Em nota alarmista a clientes, Albert Edwards, estrategista do Société Générale, alertou esta semana que o aumento do rendimento dos títulos do Tesouro japonês pode atrapalhar o carry trade do iene - uma estratégia de investidores globais de aproveitar os juros baixos no Japão -, com potencial de impactar o mercado financeiro mundial, em especial o dos Estados Unidos.
A valorização recente dos títulos de longo prazo do governo japonês é efeito da preocupação dos investidores com a inflação, gastos do governo e aumentos de juros do Banco do Japão (BoJ), o banco central japonês.
A valorização dos títulos do Tesouro do Japão, conhecidos pela sigla JGB, representa uma reversão em relação às baixas tradicionais - o rendimento de 20 anos atingiu seu maior nível desde 2000, enquanto o rendimento de 30 anos atingiu níveis nunca vistos desde sua criação, em 1999.
Essa alta ameaça inviabilizar o carry trade em ienes, no qual os investidores globais tomam empréstimos em ienes a custos baixos e compram ativos com rendimentos mais robustos no exterior, aproveitando o contexto histórico do Japão de taxas de juros ultrabaixas ou negativas.
De acordo com o estrategista do Société Générale, se os investidores retirarem seu dinheiro desses ativos no exterior e investirem novamente no Japão, isso poderá causar problemas para esses mercados, como dos EUA.
"Tanto o Tesouro americano quanto o mercado de ações estão vulneráveis, tendo sido inflados pelos fluxos de fundos japoneses, assim como o dólar”, escreveu Edwards. “Se os rendimentos acentuadamente mais altos dos títulos do Tesouro japonês incentivarem os investidores japoneses a retornarem ao país, o fim do carry trade pode causar um forte ruído de sucção nos ativos financeiros americanos."
Edwards reforçou o alerta, classificando a tentativa de entender e acompanhar a alta da ponta longa do mercado de JGB como a coisa mais importante para os investidores no momento. "Um Armagedom do mercado financeiro global pode estar a caminho", complementou.
O tom alarmista se deve à pujança do mercado de títulos do Japão, o terceiro maior do mundo, que movimenta trilhões de dólares. Essa fraqueza sem precedentes na demanda marca uma mudança drástica para um mercado tradicionalmente caracterizado pela estabilidade e previsibilidade.
Durante décadas, os JGBs foram considerados um dos instrumentos de dívida soberana mais seguros do mundo, apesar da alta relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB) do país.
O colapso da demanda por leilões sugere que os investidores estão reavaliando o perfil de risco-retorno da dívida pública japonesa. Essa reavaliação ocorre em meio a mudanças na dinâmica da política monetária e crescentes preocupações com a sustentabilidade fiscal do Japão diante dos desafios demográficos e da estagnação do crescimento econômico.
Edwards observa que, em outra frente, o BoJ está retirando seu suporte no mercado de títulos e permitindo que seus ativos sejam retirados de seu balanço. Isso ocorre porque a inflação se mostrou estável e o banco central não precisa mais sustentar a demanda.
“Com o Banco do Japão fora do mercado e a vasta maioria dos compradores de títulos japoneses sendo estrangeiros, os rendimentos provavelmente subirão ainda mais”, escreveu o estrategista do banco, alertando para o efeito no mercado de ações dos EUA – onde boa parte dos empréstimos em ienes a juros baixos é investido.
“Isso pode significar problemas para as ações americanas, como aconteceu em julho e agosto do ano passado, quando um aumento inesperado dos juros pelo Banco do Japão fez o S&P 500 cair 6%”, advertiu Edwards.