Considerada a principal sinalização de que o governo Luiz Inácio Lula da Silva leva a situação fiscal a sério, o arcabouço fiscal não deve ter vida longa, uma vez que ao focar na receita e não nas despesas, o sistema não conseguirá garantir a arrumação das contas públicas, servindo apenas para amenizar sua deterioração ao longo do tempo.

A avaliação é de Rogério Xavier, CEO da SPX Capital, gestora que tem R$ 45,3 bilhões sob gestão. Xavier disse ainda que a situação piora à medida que as economias do País e do resto do mundo começam a dar sinais de melhora, estimulando o governo a elevar os gastos públicos.

"Acho que esse modelo (arcabouço fiscal) vai cair, assim como aconteceu com o teto de gastos, não dou muita importância a ele", disse Xavier, na segunda-feira, 29 de janeiro, durante painel no 11ª edição Latin America Investment Conference (LAIC), organizado pelo UBS. "Vamos ter de fazer uma outra Reforma da Previdência, Tributária... ter um outro arcabouço."

Para ele, o País está esgotando o espaço para arrumar a casa para financiar o déficit primário, considerando o fato de o governo Lula privilegiar gastos para reforçar o lado social e os investimentos, enquanto precisa lidar com um Congresso reativo a iniciativas que visam a aumentar a arrecadação. "Essa é uma equação difícil de se resolver e teremos muita dificuldade nos próximos anos se continuar com esse arcabouço", afirmou Xavier.

Se foi pessimista a respeito da política fiscal, Xavier se mostrou otimista quanto à trajetória da inflação e dos juros, destacando que o trabalho do Banco Central (BC) e a desinflação vinda da parte de bens e alimentos ajudaram o Brasil a ter um desempenho melhor que o esperado, com o IPCA de 4,62% vindo dentro do intervalo da meta de inflação. "A inflação também surpreendeu. Jamais no meu melhor sonho imaginava que o BC alcançaria a meta em 2023", afirmou.

Em meio a um cenário deflacionário nas principais economias do mundo, levando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e o Banco Central Europeu (BCE) a começarem a indicar que iniciarão um processo de afrouxamento monetário, o BC pode ver espaço para acelerar os cortes que iniciou em junho do ano passado, reduzindo a Selic mais do que 0,50 ponto percentual. A taxa básica de juros do Brasil está atualmente em 11,75% ao ano.

"O que vai ser de fato o trigger é o início de corte de juros nos países avançados, que acredito que começa em março", afirmou Xavier. "Se isso acontecer, vamos ver uma inflação com cara boa, com as expectativas no Focus recuando para o centro da meta."

Neste momento, o Boletim Focus do BC indica que o mercado vê o IPCA próximo de 3,86% neste ano. Diante das boas condições globais, Xavier espera que o mercado passe a projetar uma inflação entre 3,40% e 3,50%. Ele estima que a inflação feche o ano em 3,30%.

A grande interrogação para Xavier é a situação da China. Segundo ele, o gigante asiático passa por sinais de esgotamento econômico e que ainda é difícil saber quando a situação vai de fato se agravar.

"Vejo que na China começa a ter vários 'vazamentos', em vários setores, que dependem da habilidade do gestor de 'girar pratinhos'", disse. "Mas a quantidade de pratinhos para girar é enorme."

As consequências devem vir pelo lado comercial, prejudicando especialmente os países emergentes. Mas Xavier disse que o excesso de alavancagem das empresas e do sistema bancário pode respingar pelo canal financeiro, para quem está bastante comprado em títulos de dívida chineses.

Segundo ele, a China está seguindo o mesmo "enredo" que outros países emergentes problemáticos, querendo controlar o mercado de ações, resgatando empresas e com os bancos muito alavancados. "Quando vemos o enredo, vemos que ele é o mesmo que o visto na Turquia, na Argentina em 2000, da Rússia", afirmou.

Xavier alertou ainda que uma deterioração significativa da economia pode levar Pequim a usar a "estratégia externa" para reafirmar seu poder perante a população. No caso, anexar Taiwan militarmente. "Taiwan é um risco real, mas não é para agora", disse.