Kombinationsfahrzeug, Transporter 1 ou Velha Senhora. Foram muitos os apelidos dados ao carro mais longevo da história da indústria automobilística: a Kombi. Desenvolvida pela Volkswagen a partir do conjunto mecânico do Fusca, com carroceria meio quadrada, meio redonda, ela começou a ser produzida na Alemanha em 1950 e só saiu de linha em dezembro de 2013 no Brasil.
Ao longo de 63 anos, o modelo conquistou uma legião de fãs mundo afora e se firmou como um dos mais queridos. Mesmo depois de sua aposentadoria, ela não perde o encanto. Ao contrário. Virou objeto de desejo e faz brilhar os olhos dos colecionadores. À medida que o tempo passa, seu valor monetário e emocional só faz crescer.
Em 2013, uma Kombi de fábrica custava cerca de R$ 50 mil. Hoje, com as remodelações e personalizações feitas em mecânicas especializadas, ela chega tranquilamente a R$ 300 mil.
E muito dessa valorização global deve-se ao Brasil, país que fez da Kombi uma "paixão nacional". Por aqui, ela virou até metonímia: "Corram, crianças, para não perder a Kombi escolar" ou "A Kombi dos Correios acabou de passar".
Das cerca de 12,5 milhões de unidades fabricadas no mundo, 1,5 milhão, aproximadamente, saíram da unidade da VW em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Por causa do sucesso da Kombi (e do Fusca) em território nacional, o Brasil foi o primeiro país a receber uma fábrica da montadora fora da Alemanha.
Natural, portanto, que nossos restauradores estejam entre os mais procurados. No quadro de organização da Macfel, oficina dedicada exclusivamente à reforma de modelos antigos, é possível perceber o interesse de estrangeiros.
Há projetos em andamento para clientes nos Estados Unidos, Portugal, Polônia, Alemanha e por aí vai. Na última década, cerca de 500 Kombis já passaram pela garagem de Indaiatuba, no interior de São Paulo. Uma delas até ganhou, nos Estados Unidos, um prêmio internacional de "melhor restauração de fábrica".
“A qualidade das garagens focadas no modelo no Brasil também avançou muito nos últimos anos, com produtos e peças ganhando mais durabilidade e, consequentemente, mais destaque no exterior”, diz Leonardo Souza, dono do negócio, ao NeoFeed.
Há de se levar em conta ainda, como lembra o empresário, a diferença cambial, o estado de conservação dos automóveis e o período de fabricação dos veículos.
A Kombi Corujinha, o maior sucesso da linha, foi produzida aqui entre 1957 e 1975, enquanto na Alemanha a fabricação dessa versão se encerrou em 1967. Essa diferença coloca as unidades brasileiras em vantagem.
Na maioria das vezes, os carros precisam ser totalmente refeitos, salvando-se apenas a “base”. No caso da Macfel, são realizados todos os processos para deixar o veículo novo, desde a funilaria, pintura, motorização até tapeçaria.
“Muitos clientes internacionais querem a Kombi como se fosse original, enquanto outros buscam um veículo mais descolado, feito realmente para rodar e aproveitar o momento", afirma o empreendedor. "Nesse processo, eu me torno um verdadeiro psicólogo das Kombis, até que a ideia esteja totalmente entendida e o projeto possa sair do papel."
Uma vez decidida a revitalização, o veículo demora cerca de um ano para ficar pronto. De acordo com o especialista, as vendas costumam crescer em sazonalidades específicas, como o verão do hemisfério Norte. E grande parte dos compradores é formada por clientes finais — uma turma que pretende usar o veículo. Acima dos 45 anos, sobretudo, eles têm uma memória afetiva com a Kombi.
“Quase todos os nossos clientes têm alguma lembrança bacana com o carro e querem reviver aquele momento hoje com seus filhos, netos e amigos”, diz Souza. “Agora, os jovens também estão descobrindo essa sensação e começaram a procurar mais pelo carro, o que pode aquecer ainda mais o mercado.”
Do pregão para a Kombi
Souza, da Macfel, tem suas próprias recordações com a Kombi. E, quando ele lembra do carro dos avós, sua voz embarga. Mas não foi isso que o transformou em restaurador.
Formado em gestão financeira, trabalhou por 17 anos como operador da Bolsa de Valores, função que amava exercer. Porém, em 2009, com as mudanças no formato de negociação do pregão, ele precisou deixar o posto e procurar novas oportunidades.
Aos 35 anos e com poucas oportunidades na área, Souza decidiu comprar uma Kombi e reformar, na garagem de sua casa, para uso próprio. Com as contas acumulando-se, ele decidiu vender o carro. Ao anunciá-lo online, ficou impressionado com o número de estrangeiros interessados.
Por curiosidade, foi investigar o mercado e percebeu que o veículo tinha uma ótima aceitação fora do Brasil. “Foi aí que eu tive a ideia de comprar mais Kombis e apostar nesse negócio", lembra.
Hoje, Souza não consegue mais fazer nenhum carro para si mesmo. “Toda vez que eu começo um projeto, alguém se interessa e quer comprar", diz ele. "Chega a ser até engraçado.”
Por essas e outras, a Kombi até parece ser brasileira. Em 1953, já era possível ver o modelo circulando pelas ruas do País, importado pela Brasmotor, empresa que também representava a Dodge e Chrysler.
Apenas quatro anos depois, a VW começou a produzir a Kombi em território nacional. As primeiras unidades eram feitas com 50% de peças brasileiras, enquanto o motor continuava a ser importado.
Em 2013, sua produção seria encerrada devido às novas leis de segurança. A Kombi não suportaria freios ABS e airbags dianteiros. Em 2022, a montadora alemã até tentou reviver o modelo, adaptando as modernidades do mundo atual. Batizada de ID. Buzz, ela ganhou motor elétrico e design com toques futuristas.
Para os "Kombers raiz", no entanto, nada supera a Velha Senhora.