razão econômica, por uma razão política interna do país. Por exemplo, eleição é uma coisa política. Depende de quem é o presidente do Brasil, se é o Bolsonaro ou Lula, os mercados mudam. Você tem eleição, mas tem um econômico previsível. Para onde vai o Congresso, para onde vão os dados. Então, você tem fundamento. Depois, tem o fundamento geopolítico. Ou você tem um acidente que pode ser um terremoto, pode ser o ataque às torres gêmeas, estoura uma guerra em algum lugar. E aí é muito duro lidar com isso, porque você não sabe se fica, se vende, se é melhor sair e esperar para voltar. Esse é um exemplo de uma noite.

E agora tem uma nova guerra, a de Israel contra Hamas...
Sim, agora aconteceu um outro evento em menor escala. Estamos vendo as consequências dele, extremamente relevante para Israel, mas em termos de mundo não é “extreme relevant”, a não ser para o preço do petróleo e do ouro.

Qual é o ativo que está fazendo preço no mundo?
É o 10Y Treasury. Você está vivendo num momento em que ele distorce e está levando para um outro patamar, problemático, toda a cotação de ações, de crédito, do mundo. Você tem um meio que um trem desgovernado que saiu de controle e ninguém sabe onde isso vai parar de verdade.

Está difícil ler o mercado?
Está difícil, mas é sempre difícil. Hoje, a informação circula muito rápido e muito fácil, mas antigamente o difícil era ter informação. Hoje, a informação circula e circula muito rápido, de maneira que algum dado que já chega no mercado, aí é tarde. Você tem que antecipar os dados. O que é importante é que cada gestor tem seu estilo.

Qual é o seu?
Eu procuro normalmente fazer posições que eu tenha muita convicção. Vamos dizer, tem muitos gestores em que o fundo é muito picado, tem um monte de gente com pequenas posições, não é meu estilo. Não faço muitas posições, faço posições maiores que eu tenha muita convicção. E não é fácil ter muita convicção agora.

“Na verdade, o grande mistério dos mercados hoje é o que a gente chama de when good news is bad news

Por quê?
Vou te dar um exemplo comparando o total return dos últimos 10 anos do S&P ETF e do ETF de Long Term Treasury ETF. Se você investiu US$ 100, há 10 anos, o seu retorno no S&P foi de 191% e no Long Term Treasury ETF foi de menos 1%. E o cara pergunta assim o que vai acontecer nos próximos dez anos? Porque, teoricamente, a maior discussão que tem em cima disso. Normalmente um aperto monetário, igual ao que teve nos Estados Unidos desse tamanho, indo de zero para quase 6% em menos de dois anos e o TY Treasury indo de 1,5% para quase 5% nesse mesmo período, deveria provocar consequências muito mais graves nos Estados Unidos e no mundo do que ocorreu. Esse é o desafio e a dificuldade de entender o mercado. Na verdade, o grande mistério dos mercados hoje é o que a gente chama de when good news is bad news.

O que isso significa?
O good news é que tem emprego para todo mundo nos Estados Unidos. E isso, na verdade, é um challenging factor, porque, desde que teve a revolução industrial, se fala que os empregos vão acabar. Veio a revolução industrial, mas agora a indústria vai ter máquinas, então vai acabar o emprego... Não acabou. Aí, veio o século XIX, 90% dos empregos do mundo eram no campo, veio a mecanização da agricultura, que não para de melhorar a produtividade cada vez precisando de menos gente. Essas pessoas vão perder emprego, não vão ter para onde ir... Elas migram para as cidades. Aí, depois passa um tempo, vem a China, joga os preços lá pra baixo, você tem uma desindustrialização dos Estados Unidos muito grande, que está em choque agora. Aí dizem que os empregos vão acabar. Não acabaram.

Qual a explicação?
O setor de serviços não para de criar empregos e cada dia aparecem dezenas, centenas, milhares de novos serviços. Parte deles vem com a tecnologia. A tecnologia que, em tese, rouba empregos como o de ascensorista ou de frentista nos EUA, criou outros empregos para essas pessoas. E ninguém nem mais diz que a inteligência artificial vai acabar com os empregos. Vai mudar porque as pessoas estão vivendo mais. Então, isso é uma maravilha.

