Sem alarde, investidores estrangeiros estão desembarcando no País para bancar projetos de mineração para explorar as chamadas terras raras, nome que se dá ao grupo de 17 elementos da tabela periódica que, após extração e várias rodadas de processamento, são utilizados como matéria-prima para a indústria de alta tecnologia e de transição energética.
Conhecidos como “ouro do século 21”, os minerais de terras raras são essenciais para a produção de celulares e motores de carros elétricos, passando por supercondutores, turbinas eólicas, painéis solares, equipamentos médicos, discos rígidos, além de aplicações na indústria aeroespacial e no desenvolvimento de projetos de nanotecnologia e de biotecnologia.
De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), o número de pedidos protocolados de pesquisa para lavra de terras raras teve um aumento de 70% em apenas dois anos, chegando a 154 em 2022.
Os investimentos estão sendo estruturados em vários pontos do País – uma vez que o Brasil é dono da segunda maior reserva mundial de terras raras, com 22 milhões de toneladas, atrás apenas da China, que tem o dobro de reservas e domina toda a cadeia produtiva.
As terras raras são encontradas na região amazônica (parte em áreas de proteção), Goiás, Tocantins, Minas Gerais e no litoral do Norte e do Nordeste, regiões ricas em areias pretas que têm monazita, fosfato de terras raras.
Entre as empresas brasileiras, a exploração mais promissora é a da Serra Verde Pesquisa e Mineração (SVPM), em Minaçu (GO) – graças ao capital estrangeiro. Controlada pela Denham Capital, a SVMP recebeu em janeiro aportes de mais de US$ 150 milhões (R$ 720 milhões) dos fundos Energy and Minerals Group e Vision Blue Resources.
Nesta quinta-feira, 22 de junho, a Serra Verde deu início ao comissionamento da primeira fase de operação integrada de mineração no depósito de Minaçu.
Quando estiver em pleno funcionamento, a empresa produzirá um concentrado mineral único, contendo uma combinação de alto valor de elementos de terras raras (ETRs) pesados e leves usados em motores de veículos elétricos e geradores de turbinas eólicas.
Numa mostra da complexidade envolvendo a operação, a Serra Verde obteve autorização de exploração em 2017, após oito anos de tramitação. O objetivo é iniciar a produção comercial até o fim do ano.
Os planos são ousados. A SVPM pretende se tornar a terceira produtora em escala mundial e a primeira fora da Ásia a produzir os quatro ETRs magnéticos essenciais para a fabricação de ímãs permanentes: neodímio (Nd), praseodímio (Pr), térbio (Tb) e disprósio (Dy).
Apetite de fora
Mineradoras estrangeiras também estão atentas ao potencial das terras raras no Brasil. A canadense Canada Rare Earth Corporation anunciou no ano passado planos para investir R$ 1,5 bilhão em uma planta para processar e refinar terras raras a partir do rejeito do garimpo Bom Futuro, em Ariquemes (RO).
Em março, a Appia Rare Earth & Uranium Corp., listada na bolsa canadense, firmou uma carta-acordo com a Beko Invest para adquirir até 70% de participação no projeto de exploração de terras raras Cachoeirinha, em Goiás.
“Aqui no Brasil, na verdade, existe mais especulação do que iniciativas concretas para explorar terras raras”, afirma Carlos Gerdau Johannpeter, herdeiro da família fundadora da gigante de siderurgia Gerdau. “O domínio do processo para extração e de viabilização de projetos é desafiador, pois se trata de um produto novo de uma tecnologia nova.”
Johannpetter adianta que, ao lado de parceiros que têm expertise em terras raras, está estruturando projetos nessa área por meio do parque tecnológico PradoTech, incubadora que criou em Gravataí (RS).
Segundo ele, embora a demanda por terras raras seja crescente, deve ser muito maior nos próximos dez anos. “Isso explica o fato de a maior procura de investimento no Brasil partir de empresas estrangeiras”, diz Johannpetter.
Em termos históricos, a exploração de terras raras no Brasil é marcada pela absoluta falta de interesse do governo e da indústria nacional em apostar nesses metais estratégicos de nomes pouco conhecidos – como escândio e ítrio, além dos elementos do grupo dos lantídios, que inclui o lântano, cério e neomídio, entre outros.
