Muito se fala sobre o impacto das proteínas fermentadas no futuro da alimentação. A startup japonesa Spiber, porém, está usando micróbios e açúcares para fazer moda. Depois de 16 anos de pesquisas, a temporada outono-inverno 2023, prestes a começar no hemisfério norte, marca o início da produção em larga escala da Brewed Protein, como a fibra da biotech foi batizada.
A coleção de moletons, calças, suéteres e jaquetas só foi possível graças à parceria da Spiber com a gigante de roupas esportivas Goldwin. Fundada em 1950, em Oyabe, a noroeste de Tóquio, a companhia é dona das grifes The North Face, Woolrich, nanamica, The North Face Purple Label e a própria Goldwin.
A colaboração entre as duas empresas vem de 2015. No ano passado, as primeiras peças começaram a ser fabricadas, em quantidades limitadas e vendidas por sorteio. Agora, a Brewed Protein promete ganhar o mundo. Até 2030, a Goldwin tem a meta de fabricar 10% de todos os seus produtos com os fios fermentados da Spiber.
“Ao concebermos e propormos um vestuário que acompanhe o estilo de vida futuro, em harmonia com a natureza, podemos contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável da sociedade”, lê-se em comunicado da companhia.
Sediada na cidade de Tsuruoka, na província de Yamagata, na costa oeste do Japão, desde 2007, a inovação da biotech já levantou quase US$ 911 milhões, junto a 21 investidores, como Toyota, Mitsubishi e Morgan Stanley, informa a plataforma Crunchbase.
O aporte de US$ 312 milhões, em 2021, liderado pela multinacional de private equity The Carlyle Group facilitou a entrada da Spiber no grupo dos unicórnios, o das empresas avaliadas em, no mínimo, US$ 1 bilhão.
A Brewed Protein é fruto da obstinação de Kazuhide Sekiyama, de 40 anos. Ainda estudante de biociências, na Universidade Keio, em Tóquio, o cofundador da Spiber se inspirou nas teias de aranha para desenvolver a Brewed Protein,
Fascinado pela resistência e flexibilidade dos fios de proteína tecidos pelos aracnídeos, o empresário mergulhou na criação, em laboratório, de um material com características semelhantes às das teias. Diferente dos bichos-da-seda, as aranhas são canibais, o que dificulta sua criação em cativeiro.
Até a coleção outono-inverno 2023 da Goldwin, foram anos de pesquisas. Primeiro foi preciso decifrar os genes dos animais responsáveis pela formação das teias. Fim do mistério, deu-se início à investigação da melhor receita: micróbios geneticamente modificados, trabalhando, via fermentação, em uma base de compostos vegetais, em especial os resíduos das indústrias de cana-de-açúcar e de milho.
Durante o processo de design do novo têxtil, a equipe de P&D da Spiber descobriu que a teia de aranha encolhe quando molhada. Todos de volta ao laboratório para fazer alterações nas moléculas da Brewed Protein. Mais quatro anos e a primeira peça chegou ao mercado, em 2015. Foram colocadas à venda apenas 50 unidades da “Moon Parka”, em homenagem ao pouso do astronauta Neil Armstrong, na lua. A US$ 1,4 mil, as peças esgotaram quase que imediatamente.
Além da Goldwin, outras marcas já usaram os tecido fermentado da Spiber. Queridinha dos fashionistas por sua pegada ecologicamente correta, a inglesa Pangaia lançou seu primeiro moletom em parceria com a biotech, na última edição da Future Fabrics Expo, em Londres. Em suas duas últimas coleções outono-inverno, apresentadas na Haute Couture Week, em Paris, a estilista Yuima Nakazato desfilou peças, confeccionadas com os tecidos proteicos da biotech.
As fibras podem ser usadas, em altas concentrações, na composição de sedas, couro e cashmere sintéticos, entre outros. A ideia de Sekiyama sempre foi buscar alternativas sustentáveis aos têxteis produzidos a partir do petróleo, como o náilon, e aos de origem animal.
A título de comparação, quilo por quilo, os fios Brewed Protein consomem 94% menos água do que o cashmere legítimo, obtido a partir do pelo de cabras da Mongólia. E degradam 97% menos o meio ambiente.
Com a produção, hoje em dia, centrada na Tailândia, a biotech, em breve, deve inaugurar sua primeira unidade fabril nos Estados Unidos. A planta de Iowa é resultado da parceria da Spiber com a Archer Daniels Midland (ADM), uma das maiores tradings agrícolas do mundo.
A Spiber não é a única empresa a buscar inspiração nas aranhas para o desenvolvimento de têxteis mais sustentáveis. A alemã AMSilk e a americana Bolt Threads, por exemplo, têm propostas semelhantes. Mas as peças da biotech japonesa são as primeiras a ganhar escala planetária.