“O setor de serviços não para de criar empregos e cada dia aparecem dezenas, centenas, milhares de novos serviços. Parte deles vem com a tecnologia”

E quais são as bad news?
Você junta isso com os efeitos da Covid, está tendo um boom de inflação que leva uns anos para retornar a um patamar como era até 2020. Ele vai voltar, a inflação pode ser um pouquinho maior, a taxa de juros de equilíbrio um pouco maior, mas isso vai voltar. O problema é quando. Mas é interessante isso porque o mundo tem aquelas preocupações. Primeiro lugar, que não vai ter emprego. Mas tem emprego. Segundo lugar, uma preocupação geopolítica que é muito séria, porque eu acho que aí talvez quem define melhor tudo isso é o Ray Dalio. Ou seja, quando o Império declina, então estamos falando do declínio do império americano.

Quem desafia o império americano?
Hoje claramente são três: a China, a Rússia e agora o Irã, como um representante no Oriente Médio de alguém que quer mudar a ordem mundial para se ter um grande mundo dominado pelo islamismo radical. A questão que se coloca no geopolítico, do lado perigoso, é se esses três países resolvem fazer três guerras regionais achando que os Estados Unidos não vão poder lidar com três guerras simultaneamente, e o Estados Unidos hoje tem um desafio fiscal grande.

Qual é a sua opinião sobre isso?
Eu particularmente acho que, para um conjunto de impérios derrubar um império dominante, ele precisa ter substância econômica. Não adianta só ter um exército. O que a Rússia e o Irã são hoje em termos econômicos?

Mas a China tem...
Tem, mas já esteve melhor. A China tem sérios problemas. Eu particularmente não acredito que, num modelo comunista como a China é, não vai sofrer um grande problema interno no desenvolvimento. Mas, obviamente, ela é uma potência que ainda tem um PIB per capita muito baixo, enfim, que tem seus próprios problemas para resolver. A questão é quando. Daqui a 5 anos, 10 anos, 20 anos... É muito difícil você tirar a hegemonia americana. Quem quer viver num mundo dominado, de alguma forma, por Rússia, China e Irã? Você não gostaria de viver nesse mundo, né? Nem eu. Então não é tão simples que isso aconteça. Quem melhor escreveu sobre isso foi o Zoltan (o economista Zoltan Pozsar, ex-estrategista do Credit Suisse).

“É muito difícil você tirar a hegemonia americana. Quem quer viver num mundo dominado, de alguma forma, por Rússia, China e Irã?”

O que ele diz?
Ele escreveu um texto em maio de 2023 que o tema hoje é a “Terceira Guerra Mundial, mas que é uma guerra financeira, tecnológica e geopolítica. Tudo tem algum componente político hoje, nearshoring, reshoring, produção de chips e processadores, componentes de armas, baterias. Tudo vai ter que ser feito no seu país ou você não terá controle sobre supply-chains críticos militares e de inteligência, tecnologia. Tudo isso vai levar a um custo muito mais alto para o sistema, vai ter que empregar muito mais gente a partir de um ponto que os Estados Unidos e outros desenvolvidos já estão em pleno emprego e esse custo vai se transformar em mais inflação”. Essa é uma ideia do desafio que vivemos hoje porque o dividendo da paz está terminando.

Nesse cenário complexo, você disse que monta posições em ativos que tem convicções. Quais são esses ativos?
Hoje a gente tem aproximadamente 15% em ações, sendo que eu diria ações brasileiras, mas algumas são ligadas a commodities, temos 15% em crédito. A gente tem uma posição na NTN-B 35 e a B 60, que é um juro real absurdamente alto que o Brasil está pagando; temos uma posição comprada em inflação no Brasil, que, na verdade, é uma compra de NTN-B, tomada a pré; temos uma posição mais de um trade de curto prazo aplicada no juro nominal americano até o final do ano, que é uma posição via opções. A gente tem uma posição comprada na moeda da Índia e vendida na moeda da China. Achamos que, nos próximos dez anos, ela tem um carry positivo. E a Índia está dando um catch up de PIB per capita em relação à China e é uma posição que a gente gosta muito. O resto são pequenas posições.

