A medida provisória anunciada pelo governo, como esperado, colocou fim a uma era de títulos isentos. Pelo texto, CRIs, CRAs, LCIs, LCAs e debêntures incentivadas passarão a ter imposto de renda de 5% a partir das emissões realizadas a partir de 2026. A MP ainda precisa ser analisada pelo Congresso, mas, no mercado, a correria pelos últimos papéis com isenção já começou.
“É natural que a gente tenha ali um aquecimento do mercado secundário, que tentem esvaziar as prateleiras e adquirir esses títulos antecipadamente”, diz Roberto Dumke, head de research do Banco ABC Brasil, ao NeoFeed.
Embora a MP tenha sido publicada somente na noite de quarta-feira, 11 de junho, esse aumento de demanda para se antecipar à tributação já vinha sendo observado em pregões anteriores, quando o fim da isenção ainda estava no campo das especulações.
O efeito dessa corrida é sentido especialmente nos preços das debêntures incentivadas, que se valorizaram nos últimos dias. Mais caros, os títulos AAA negociados no mercado secundário passaram a ter spread negativo nesta semana, chegando à mínima histórica de -0,04%, na mediana medida pela Anbima. Ou seja, pela isenção tributária, investidores estão aceitando uma remuneração bruta menor pela dívida dessas empresas do que pelos títulos da União.
O maior fechamento de spread nessa categoria foi no papel da Equatorial (EQTL11), com recuo próximo de 30 pontos-base em uma semana. Outro AAA, o papel PRPO12, da Solar Holding, teve compressão de 20 pontos-base.
Na quarta-feira, 11, pouco antes do anúncio oficial da equipe econômica do governo, os spreads tiveram uma leve abertura, mas seguem negativos — no caso dos títulos AAA, em 0,02%. O recuo acumulado desde o início do mês é de 7 pontos-base. Nas debêntures incentivadas A, a queda dos spreads foi de 11 pontos-base entre o fim da semana passada e a última terça-feira, 10 de junho, para 1,49% — o menor patamar desde novembro de 2024.
“Nesta semana, só depois de ter saído o anúncio no domingo, já teve uma reprecificação dos ativos: os isentos ficaram mais caros, as taxas fecharam, os spreads fecharam. Isso já aconteceu e pode ser que aconteça mais ainda. Essa corrida pode ser muito grande”, afirma Ulisses Nehmi, CEO da gestora de crédito privado Sparta Investimentos.
O gestor avalia que um efeito semelhante deve ocorrer do lado das empresas, com muitas antecipando suas ofertas para aproveitar a isenção até o fim de 2025. “O custo de emissão no ano que vem pode ser um pouco maior, então pode ser que tenha uma corrida para mais emissões nesse segundo semestre”, diz ele.
Uma questão importante, na avaliação de Nehmi, será entender o ponto de equilíbrio entre o maior volume de ofertas esperado e o aumento da demanda por parte dos investidores. “Isso vai significar um equilíbrio em um preço um pouco maior ou menor. Vai depender de o fluxo estar bem casado.”
Como antecipou o NeoFeed, um fenômeno semelhante também é esperado para o mercado de CRIs e CRAs, que também passarão a ser tributados em 5%.
CRIs, CRAs e debêntures incentivadas estiveram entre os produtos financeiros que mais cresceram nos últimos anos, com muitos investidores sendo atraídos pela isenção.
A participação de CRIs e CRAs nas carteiras de varejo quadruplicou entre o início de 2020 e 2024, enquanto o volume em debêntures — incluindo não incentivadas — mais do que triplicou no mesmo período.
E os fundos de infraestrutura?
Apesar da proposta já afetar preços e planos do mercado financeiro, ainda há muitas dúvidas sobre como, de fato, irá funcionar essa tributação. Um ponto de incerteza envolve os fundos de infraestrutura, pois, de acordo com a MP, somente as cotas emitidas a partir de 2026 seriam tributadas em 5%.
Para Nehmi, essa regra poderia abrir uma exceção para que os fundos de infraestrutura continuem isentos, mesmo comprando títulos que passaram a ser tributados. “Ficariam ainda mais vantajosos. Mas só mostra que a proposta claramente não foi pensada do ponto de vista de funcionamento de mercado. Só querem arrecadação.”
Outro problema à vista é o que aconteceria com as cotas isentas de um FII-Infra que realizasse uma nova emissão a partir da nova regra. A questão é: as cotas do fundo passariam a ser negociadas com distinção entre tributadas e não tributadas?
“Então, quer dizer que, se no ano que vem eu comprar uma cota que foi emitida em 2024, eu comprei uma cota que continua isenta? Essas questões estão muito nebulosas. Não existe um consenso ainda sobre como tudo vai ficar”, diz Dumke.