O envelhecimento populacional sempre foi visto como uma carga para a sociedade, sobretudo fiscal. Essa é a interpretação ainda hegemônica guiada pelos parâmetros da economia ortodoxa, principalmente, no contexto da austeridade fiscal.
Depois da crise de 2008, quando a capa da revista The Economist mostrou o derretimento das teorias econômicas mainstream, outras ideias ganharam força no debate público sobre a dinâmica demográfica. Seria ingênuo acreditar que a Europa precisou de duas guerras mundiais para construir um Estado de Bem-Estar Social e, agora, assistiria a um capitalismo de desconstrução ruir com todo esse seguro coletivo que custou vidas e fome.
A União Europeia rapidamente fez emergir uma nova visão sobre o envelhecimento e adotou a estratégia da economia da longevidade. Em poucas palavras, a percepção sobre o envelhecimento populacional deixou de frequentar apenas a coluna dos custos na análise contabilista e simplificada e passou também para a coluna da receita.
Há condições de geração de riqueza na sociedade envelhecida. A silver economy, que traduzi aqui para economia da longevidade, em 2007, quando publiquei meu primeiro paper sobre o tema, surgiu como um termo ligado ao marketing, no Japão, ainda na década de 1970.
Hoje é um conceito e vai muito além do marketing. É uma política industrial, com investimentos de bilhões de euros pela União Europeia, mas também pelos Estados Unidos, Japão e Canadá, principalmente.
O diagnóstico que guia essa política pública vem da França. Em 2013, o governo francês, de forma inédita, anunciou uma estratégia de economia da longevidade com base na seguinte constatação: “todas as nossas empresas de todos os setores serão atingidos pelo envelhecimento da população”, dependendo da estratégia de “política industrial” adotada podemos liderar ou não esse mercado internacional de produtos e serviços para a sociedade envelhecida.
Na teoria, a economia da longevidade parte do básico: se teremos famílias com menos crianças e mais idosos, a cesta de consumo das famílias será radicalmente alterada. Não só novos produtos e serviços serão demandados como os produtos atuais terão que ser adaptados.
Nesses sete anos, a França – e toda a Europa – avançou na implementação dessa política industrial e já colhe os frutos. No âmbito do projeto Horizon 2020, dos 28 países da União Europeia, 2 bilhões de euros foram investidos em P&D entre 2014 e 2018, apenas para a inovação em produtos para o envelhecimento com alto valor agregado em tecnologia. É a chamada Gerontecnologia, âmago dessa política industrial.
No âmbito do projeto Horizon 2020, dos 28 países da União Europeia, 2 bilhões de euros foram investidos em P&D entre 2014 e 2018, apenas para a inovação em produtos para o envelhecimento com alto valor agregado em tecnologia
E o Brasil? Por aqui, “política industrial” virou palavrão. Nosso processo de desindustrialização é brutal. A política de austeridade fiscal é um dogma. Pune justamente as áreas que necessitariam de maiores recursos para nos prepararmos para enfrentar o que chamo de “corrida populacional” que forja uma “geopolítica do envelhecimento” em nível global.
O Brasil está atrasado e seu crescimento econômico será comprometido nas próximas décadas porque o consumo das famílias será cada vez mais vazado para o exterior, pois os produtos que serão demandados (nutrição especializada, fraldas, equipamentos de teleassistência, medicamentos, robótica assistiva, mobiliário, etc) serão fabricados alhures ou os royalties pelo design serão enviados para outros países.
A economia da longevidade, porém, ainda é um work in progress no mundo. O Brasil precisaria correr mais neste momento. Deveria ser prioridade a construção de um complexo industrial da saúde e do cuidado de longa duração para idosos (CLDI). Não me parece que é o que estamos assistindo. A nossa balança comercial da saúde já é cronicamente negativa. Assim será também com a do CLDI.
Por exemplo, enquanto universidades estrangeiras são muito bem representadas, com trabalhos de ponta, nos congressos da International Society for Gerontechnology, o Brasil debate por aqui se a terra é plana! Ciência, meio ambiente, saúde e, principalmente, educação sofrem cortes significativos de recursos. Quem paga a conta? As empresas pagarão essa conta, logo, logo, antes da metade do século.
A geopolítica do envelhecimento engolirá as empresas brasileiras. A nossa indústria será cada vez mais uma maquiladora. E a população idosa sofrerá as consequências. Mas também as gerações mais novas sairão perdendo, pois, os melhores empregos serão criados em torno da economia da longevidade. Sem falar no risco de estagnação da taxa de expectativa de vida, como já ocorre em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido.
O Brasil está preparado para atender às necessidades dessa população envelhecida? Não. A atual pandemia da Covid-19 mostrará que o Brasil está despreparado para envelhecer. Enquanto a China construiu milhares de unidades de UTIs em cerca de 10 dias, o Brasil sofrerá com o grande número de idosos dependentes cuidados por seus familiares, pelas periferias, principalmente, sem nenhuma condição básica de higiene.
Em vez de ampliar o investimento – repito, investimento – em saúde, o governo aprovou, em 2016, uma lei do teto que impôs uma perda de R$ 9 bilhões para o SUS e cortou em 27,4% os recursos de pesquisas na área. Ou seja, na corrida populacional, o Brasil corre para o lado oposto da linha de chegada.
Jorge Félix é professor doutor de Economia e Finanças em Gerontologia da Universidade de São Paulo (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), foi o pesquisador pioneiro nos estudos da economia da longevidade no Brasil, comentarista de longevidade da Rede Globo e autor dos livros “Viver Muito” (2010) e “Economia da Longevidade” (2019).
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