“A Índia está dando um catch up de PIB per capita em relação à China e é uma posição que a gente gosta muito”

Você está apostando que a Índia já está chegando no patamar da China?
Isso vai demorar, mas é uma posição para capturar isso. Nunca vai chegar no patamar da China, mas vai diminuir a distância. Isso é muito favorável para a moeda e afora que o carry é muito bom. Além de tudo, a China está tendo sérios problemas de outflows na balança de conta corrente dela. Acho que a moeda da China está muito vulnerável. A China está segurando essa moeda, vamos dizer, em um patamar aí de 7,30. O governo não deixa desvalorizar mais, mas eu acho que vai chegar um momento em que ele vai ter que permitir.

Na bolsa brasileira, os ativos estão baratos ou caros?
Olha, a conta do nosso time de equities, pela carteira que a gente tem hoje, ela deveria dar uma TIR de cerca de 12% real ao ano. Então, se você comparar com uma NTN-B a 6%, tem aí um equities risk premium de 6%, que é muito bom de carregar. O problema é que a gente está vivendo uma fase na qual continuam os resgates. Então você tem um outflow no sistema, isso sempre atrapalha bastante. E o dinheiro do investidor estrangeiro vindo para ações está muito ruim. O investidor estrangeiro está pondo muito menos dinheiro nas ações e, geralmente, o gringo sabe comprar barato, ele sabe ir na contramão do mercado, mas ele está entrando muito pouco.

Onde eles estão investindo?
Olhando o Brasil, o interesse é maior no setor de agribusiness. O Brasil é o pulmão do mundo é o lugar onde a produção de alimentos e seus componentes como soja, milho, etc., geram investimentos. O resto, que é investir em serviços, consumo, indústria, existe, mas muito aquém do que a gente imaginava. O Brasil é um país complicado. Temos o nosso inferno particular, fiscal e trabalhista. E eu diria que hoje a gente tem uma situação assim, da parte do Judiciário, tomando decisões políticas, muito apreensivo. Quando você investe em um país, você quer segurança jurídica. E isso está piorando, não melhorando. Quando isso piora, afasta o investidor.

“Quando você investe em um país, você quer segurança jurídica. E isso está piorando, não melhorando. Quando isso piora, afasta o investidor”

Como está a sua visão de Brasil?
Como todo mundo diz, o Brasil não é para principiantes. Passamos uma época pré-eleição, que era um teste para a nossa democracia. Se a gente ia ter um presidente ou não, tinha uma ameaça, no meu entender, séria, que acabou não acontecendo por falta de apoio, mas teve. Então, tivemos um presidente eleito. Aí quando o presidente entra, todo mundo comemora porque ele foi eleito, digamos, com um Congresso mais de direita. Nunca o conjunto inteiro de deputados de esquerda foi tão baixo. Então isso dá uma certa segurança sobre o Congresso resguardar certas medidas de esquerda, que possam ser ruins para o país. Mas aí veio o Lula com esse pedido de R$ 200 bilhões. Foi ruim. Aí os mercados pioram, vem o Haddad e com a vinda do arcabouço fiscal isso melhorou. Pensa assim, nos quatro governos anteriores do PT, os gastos subiram 6% por ano.

É muito...
Não tem, na história do mundo, país que, tirando período de guerra, subiu a despesa da maneira como o Brasil subiu. Agora, é 2,4% o total, tem que uma receita para ser 2,4%, mas que é bem melhor do que se imaginava. A gente está numa época que o desafio é grande.

Por exemplo?
Como o governo não consegue fazer reforma administrativa, não consegue diminuir gasto, tem essa conta de R$ 100 bi, R$ 150 bi do ano que vem que não fecha. Você tem coisas ruins e coisas péssimas que também pesam um pouco no mercado acionário.

Quais são as ruins e péssimas?
Essa ideia que veio de separar o precatório no que é o original, que cairia no primário, e o juros do precatório acumulado desde a época que ele criou até o pagamento, como despesa financeira. Então está extra-arcabouço. Isso é ruim, vai gastar, vai aparecer no déficit. A gente não sabe se vai sair.

