O aumento do protecionismo em todo o planeta deverá gerar novas guerras comerciais no curto prazo, colocando em perigo as conquistas obtidas com o controle da inflação na maioria dos países e as perspectivas de crescimento da economia global em 2025 e 2026, que devem diminuir em relação às projeções atuais.

O alerta, feito nesta terça-feira, 22 de outubro, em relatório divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tem endereço certo: o ex-presidente americano Donald Trump, candidato republicano à Casa Branca que promete aumentar as tarifas de importação em 10% para todos os países e 60% para a China, se for eleito.

O relatório Perspectivas Econômicas Mundiais foi divulgado a duas semanas da eleição presidencial americana e junto com o início das reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial, em Washington, com ministros das finanças e presidentes de bancos centrais de todo o mundo.

O documento analisa a situação econômica atual e faz projeções para os próximos dois anos. Segundo o FMI, a luta global contra o aumento dos preços foi em grande parte vencida: a produção global deverá manter-se estável este ano e no próximo, com crescimento médio estimado em 3,2%.

A taxa de inflação global anual deverá diminuir para 3,5% até o fim do próximo ano, face aos 5,3% deste ano. Este valor está abaixo do seu pico de 9,4% em 2022 e estaria abaixo do nível médio de inflação de 2000 a 2019. Mas o fundo alertou que muitos países ainda enfrentam uma combinação desafiadora de dívida elevada e crescimento lento.

Além de advertir sobre a escalada da violência no Oriente Médio, o FMI cita como “ameaça significativa” a perspectiva de uma nova rodada de guerras comerciais decorrentes de uma política protecionista dos Estados Unidos caso Trump seja eleito.

“É uma política que prejudica basicamente todos os países”, disse Pierre-Olivier Gourinchas, o principal economista do FMI, sobre o risco de barreiras comerciais mais elevadas. “Está prejudicando o resto do mundo e também os EUA.”

Trump tornou a proposta de aumento de tarifas de importação como sua principal promessa de governo, juntamente com a expulsão de imigrantes ilegais do país. A sua rival, a democrata Kamala Harris, também apoiou tarifas mais elevadas para alguns produtos chineses durante o seu mandato como vice-presidente, mas opõe-se às tarifas abrangentes defendidas por Trump.

De acordo com o cenário modelado pelos economistas do fundo, o aumento de tarifas de importação dos EUA sob Trump deve gerar um efeito-cascata de retaliações comerciais também de 10% sobre as importações vindas dos EUA na zona do euro e na China, afetando cerca de 25% do comércio global de mercadorias.

Se tarifas mais elevadas atingirem uma “faixa considerável” do comércio mundial até meados de 2025, aponta o relatório, eliminariam 0,8% da produção econômica no próximo ano e 1,3% em 2026 em relação à previsão de 3,2% de crescimento nos dois anos.

“Tarifas inteligentes”

Durante a campanha, Trump defendeu as tarifas como uma ferramenta para reduzir os déficits orçamentários dos EUA e bancar programas sociais. “Tarifas inteligentes não criarão inflação, elas combaterão a inflação", assegurou Trump.

As importações totais de bens dos EUA foram de US$ 3,1 trilhões no ano passado, o que implica que uma tarifa global de 10% poderia arrecadar cerca de US$ 310 bilhões, uma fração do déficit orçamentário de US$ 1,7 trilhão do país no ano passado.

Há também outros efeitos. O objetivo das tarifas é desencadear a relocalização da atividade de manufatura, o que reduziria o volume de importações e a receita arrecadada. Mas a retaliação inevitável contra as exportações americanas poderia prejudicar grandes indústrias dos EUA, como agricultura, energia e aeroespacial.

Por isso, vários economistas e instituições americanas vêm advertindo para os riscos associados ao crescimento do protecionismo sob Trump, entre eles a inflação.

Em abril, a Moody’s estimou que, mesmo que Trump amortecesse o aumento das tarifas com cortes fiscais, as suas propostas comerciais custariam à economia dos EUA cerca de 675 mil empregos, agravariam a inflação e reduziriam o PIB do país em 0,6 ponto percentual.

Além disso, as tarifas são pagas pelos importadores dos EUA e não pelos países estrangeiros, como Trump frequentemente sugere. Os americanos pagaram mais de US$ 242 bilhões este ano pelas tarifas que Trump impôs sobre painéis solares importados, aço e alumínio, e produtos fabricados na China durante a sua administração, de acordo com a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA.

Neste sentido, Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, vê risco de uma nova espiral inflacionária nos EUA decorrente do aumento de tarifas e retaliação de outros países. “Essas tarifas são esmagadoramente repassadas aos consumidores, aumentam os seus preços e são alimentadas pela cadeia de abastecimento – mais uma vez, aumentando os preços aos consumidores.”

O banco UBS projeta que as taxas de juros e o dólar devem subir. Tarifas mais altas também podem impactar o setor de tecnologia, especialmente empresas de hardware e semicondutores, alertou o banco em relatório de agosto.

“As políticas comerciais e de imigração de Trump são um elixir para a estagflação que pode levar os EUA à recessão” advertiu David Kelly, chefe de estratégia do banco J.P. Morgan e um dos primeiros a chamar a atenção para os efeitos desse protecionismo.

“As tarifas desaceleram o crescimento e ao mesmo tempo aumentam a inflação", acrescentou Kelly, descrevendo como se dá o processo de estagflação.