Há um jargão que diz too big to fail, em uma referência a empresas que são grande demais para quebrar. Mas essa máxima não foi levada em conta por um tribunal de Hong Kong.

Na segunda-feira, 29 de janeiro, a Evergrande, maior incorporada da China, teve sua liquidação decretada por um tribunal de Hong Kong, diante da falta de um acordo de reestruturação de suas dívidas, de mais de US$ 332 bilhões, junto aos credores.

A incorporadora foi o estopim da crise imobiliária no país com o calote de suas obrigações no fim de 2021. Na esteira dessa decisão, os papéis da companhia, cujas negociações chegaram a ser suspensas durante o dia, encerraram o pregão da segunda-feira na Bolsa de Hong Kong com uma queda de 20,8%. Com esse recuo, dando à empresa um valor de mercado de apenas U$ 275 milhões.

“A empresa não demonstrou que haja qualquer propósito útil para o tribunal adiar a petição”, escreveu a juíza Linda Chan, responsável pela decisão. “Não existe nenhuma proposta de reestruturação, muito menos uma proposta viável que tenha o apoio da maioria necessária dos credores.”

O pedido de liquidação foi apresentado à Justiça em junho de 2022 pela Top Shine Global, um dos credores offshore da Evergrande. Como parte do processo, Linda Chan nomeou a Alvarez & Marsal como a empresa responsável por supervisionar a liquidação do grupo.

“A companhia fez todos os esforços possíveis e lamenta a ordem de liquidação”, afirmou, em nota, Shawn Siu, CEO da Evergrande. “A empresa vai garantir a entrega de imóveis e promover, de forma constante, o funcionamento normal da operação do grupo.”

Após apresentar um último plano de reestruturação neste mês, a companhia informou em audiência nessa segunda-feira que pretende acrescentar novos termos de compromisso com os credores até março.

No tribunal, o advogado da Evergrande chegou a pedir um adiamento da decisão, sob a alegação de que a liquidação imediata afetaria o valor dos ativos e subsidiárias da empresa. O discurso não teve, porém, o efeito esperado.

“Há um histórico de engajamento de última hora que não levou a lugar nenhum. E, dadas as circunstâncias, a companhia só pode culpar a si mesma pela liquidação”, afirmou Fergus Saurin, sócio do escritório Kirkland & Ellis LLP e consultor de parte dos credores, à agência Bloomberg.

Desde que a Evergrande deixou de cumprir suas obrigações, em dezembro de 2021, as negociações da com credores, em diversas esferas, vêm se arrastando sem a mínima sinalização e sob as acusações de que a empresa não mostrava a mínima disposição para chegar a um acordo.

Em outubro de 2023, por exemplo, a empresa cancelou as conversas para reestruturar mais de US$ 19 bilhões em títulos de dívida internacional, o que levou a parte desses credores a emitir um comunicado, na época, alertando que a medida provavelmente levaria o mercado a um “colapso descontrolado”.

Embora a liquidação afete a empresa, ainda não é possível mensurar a extensão dessas implicações, pois o alcance da justiça de Hong Kong ainda é limitado na China, dado que os tribunais chineses só começaram a reconhecer as decisões dessa jurisdição recentemente.

Alguns dos impactos para a economia da China, no entanto, já são conhecidos. O calote da Evergrande foi apenas o ponto de partida da crise no setor imobiliário, responsável por 25% do PIB do país e que já tem outros exemplos de empresas que seguiram a mesma trilha do grupo, mesmo que por outras vias.

Em 5 de janeiro desse ano, a Zhongzhi Enterprise, grupo de crédito para o setor imobiliário, entrou com um pedido de falência, após alertar, dois meses antes, que tinha um passivo de US$ 31 bilhões e corria riscos de “grave insolvência”.

Outros grandes nomes locais, como a incorporadora Country Garden, que tem pendências de US$ 190 bilhões, engrossam o volume de dívidas acumuladas e reforçam o momento turbulento do setor. O que, por sua vez, alimenta projeções nada favoráveis para o país.

Em janeiro deste ano, por exemplo, Hao Hong, economista-chefe do GROW Investment Group, afirmou em entrevista à rede americana CNBC que haverá uma correção prolongada no mercado imobiliário chinês, com efeitos que podem durar mais de uma década.

De acordo com Hong, diferentemente de outras crises anteriores vividas pelo país, quando o setor mostrava reação em dois ou três trimestres, dessa vez, a recuperação será mais lenta justamente pela combinação das dívidas das empresas e a queda nas vendas, que recuaram 16,5% em 2023.

Na projeção de Hong, o país levará ao menos dois anos para liquidar todo o estoque pendente do mercado imobiliário. E esse prazo pode ser ainda mais longo, já que a estimativa não leva em conta os imóveis que ainda estão em construção e que somam 6 milhões de metros quadrados.

Em outros indicadores nada favoráveis para o mercado, mesmo com incentivos do governo para alavancar as vendas e fornecer liquidez ao setor, as vendas de casas recém-construídas recuaram 6% em 2023. E, em paralelo, os preços seguem caindo, mesmo nas cidades mais ricas do país.

Na avaliação de Gary Ng, economista sênior da Natixis ouvido pela agência Bloomberg, o impacto macroeconômico da liquidação da Evergrande será limitado, pois é pouco provável que o processo exerça mais pressão sobre o já combalido mercado de real estate no país.

Ele faz, no entanto, uma ressalva: “Entretanto, isso piorará o sentimento, pois os investidores ficarão preocupados com a possibilidade de haver um efeito bola de neve em casos pendentes”.