“Como o governo não consegue fazer reforma administrativa, não consegue diminuir gasto, tem essa conta de R$ 100 bi, R$ 150 bi do ano que vem que não fecha”

Qual mais?
Autuar as empresas no Carf o mais que puder com um voto de qualidade. Na minha opinião, o nome disso poderia ser substituído para voto sem qualidade. O fato de o governo ter o poder de minerva em uma decisão 4 a 4, que geralmente acontece. O Carf vai para cima das empresas, obriga a fazer depósito judicial e aí o STF deu o entendimento que esse depósito judicial pode ser usado pelo governo para pagar a despesa. Só que o governo não ganhou essa causa ainda. Geralmente, tem uma chance grande de, daqui a 12 anos, o governo perder essa causa e isso é um problema para quem estiver gerindo o Brasil daqui a 12 anos. E vem, o que é péssimo, aumento de impostos para o ano que vem.

Muitas ideias desse tipo...
Terminar com o JCP (juros sobre o capital próprio) que não houve acordo esse ano. Isso daria algum dinheiro para o governo. E o mais provável é que o governo tente instituir o imposto sobre dividendo, baixando muito pouco dos 30%. Tem outras como usar o recurso do pré-sal, que dá para antecipar uma parte. Aliás, a reforma tributária é um desafio porque o Brasil está mirando um IVA de 25%, que é alto. Para um padrão emergente, deveria ser 21% ou 22%. E agora, com todas as exceções que foram criadas e ainda as exceções que serão criadas, você vai ter um imposto de equilíbrio, para manter a carga tributária como ela é hoje, um IVA de 27%, 20% e 30%. A proposta não é ruim. O problema é que a alíquota é alta porque tem muita exceção. Mas, se não tivesse exceção, a alíquota podia ser 20% ou 21%. Quanto mais se aumenta a carga tributária, menos o PIB sobe. Então você fica com a porca correndo atrás do rabo. É isso que a gente está internamente fazendo.

“Quanto mais se aumenta a carga tributária, menos o PIB sobe. Então você fica com a porca correndo atrás do rabo. É isso que a gente está internamente fazendo”

A alta taxa de juros é um eterno problema do Brasil. Qual a sua avaliação?
O Roberto Campos Neto tem dito que o Banco Central pode cometer dois tipos de erro. Um é ter uma taxa de juros muito alta que, no final, prejudica o crescimento do PIB, ou muito mais baixa e aí você vai pagar o preço disso em mais inflação. O que ele menciona, e que faz sentido, é que os dois erros não são simétricos. O erro de errar para baixo dá mais danos ao país do que errar para cima. A gente não vai se livrar deste debate tão já. Agora, claro que existe outro problema, com a SOFR (Secured Overnight Financing Rate) que os bancos americanos captam, mais algum prêmio, está perto de 6%, como é que a Selic vai ser abaixo de 10%? Quando a gente chegar em maio do ano que vem, aí vai depender das circunstâncias, vamos ver. Eu acho que, se o câmbio tiver OK, dá para ir um pouco abaixo porque a nossa situação de inflação está relativamente contida.

Na sua visão, o que o Brasil fez de positivo nos últimos anos?
Foram as reformas feitas entre 2016 e 2021. O Teto de Gastos que agora virou arcabouço; a Lei das Estatais – que agora está sendo questionada –; o fim da obrigatoriedade da Petrobras como operadora única no pré-sal; o investimento privado no PIB com participação perto de 20%; a criação da TLP; a redução do BNDES, a reforma trabalhista; a reforma da Previdência; nova lei de falências; marcos regulatórios dos portos, ferrovias e saneamento; privatizações; lei de liberdade econômica, e outros pontos positivos.

Em termos econômicos, como você está vendo os Estados Unidos com inflação e juros?
Os Estados Unidos, para continuar sendo a maior potência do mundo, uma hora ele vai ter que reequilibrar o déficit, porque os Estados Unidos têm um déficit recorrente aí de 4% do PIB. E ele vai, nos próximos cinco, seis anos, para 5% do PIB. Não pode ter um país, que é a potência do mundo, com um déficit fiscal de 5% do PIB. E, com esse juro, esse negócio pode subir mais ainda. Acontece o seguinte: a carga tributária nos Estados Unidos é baixíssima. Ela era alta nos anos 60, começou a mudar com o Ronald Reagan diminuindo os impostos. Ele foi diminuindo, diminuindo até que a última diminuição veio com o Trump (Donald Trump). Eu diria que o Estados Unidos hoje tem uma carga tributária total de 24%, 25%. Gente, o Brasil é 35%. Como a potência do mundo está assim? Pega os dois sistemas, você olha o equilíbrio fiscal dos países ricos na Europa e nos Estados Unidos.

