As terras raras - conjunto de 17 elementos químicos da tabela periódica, incluindo o escândio e o ítrio – vêm se transformando num dos maiores ativos geopolíticos da era moderna por suas propriedades magnéticas, ópticas e eletrônicas, essenciais para fabricação de telas de smartphones, turbinas eólicas, baterias recarregáveis de carros elétricos e até mísseis.

A China, dona das maiores reservas de terras raras (48% do total), responde por cerca de 70% da produção e 90% da capacidade global de refino. E tem usado esse domínio como arma estratégica na guerra comercial com os Estados Unidos.

A boa notícia é que o Brasil começa a se mexer para virar um player global - apesar de ser dono da segunda maior reserva mundial, o País responde por apenas 1% da produção desse ativo.

Um estudo do UBS Global Wealth Management, divulgado na terça-feira, 8 de julho, e assinado pela economista Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil da instituição, lista uma série de iniciativas em curso no País para aumentar a produção de terras raras.

Entre eles, o investimento de R$ 3,2 bilhões em três grandes projetos de mineração, dois em Poços de Caldas (MG) e um em Minaçu (GO), o lançamento de fundo de R$ 1 bilhão com recursos do BNDES e da Vale para o financiamento de projetos de pesquisa mineral de terras raras e outros minerais críticos, e o avanço da discussão mirando um marco legal para dar segurança jurídica aos investimentos.

O estudo observa que, a despeito de o Brasil ter a segunda maior reserva mundial conhecida de terras raras, essa riqueza não é explorada, devido ao custo da tecnologia de extração e separação - o que obriga o País a importar esses elementos para usar como matéria-prima nas indústrias, principalmente da China.

É provável que as reservas brasileiras sejam muito maiores do que está comprovado atualmente, em especial na Amazônia. O estudo do UBS lista 35 reservas conhecidas, espalhadas por todas as regiões do País.

Há projetos de mineração de terras raras em Minas Gerais, Goiás, Bahia e Amazonas. Esses projetos são financiados por companhias tanto brasileiras quanto internacionais (EUA, Austrália e China).

Os três principais projetos destacados pelo estudo têm empresas estrangeiras à frente. O Colossus, liderado pelas australianas Viridis Mining e Minerals Limited em Poços de Caldas, com investimento de R$ 1,35 bilhão, possui as mais altas taxas globais de recuperação de elementos raros, solidificando o projeto como um líder mundial na recuperação de neodímio, praseodímio, disprósio e térbio.

O projeto da australiana Meteoric Resources, também na cidade mineira, tem investimento de R$ 1 bilhão voltado para extração de argila iônica. A expectativa é de geração de 700 empregos.

Por fim, o projeto tocado pelas americanas Denham Capital e Minerals Group, em Minaçu, Goiás, tem aporte de R$ 855 milhões direcionado à unidade operacional do grupo Serra Verde, a Serra Verde Pesquisa e Mineração (SVPM). O objetivo é fortalecer a produção de elementos fundamentais para a transição energética, como ímãs, baterias e turbinas eólicas.

De acordo com estimativas feitas pela Deloitte, em parceria com o UBS, o investimento em minerais críticos pode adicionar até R$ 243 bilhões ao Produto Interno (PIB) do País nos próximos 25 anos. Esse seria o valor máximo obtido no melhor de três cenários previstos, envolvendo mineração, beneficiamento e refino (etapa seguinte ao beneficiamento).

Entre os principais desafios para a exploração de terras raras avançar, o UBS cita a necessidade de se criar um marco legal claro, para atrair investidores e garantir um desenvolvimento sustentável.

O estudo também adverte que a duração de trâmite de liberação da exploração de novas minas é muito extenso, leva cerca de 16 anos, em média – período para conseguir todas as licenças para começar a operar.

Por fim, há a instabilidade de mercado: globalmente, a geopolítica de reservas, produção e refino ainda traz desafios para atender à expectativa de alta demanda. Esses gargalos incluem instabilidade política e guerras, falta de legislação apropriada, falhas na cadeia de suprimentos, concentração de refino e investimentos aquém do necessário.

Área operacional para extração de terras raras da SVPM, em Minaçu (GO)

Uma parte do estudo do UBS é dedicado para a disputa geopolítica entre China e EUA em torno desse ativo. Dados históricos indicam que a China forneceu aproximadamente 70% das importações de terras raras dos EUA nos últimos anos.

Em 2024, as importações totais de terras raras pelos EUA representaram 57% do volume total de exportações desse ativo pelos chineses. Para combater o domínio da China no setor de terras raras, os EUA estão fazendo investimentos, insuficientes na visão do UBS para evitar a hegemonia chinesa.

Em abril, depois que o presidente Donald Trump anunciou tarifas de 145% contra a China, por exemplo, o governo chinês reagiu anunciando que passaria a exigir licenças especiais para exportações de sete tipos de ímãs. As exportações foram paralisadas, colocando pressão na indústria dos EUA.

A reação chinesa fez Trump recuar. Em troca do fornecimento antecipado chinês de ímãs e terras raras, os EUA fizeram concessões, incluindo o acesso de estudantes chineses às universidades americanas.

Em artigo publicado nesta terça, 8, no jornal britânico Financial Times, Chris Miller, autor do livro Chip War e consultor na área alta tecnologia, diz que embora a China tenha descoberto com as terras raras uma forma de fazer frente à guerra comercial de Trump, o poder de barganha chinês é limitado.

Segundo ele, é mais difícil restringir a revenda de commodities como óxidos de terras raras - empresas de outros países poderiam continuar vendendo discretamente para clientes americanos.

Mesmo assim, a pressão chinesa mostra o despreparo dos governos e empresas ocidentais em buscar novos fornecedores. “A maioria dos governos ocidentais elaborou estratégias para minerais críticos há anos e, em seguida, optou por não financiá-las”, acrescenta Miller, lembrando que, com isso, a China segue impondo as regras do jogo.