O ex-presidente Donald Trump, que concorre a um segundo mandato nos Estados Unidos, é um homem de convicções. O problema é que elas podem mudar.

Em uma entrevista  exclusiva - e extensa -,  à Bloomberg Businessweek, Trump mostrou parte dessa sua veia de dar opiniões fortes - e que, em alguns casos, surpreendentes.

Trump usou a entrevista para passar mensagens que tentam tranquilizar o mercado. Uma delas foi em relação ao Federal Reserve. Em abril, ele havia dito que, caso eleito, iria limitar severamente a independência do banco central americano.

Trump, dessa vez, tentou mostrar outra perspectiva. Ele afirmou que permitirá que Powell complete seu mandato, que duraria até um possível segundo governo do candidato. "Eu deixaria ele cumprir o mandato", diz Trump, "especialmente se achasse que ele está fazendo a coisa certa."

Apesar de contar com a apoio de empresários de peso - na entrevista afirmou que é amigo de Bernard Arnault, dono do grupo de luxo LVMH, além de ter recebido apoio de Elon Musk, fundador e CEO da Tesla e SpaceX - Trump criticou o fundador da Amazon e proprietário do Washington Post, Jeff Bezos, dizendo que o empreendedor "fez um grande desserviço a si mesmo" e angariou "muitos inimigos" com sua propriedade do Washington Post.

O candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, no entanto, elogiou Jamie Dimon, CEO do J.P. Morgan, com quem havia trocado algumas farpas ao longo dos anos. Trump disse que poderia imaginar Dimon como seu secretário do Tesouro. "Ele é alguém que eu consideraria", disse.

O comentário acontece após Dimon tecer comentários favoráveis a algumas políticas do ex-presidente. “Ele estava meio certo sobre a OTAN, meio certo sobre imigração. Ele fez a economia crescer bastante. A reforma tributária funcionou. Ele estava certo sobre algumas questões relacionadas à China... Ele não estava errado sobre esses temas críticos, e é por isso que estão votando nele”, disse o CEO no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, no início do ano.

Política internacional

O primeiro governo de Trump foi marcado pelo veto ao livre comércio. Em especial, com a China, país contra o qual protagonizou uma guerra comercial que foi mantida no governo de Joe Biden.

E isso pouco deve mudar, caso vença a eleição. Para Trump, a China e outros países estrangeiros apresentam uma ameaça nítida para a economia dos Estados Unidos. Assim, além de prever novas tarifas de 60% a 100% para a China, ele afirma que aplicaria uma tarifa geral de 10% sobre as importações de outros países.

“A 'União Europeia' soa tão adorável", diz Trump. "Nós amamos a Escócia e a Alemanha. Amamos todos esses lugares. Mas eles nos tratam de forma violenta." Para corroborar seu discurso, ele menciona a relutância da Europa em importar automóveis e produtos agrícolas dos Estados Unidos como fatores-chave para o déficit comercial de mais de US$ 200 bilhões da economia.

Durante a entrevista, Trump relembra uma conversa com Angela Merkel, na época chanceler da Alemanha. "Angela, quantos Fords e Chevrolets há em Munique agora?". Merkel teria respondido algo como “acredito que não muitos”. E ele teria retrucado “provavelmente nenhum, não é?”.

Apesar de os Estados Unidos mostrarem apoio a outras economias, como é o caso de Taiwan na luta contra a China, o ex-presidente deixa claro que nada será feito de graça e muito menos de “bom grado”.

“Taiwan tirou o nosso negócio de chips de nós e eles são imensamente ricos." Agora, em “retorno”, ele quer que Taiwan pague aos Estados Unidos pela proteção. "Eu não acho que sejamos diferentes de uma apólice de seguro”, diz.

Outro fator que alimenta seu ceticismo é a dificuldade prática de defender uma pequena ilha do outro lado do mundo. "Taiwan está a 15 mil quilômetros de distância dos EUA e a apenas 110 km da China”, afirma. A fala coloca em pauta uma mudança drástica na política externa dos EUA, quase tão significativa quanto se houvesse uma interrupção no apoio à Ucrânia. Mas ele não parece se abalar com esse cenário.

As declarações, juntamente com possíveis novas restrições de negócios com a China citadas por Biden nesta quarta-feira, 17 de julho, levaram a queda das ações de gigantes do setor de semicondutores, como ASML, Tokyo Electron, Nvidia e AMD, que perdiam mais de 4% do seu valor nesta tarde.

Tecnologia

Apesar de seus constantes ataques às redes sociais e às big techs em seu primeiro mandato, Trump agora parece estar disposto a proteger as companhias americanas. E o TikTok, da chinesa ByteDance, está incluído nisso.

Ao discutir seu recente apoio à plataforma de mídia social, onde ele já é bastante popular, Trump menciona que proibir o TikTok nos EUA beneficiaria uma empresa e um CEO que não tem desejo de recompensar, afirma na entrevista.

"Agora que estou pensando nisso, sou a favor do TikTok, porque você precisa de competição", diz ele. "Se você não tem o TikTok, você tem o Facebook e o Instagram — e isso, você sabe, é o Zuckerberg.

Criptomoedas

A mudança de pensamento não ocorreu só com as redes sociais, mas também com as criptomoedas. Há não muito tempo, Trump criticou o bitcoin como um “desastre prestes a acontecer”. Agora, ele acredita que as criptomoedas deveriam ser “feitas nos Estados Unidos”. "Se não fizermos isso, a China vai descobrir, e a China vai ter isso — ou outra pessoa", ele diz.

É nítido que muita coisa ainda pode mudar nas convicções de Trump até novembro, assim como nas de seu concorrente, Joe Biden.