Enquanto as principais bolsas ocidentais ainda dormiam, as asiáticas sentiam na pele os efeitos colaterais do remédio amargo proposto pelo Federal Reserve (Fed , o banco central americano), que reduziu ainda mais a taxa de juros básica dos EUA

Na tentativa de suavizar o "estrago" econômico causado pelo coronavírus nos Estados Unidos, o Fed revelou também um plano de US$ 700 bilhões de resgate financeiro. A estratégia do banco central americano é adquirir US$ 500 bilhões em títulos do Tesouro e investir US$ 200 bilhões em ativos lastreados em hipotecas.

A instituição americana disse que agiu em conjunto com outros bancos centrais, numa operação que reuniu os órgãos econômicos do Japão, Inglaterra, Suíça, Canadá e União Europeia. 

O movimento coordenado, porém, parece não ter sido suficiente para acalmar o mercado. Na Austrália, o índice S&P/ASX 200 despencou mais de 9%, enquanto, em Hong Kong, o Hang Seng index caía mais de 4%.

Na China, o cenário se repetia com o índice composto de Xangai em baixa de mais de 3% e o de Shenzhen estava caindo mais de 5%. 

A pressão no Oriente era tamanha que o Banco Central japonês organizou uma reunião emergencial para discutir possíveis soluções.  

Enquanto o mercado tentava "digerir" todas as medidas já anunciadas por governos mundo afora, o economista Ricardo Amorim já tinha sua avaliação da movimentação do Fed.

"Essas medidas anunciadas em pleno domingo passam duas mensagens: a de desespero, visto que havia uma reunião agendada para quarta, e a de que a situação é ainda mais grave do que imaginamos", disse Amorim ao NeoFeed.

De acordo com Amorim, a única medida capaz de apaziguar os ânimos do mercado pediria ações em duas frentes. "Essa medida tem que vir pelo lado econômico, para acabar com a preocupação de uma possível quebradeira, mas tem que também resolver o problema do combate à doença." 

Por enquanto, Amorim avalia que as propostas tradicionais não surtirão efeito. "A visão geral de como se resolveu a crise financeira global de 2008 foi esse processo de injeção e liquidez por parte dos bancos centrais e do Fed, mas o problema dessa vez não está no setor financeiro, está nas empresas. Sem entrada de recurso, elas não conseguem honrar os compromissos que têm."

Temeroso de que a "munição" dos bancos centrais esteja se esgotando antes mesmo da crise começar, o economista acompanha de perto as diferenças e as semelhanças das movimentações das instituições financeiras internacionais. 

O Brasil também reage

No Brasil, o banco UBS, em relatório, disse que a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), da próxima quarta-feira, 18 de março, poderia ser adiantada para hoje. A instituição financeira também afirma que o Banco Central deveria lançar um programa de intervenção no câmbio.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem a noção do tamanho do problema que o espera no campo econômico e confidenciou ao blog do jornalista Waldo Cruz, da GloboNews, uma série de medidas que devem ser anunciadas nesta semana.

Entre elas, estão facilitar o acesso ao de 13º salário de aposentados e pensionistas. A primeira parcela seria paga em abril, em vez de agosto, liberando R$ 24 bilhões na economia. A parcela de dezembro também poderia ser adiantada para injetar mais dinheiro na economia.

“Se a situação piorar neste público, podemos antecipar o restante em maio, para que eles tenham recursos para pagar despesas extras”, afirmou Paulo Guedes.

No setor de turismo, o governo prepara também um amplo pacote de resgate para socorrer as companhias aéreas, as agências de viagens, hotéis, restaurantes e empresas de eventos.

A lista de medidas contempla autorização do Banco do Brasil para que as aéreas fiquem até quatro meses sem pagar juros e a abertura de linhas de empréstimos de capital de giro para as companhias aéreas e também para as empresas pequenas e médias no BNDES a juros mais baixos.

Para isso, o dinheiro que o BNDES devolveria ao Tesouro Nacional, algo ao redor de R$ 100 bilhões, será reduzido a R$ 80 bilhões.

Outro setor que vinha ganhando tração e que o governo não quer deixar desacelerar é o da construção civil. Para evitar a estagnação, a ideia do governo é usar a Caixa Econômica Federal para injetar R$ 75 bilhões em financiamentos.

Por último, Guedes estuda liberar parte do FGTS para que as pessoas possam sacar e, assim, irrigar a economia. “Se for necessário, será adotado e será muito importante para a economia”, afirmou. Não há prazo para que essa decisão seja tomada”, disse Guedes.

Cada decisão tem sido baseada em estudos preparados por um grupo de monitoramento do ministério, criado para verificar os impactos do coronavírus na economia real. A cada 48 horas, Guedes recebe informações sobre os mais variados setores.