“Os Estados Unidos, para continuar sendo a maior potência do mundo, uma hora ele vai ter que reequilibrar o déficit”

Qual é a diferença?
Os Estados Unidos têm um déficit, mas a carga tributária é 24%. A Europa está equilibrada, com exceção da Itália, que é um eterno problema. Mas, se você pegar os outros grandes países, eles estão equilibrados em cima de um déficit próximo de zero. Porém, a carga tributária nesses países é de 40%, 42%. Eu não vou dizer que a carga tributária Estados Unidos vá a esse nível, longe disso, mas vai ter que subir alguns pontinhos do PIB. A gente tem que ter isso em conta.

Ano que vem tem eleições por lá...
Ano que vem é um ano eleitoral e o Trump está prometendo diminuir ainda mais. Nenhum presidente se elege dizendo que vai aumentar a carga tributária, é um suicídio, mas vai chegar uma hora em que a lógica vai ter que prevalecer e essa lógica vai ficar mais aparente se o custo de financiar essa dívida subir muito.

“Primeiro, a China representava 22% das importações americanas. Agora, 15%. O México passou a China. Toda essa onda de nearshoring, geopolítica, é ruim para a China”

A economia chinesa também tem preocupado o mundo. Como você está acompanhando esse tema?
Tem algumas questões acontecendo. Primeiro, a China representava 22% das importações americanas. Agora, 15%. O México passou a China. Toda essa onda de nearshoring, geopolítica, é ruim para a China. Ela tem um problema de geopolítica com os Estados Unidos, mas eles se dependem mutuamente. Afora isso, a China não é mais o low cost de produção do mundo.

Quem substituiu a China nesse campo?
O manufacturing labor cost de Filipinas, Malásia, Tailândia, Indonésia, Vietnã é mais baixo do que o da China. Tudo bem que, parte disso, ela empacota, faz junto e acaba exportando. Mas isso é um outro problema para China. O real estate, os outflows de capital, são problema real. A China tem um real estate residencial de 370% a 380% do PIB, enquanto, que na média dos países da OCDE, esse número é de 150% a 200%. A poupança do chinês está no real estate e a China vai diminuir a sua população, muito. Isso tende a agravar. Não adianta querer ser catastrofista com a China porque não é o caso, mas o PIB potencial dela diminuiu muito.

O que te preocupa mais em termos geopolíticos e econômicos?
O evento mais perigoso não é o da guerra da Rússia e Ucrânia ou de Israel e Hamas. O mais perigoso é a China invadir Taiwan. Esse é um big event. Existe um aspecto em relação a Taiwan, que muitos analistas dizem, que daqui a três anos o dia que Estados Unidos não depender de Taiwan para nada e toda a indústria de chips estiver em outros países ou nos Estados Unidos, isso poderia ter, digamos, uma penalização do Estados Unidos à China com mais tarifas e proibição de importação.

“O mais perigoso é a China invadir Taiwan. Esse é um big event”

Mas você acha que tem um risco de a China invadir Taiwan nos próximos anos?
Acho.

E poderia levar a uma guerra entre as duas potências?
Acho que não, mas é um tremendo estresse. Difícil saber.

Mas a guerra no Oriente Médio não assusta?
Acho que tem uma coisa interessante nisso que não tinha na Guerra do Yom Kippur, há 50 anos, que não tinha no tempo da Guerra Fria, Estados Unidos e Rússia. Quando você olha hoje a postura da Arábia Saudita e dos Emirados e alguns outros países muçulmanos, eles não querem saber de guerra. Eles não querem brigar por religião. O Irã é um problema e é o maior inimigo da Arábia Saudita. Esses países hoje querem prosperar. O Catar fez Copa do Mundo, a Arábia Saudita está investindo US$ 200 bilhões, US$ 300 bilhões na próxima Copa do Mundo. Os fundos soberanos deles têm US$ 4 trilhões. Eles sabem que o petróleo não é uma riqueza infinita, que algum dia ele não vai ter tanta utilidade como hoje. O que eles querem? Investir bem o capital deles para gerar um income, para que eles não dependam mais de petróleo no futuro. Então, o ambiente pró-business, pró-Ocidente, o pragmatismo desses países que têm o dinheiro nunca tão foi tão favorável ao mundo ocidental.