Estados Unidos e Japão estão de lados opostos na bolsa de valores, pelo menos é o que mostra um estudo da Bridgewise, fintech israelense que usa tecnologia própria para fazer análise de investimentos.
Chamado de “A volta dos Sete Samurais” – em referência às sete empresas mais valorizadas da Bolsa de Tóquio e ao filme de Akira Kurosawa, de 1954 -, o estudo apresenta o desempenho de Tokyo Electron, que atua no setor de semicondutores; Mitsubishi; Toyota; Nintendo; Fast Retailing, dona da marca Uniqlo; Sony e Mitsubishi UFJ Financial Group, o maior banco japonês.
A comparação é com as Magníficas Sete (o “clube” formado por Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla, empresas tech americanas que lideraram os ganhos do S&P 500 em 2023).
Para se ter uma ideia dos novos ventos que sopram no Japão, o índice Nikkei da Bolsa de Tóquio registrou 14,6% de ganhos no acumulado do ano, deixando para trás o S&P 500, principal índice do mercado acionário dos Estados Unidos, com apenas 4,3% de retorno.
A comparação surge no contexto de uma mudança mais ampla na economia japonesa, cujas empresas vêm recebendo investimentos globais que estavam alocados na China, por conta do fraco desempenho do mercado acionário chinês aliado à desvalorização do iene.
De acordo com levantamento da Bridgewise, embora as sete gigantes americanas tenham superado os “Sete Samurais” japoneses em um acumulado de 12 meses, ganhando 89% de valorização contra 73% das empresas japonesas, nos três primeiros meses de 2024, a maré mudou, com os Samurais tendo um desempenho significativamente superior, com ganho de 23,1%, contra apenas 9,2% das Magníficas Sete.
“O aumento dos juros, com o reforço do iene desfavorecido, pode ajudar o Japão a captar mais dólares do mercado americano e segurar a inflação”, diz Thiago Guedes, analista e diretor de negócios da Bridgewise.
O índice Nikkei 225 já vinha superando o S&P 500, tanto em 2022 como em 2023. A perda de 9,4% em 2022, por exemplo, foi menor que a de 19,4% do S&P. Em 2023, os ganhos do índice Nikkei foram de 28,2%, acima dos 24,2% do S&P. Além disso, poucos dias atrás, o índice Nikkei atingiu o maior nível em 34 anos e está no caminho para revisitar seu recorde histórico de 1989.
“A desvalorização do iene indica que é barato investir em empresas japonesas, além disso há o efeito da guerra tecnológica entre EUA e China, que favorece as empresas techs japonesas”, afirma Guedes.
O fim do juro negativo
O índice Nikkei subiu 0,7 % após a decisão histórica do Banco do Japão (BoJ), o banco central japonês, que elevou na terça-feira, 19 de março, as taxas de juros pela primeira vez desde 2007 - a única mudança posterior ocorreu em 2016, quando BoJ deu início ao ciclo de oito anos de taxas negativas, agora encerrado.
Por decisão do BC japonês, as taxas de juros subiram para a faixa entre 0% e 0,1%, acima do intervalo de -0,1% a 0% que vigorava anteriormente.
O anúncio representa um esforço agressivo da autoridade monetária japonesa para estimular a economia do país, a terceira do planeta e mergulhada há décadas em indicadores de baixo crescimento e consumo, causados por um elevado endividamento desde os anos 1990 que acabou desembocando num processo de deflação.
O BoJ também retirou os controles da curva de rendimentos, outra política implementada em 2016 para reforçar as medidas de flexibilização monetária, limitando os rendimentos dos títulos do governo japonês a 10 anos.
Em comunicado, porém, o BC japonês disse que manterá a sua política de comprar cerca de 6 trilhões de ienes (US$ 40 bilhões) por mês em títulos do governo, uma promessa que sublinha a fraqueza contínua da economia, uma vez que o consumo das famílias continua lento.
Por outro lado, o BoJ deixará de comprar fundos negociados em bolsa (ETFs) e fundos de investimento imobiliário japoneses (J-Reits), o que deverá causar uma forte liquidez no mercado. Desde 2010, o BC nipônico comprou 37 trilhões de ienes (US$ 248 bilhões) em ETFs e 650 bilhões de ienes em J-Reits.
O BoJ vinha recorrendo a taxas de juro negativas desde 2016, ao tentar encorajar os bancos a emprestar mais, a fim de gerar gastos e conter os riscos de um abrandamento econômico global.
Outros bancos centrais – na zona euro, nos países nórdicos e na Suíça – também reduziram as taxas abaixo de zero após a crise financeira de 2011. Mas o Japão era o único país a praticá-las até agora.
Inflação na mira
A guinada monetária se deve a um fator-chave atual na economia do Japão: o acompanhamento da inflação. Depois de atingir um recorde de 4,5% ao ano no período pós-pandemia, o índice inflacionário de janeiro – último dado disponível - foi de 2,2%.
As apostas num aumento das taxas de juro cresceram depois de a Confederação Sindical Japonesa, a maior associação de sindicatos do país, ter negociado para que os seus sete milhões de membros recebam aumentos salariais superiores a 5% este ano, o maior aumento anual desde 1991. Isso somou-se a um aumento salarial médio de cerca de 3,6% em 2023.
“O comportamento do mercado de trabalho, que tem baixo índice de desemprego, foi essencial para essa decisão do BC japonês”, afirmou ao NeoFeed o economista Nicolas Borsoi, da corretora Nova Futura.
Segundo ele, a autoridade monetária concluiu que o aumento dos salários sinaliza que as empresas e os trabalhadores esperam que os preços se mantenham mais elevados. “O desemprego baixo com inflação elevada para os padrões japoneses justifica essa mudança nos juros”, acrescentou.
As alterações da política monetária japonesa deverão, com o tempo, desencadear novos fluxos de investimento globais. Borsai observa que esse crescimento se deve à composição do índice Nikkei, que tem empresas exportadoras e de tecnologia entre as mais valorizadas.
“As exportações do Japão estão indo bem, como resultado da realocação das cadeias de suprimento globais, e as empresas de tecnologia japonesas também tiraram proveito do rally de empresas tech americanas, que acabou respingando no mercado acionário japonês”, disse Borsai.
O fato de o crescimento do mercado acionário ter iniciado uma recuperação antes de o BC japonês reverter os juros negativos é atribuído pelo economista ao fato de a bolsa ser um ativo de segurança, uma vez que os juros negativos não dão retorno aos investidores.