Todos estão se mexendo

A Arábia Saudita, a mesma que detonou a recente crise do petróleo com a Rússia, por exemplo, colocou em prática um plano de US$ 13,3 bilhões para estimular pequenas e médias empresas afetadas pela pandemia.

Os Emirados Árabes Unidos seguiram caminho semelhante e tornaram público um projeto de US$ 27,2 bilhões para ajudar companhias e bancos financeiramente impactados pelo coronavírus.

Esse projeto prevê empréstimos a custo zero, enquanto o banco central local trabalha com o afrouxamento temporário de seis meses para pagamentos de juros de empréstimos pendentes a empresas do setor privado e clientes de varejo. O banco também diminuiu as restrições aos empréstimos imobiliários.

Já o governo do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe disse que destinaria US$ 15 bilhões em financiamento para negócios diretamente atingidos pela epidemia e aportaria outros US$ 4 bilhões para estimular a economia. 

Uma das estratégias do Japão é oferecer empréstimos de até US$ 1,9 mil, sem juros, a pessoas desempregadas ou em situação financeira crítica. Empresários que estejam passando por dificuldade também terão acesso a linhas de créditos facilitadas.

De acordo com um porta-voz do gabinete de Shinzo Abe, outras medidas para impulsionar a economia serão colocadas em ação e divulgadas à medida que a situação se desenrola.

"Há limites para o que pode ser feito pela política monetária, então não podemos depender apenas disso, mas tomar decisões fiscais", declarou o ministro de finanças japonês, Taro Aso, em pronunciamento oficial. 

Enquanto isso, o banco central da Nova Zelândia fez como os americanos e cortou drasticamente sua principal taxa de juros, que agora está em 0,25%. A promessa do governo é manter as taxas nesse nível pelo menos até o próximo ano. Segundo a instituição, o "sistema financeiro do país é sólido, com fortes amortecedores de capital e liquidez, mas enfrenta incertezas significativas em relação aos impactos do Covid-19".

Nos Estados Unidos, o corte levou a taxa para a faixa de 0 a 0,25%. Essa medida tem vigor já a partir desta segunda-feira, 16 de março. Essa redução, que vem na sequência de um corte-surpresa em 3 de março, teve a maioria dos votos.

Dos 10 presentes à reunião, apenas a presidente do Fed de Cleveland, Loretta Mester, foi contra à medida. "Os efeitos do coronavírus pesarão sobre a atividade econômica no curto prazo e colocam riscos as perspectivas econômicas", informou a instituição, em comunicado. 

Jerome Powell, presidente do Fed

Por fim, o Banco Central Europeu convocou seus 27 governos membros a montar uma resposta fiscal ambiciosa e coordenada. Na última quinta-feira, 12 de março, a instituição comandada por Christine Lagarde anunciou que ampliaria sua estratégia de compra de títulos da dívida de 120 bilhões de euros neste ano e manteria intacta a taxa de juros – que continua no recorde histórico, em 0%.  O juro pago por bancos que depositam dinheiro no Banco Central Europeu também segue estacionado em 0,5%. 

Paralelo ao pacote de Lagarde, alguns países europeus traçam suas próprias estratégias. A Áustria, por exemplo, lançou mão de uma iniciativa avaliada em US$ 4,4 bilhões para empréstimos e garantia de crédito, a fim de dar liquidez aos empresários e seus negócios.

Um dos países mais afetados pela pandemia, a Itália, também tem expandido suas medidas econômicas. O primeiro-ministro Giuseppe Conte disse na última quarta-feira, 11 de março, que vai alavancar o pacote de incentivo para US$ 27,7 bilhões. O montante será aplicado para honrar salários de servidores, apoiar exportadores e aliviar o serviço de saúde. 

Os ministros italianos também estão examinando um esquema de garantia estatal para os bancos, a fim de incentivá-los a estender a tolerância a empresas e famílias que lutam para pagar empréstimos. A Itália divulgou a ideia de permitir que os proprietários adiem o pagamento das hipotecas durante a crise.

A Espanha, por sua vez, alocou US$ 1,1 bilhão no sistema de saúde e transferiu outros US$ 3,1 bilhões às autoridades regionais para garantir a manutenção de seus serviços de saúde. 

No que diz respeito à economia, Pedro Sanchez, presidente espanhol, autorizou medidas extremas, como uma moratória de seis meses sobre pagamentos de impostos para pequenas e médias empresas e trabalhadores independentes.

A expectativa é que os mercados experimentem essa "ressaca" nesta segunda-feira, e que outros pacotes de resgate e incentivo sejam aprofundados e anunciados no decorrer dos próximos dias.

Ainda não é possível calcular a extensão da crise econômica desencadeada pelo coronavírus e alguns especialistas trabalham com a possibilidade de um cenário igual ou pior ao de 2008, quando houve o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos. 

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