A demora do governo federal em anunciar as medidas do pacote fiscal visando ao cumprimento do arcabouço em 2025 levou os bancos a fazerem vários prognósticos nos últimos dias, tanto em relação ao volume necessário de cortes nas despesas para cumprir a meta fiscal, como nas alterações dos programas sociais que vêm sendo debatidas pela equipe econômica.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou a semana discutindo as medidas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministérios mais atingidos pelos cortes, todos de áreas sociais. Mas a previsão de que o pacote seria anunciado na tarde de quinta-feira, 7 de novembro, gerou muita expectativa que acabou virando frustração.

Em um sinal de que os embates internos dentro do governo quanto ao alcance dos cortes aumentaram, a decisão foi adiada e, no fim da tarde desta sexta, 8 de novembro, sem anúncio previsto, a expectativa era de que o pacote ficasse mesmo para a semana que vem, o que contribuiu para o Ibovespa fechar em queda de 1,43%, aos 127.829,80 pontos, e o dólar subisse 1,09%, cotado a R$ 5,73.

A estimativa preliminar dos bancos considera em especial mudanças em programas sociais, como seguro-desemprego, abono salarial, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), além de ajustes estruturais, com alterações nos pisos constitucionais da saúde e da educação.

O Itaú soltou um relatório com cálculos para que o pacote possa atingir o cumprimento do limite de despesas do arcabouço fiscal até 2026 e reduzir a percepção de risco. De acordo com o banco, seria necessário um ajuste de pelo menos R$ 60 bilhões, sendo R$ 25 bilhões em 2025 e R$ 35 bilhões em 2026.

Para o ano que vem, o Itaú avalia que o montante pode ser obtido caso haja sucesso nas medidas já anunciadas de “pente-fino” de benefícios sociais, implicando em uma desaceleração do crescimento de beneficiários da Previdência de 4% para ao menos 3% e do BPC de 12% para 6%.

O estudo sugere que o pacote pode ser uma oportunidade para reduzir os receios quanto a iniciativas onerosas do ponto de fiscal, “como a isenção do imposto de renda das famílias até R$ 5 mil, e ao aumento das criatividades contábeis e retorno de estímulos parafiscais”, medidas cogitadas pelo governo que, obviamente, exigiriam novos cálculos dos cortes projetados pelo banco.

A XP calcula que o pacote de redução de gastos estudado pelo governo tenha potencial de atingir uma economia de R$ 32,7 bilhões em 2026 e de até R$ 145,5 bilhões no longo prazo, valor correspondente a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Em estudo assinado pelo economista Tiago Sbardelotto, a XP avalia que o potencial econômico das medidas é relevante, mas adverte que não é definitivo para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal.

“A nosso ver, o pacote de despesas é suficiente para aliviar as pressões no curto e médio prazos, em particular para os anos de 2026 em diante — já considerando que os precatórios serão retirados do limite de despesas a partir de 2027”, escreveu Sabrdelotto. “No entanto, ainda vemos dificuldades significativas na manutenção do limite de despesas do arcabouço fiscal a partir de 2030."

Embora a redução de despesas ofereça mais flexibilidade ao governo, a XP considera que apenas o corte não assegura o cumprimento das metas fiscais. Por isso, considera ser fundamental que a discussão sobre a desindexação dos benefícios sociais do salário-mínimo ou até mesmo uma mudança na política de reajuste do mínimo – tema que o presidente Lula vem criando resistência - seja tratada em algum momento.

Na tarde desta sexta, por sinal, vazou em Brasília um rumor de que a equipe econômica propôs limitar reajuste do salário-mínimo a 2,5% acima da inflação – a política de valorização do salário- mínimo prevê que o piso seja reajustado pela inflação mais variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Na prática, o governo limitaria o reajuste anual do salário-mínimo ao teto do novo arcabouço fiscal. A medida continuaria garantindo aumento real do piso em anos de economia aquecida, mas sem fugir do limite do arcabouço.

Isso seria importante para ajudar a controlar o crescimento das despesas que são atreladas ao piso, caso dos benefícios previdenciários, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do seguro-desemprego e do abono salarial.

“Cenário de estresse”

Mais cauteloso, o Bradesco optou por não soltar relatório específico sobre o impacto de possíveis medidas do pacote. Mas o presidente Marcelo Noronha e o economista-chefe Fernando Honorato Barbosa falaram nos últimos dias sobre o tema.

Noronha acredita que as medidas devem melhorar as expectativas do mercado sobre inflação e juros, além de evitar um "cenário de estresse" com a escalada da dívida pública, o que tornaria a política monetária ineficaz.

Sem especular sobre valores para o corte, Noronha defende que o ajuste seja abrangente e menciona a revisão da política de reajuste do salário-mínimo e a cautela no debate sobre a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.

“O salário-mínimo é importante para a sociedade, mas talvez seja o caso de continuar dando aumento real ao redor de 0,5%”, disse o presidente do banco no início da semana à agência Broadcast. “Há muitas formas de se conter o gasto público indo ao encontro do que deseja a sociedade, e o ministro Haddad tem essa consciência.”

Em entrevista ao jornal  Estado de S.Paulo, Honorato tocou em outra proposta que tem sido ventilada pelo ministro Fernando Haddad – impor um limite global para as despesas obrigatórias, que seguiria o mesmo índice de correção do arcabouço fiscal (expansão de até 2,5% acima da inflação ao ano) com gatilhos de correção.

“Acho isso superpositivo, dá força à sobrevivência do arcabouço”, afirmou Honorato. “Há críticas, como a de que, mesmo que consiga colocar as despesas individualmente debaixo das regras do arcabouço, ainda assim a projeção de dívida pública não vai mudar, mas ainda significará cumprir o arcabouço.”

Outra instituição que avaliou o que é necessário para o pacote manter a meta fiscal sob controle é o UBS. Lucas Vilela, diretor de economia da UBS Evolution, plataforma de gestão de fundos de investimento do banco suíço, diz que o governo precisa ser ousado para obter confiança do mercado.

“Um pacote com cortes de despesas abaixo de R$ 40 bilhões pode levar governo a rever meta fiscal para 2025”, advertiu Vilela, lembrando que o próprio governo vinha falando em cortes entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões.

Segundo ele, o mercado só teria 'surpresa positiva' sobre a meta fiscal com plano de cortes na faixa de R$ 50 bilhões. “De qualquer forma, neste momento, a sinalização de que o governo está disposto a fazer mais é mais importante do que os efeitos”, diz.