A extração e separação desses minerais de terras raras é complexa e demorada - em média, cerca de 100 gramas por tonelada extraída em campos de mineração, daí a necessidade infraestrutura e investimento pesados. Além de tudo, como toda exploração mineral, causa impacto ambiental.
O investimento, porém, vale a pena. Um carro elétrico pode conter entre 9 e 11 quilos de terras raras, o dobro do encontrado num veículo de combustão, o que dá uma ideia do valor de mercado desses metais.
Apenas num carro elétrico, minerais de terras raras são utilizadas no painel de LCD (eutrópio, ítrio cério), nos faróis de última geração (neomídio), vidros e espelhos (cério) além do catalisador, como aditivo de carburador e na bateria híbrida NiMH (todos têm cério e lantânio).
Na área energética, a utilização de elementos de terras raras é ainda maior. “Sem eles, não tem hidrogênio verde, energia eólica, solar ou hidrelétrica, são essenciais na geração de energia” afirma Henrique Eisi Toma, professor do Instituto de Química da Universidade São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas do País.
Segundo ele, o discurso da transição energética deveria contemplar o domínio da cadeia produtiva dos metais estratégicos obtidos com terras raras.
“Não adianta abandonar petróleo e carvão porque a energia elétrica que produzimos por fontes limpas vai depender da importação desses elementos de terras raras para fazer a conversão de energia”, diz Toma, que é especializado em nanotecnologia e desenvolveu uma técnica chamada de hidrometalurgia magnética para a separação de terras raras, que propõe simplificar e baratear o processo.
Entre 2022 e 2040, a procura de minerais de terras raras pelo setor da energia deve crescer de quatro a seis vezes.
Domínio chinês
Se o Brasil pretende entrar de sola na cadeia produtiva das terras raras, tem de ficar atento a duas características desse segmento.
A primeira tem a ver com sustentabilidade. E a equação não fecha. Se a procura global por energias renováveis cresce, a quantidade média de minerais necessários por unidade de geração elétrica avança na mesma proporão - cerca de 50%, incluindo pás de energia eólicas e painéis de energia solar, por exemplo.
“A transição energética e digital foi concebida em absoluta desconexão com a realidade”, definiu o jornalista francês Guillaume Pitron, autor do livro The Rare Metals Wars (“A Guerra dos Metais Raros” em português), uma investigação assustadora sobre os efeitos ambientais na caça pelos metais do futuro, descritos no subtítulo da obra: “O Lado Obscuro da Energia Limpa e das Tecnologias Digitais”.
A outra característica do setor é o absoluto domínio da China de toda a cadeia produtiva - da extração de terras raras ao uso de seus metais na indústria de alta tecnologia, incluindo preços e oferta. Segundo dados dos Serviços Geológicos dos Estados Unidos, em 2019, a China controlava 61,97% da produção de terras raras e até 95% da sua refinação.
Essa primazia chinesa no setor estratégico de alta tecnologia preocupa os Estados Unidos. Em março, o subsecretário de Estado para Assuntos Econômicos, Energia e Meio Ambiente dos EUA, José W. Fernandez, estimulou a exploração de terras raras no Brasil como contraponto ao domínio chinês.
“O Brasil pode ser uma potência mineral nesse momento em que o mundo está sedento por minerais críticos”, disse Fernandez.
No mesmo mês, a montadora americana de carros elétricos Tesla, de Elon Musk, anunciou que utilizará um novo tipo de motor magnético em seus carros elétricos para substituir os elementos de terras raras.
Os motores de carros elétricos da Tesla utilizam elementos de terras raras em vez de baterias (as de modelos híbridos de outras montadoras contêm terras raras). A Tesla, no entanto, foi vaga quando questionada sobre os materiais que vai empregar.
O objetivo é fugir da dependência da China. E a preocupação não se restringe apenas aos elementos de terras raras, mas a outros metais estratégicos de alta tecnologia.
Um relatório do think thank americano Brookings Institute mostra que a China é hoje responsável pelo refino de 68% do níquel, 40% do cobre e 73% do cobalto do mundo.