Diante de uma das piores crises globais da história, o governo brasileiro, sua equipe econômica e os demais poderes da República seguem, ao que tudo indica, batendo cabeça. O mais novo embate teve como ponto central a Medida Provisória 927, publicada na noite de domingo, 22 de março.
A MP em questão trata da flexibilização da legislação trabalhista sob o impacto do coronavírus. Entre os temas mais controversos, estava a permissão para a suspensão dos contratos de trabalho por um período de quatro meses, sem pagamento de salários.
O artigo 18 da medida provisória teve de ser revogado pelo presidente Jair Bolsonaro menos de 24 horas depois de a MP ser publicada. Ele foi rechaçado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, pelas principais lideranças da Casa e também pelo Ministério Público do Trabalho.
O enredo entre a publicação da MP até a revogação de um de seus pontos mais polêmicos ilustra a falta de diálogo e coordenação entre os poderes para enfrentar a crise do coronavírus.
Em uma transmissão online realizada pelo banco de investimentos BTG Pactual, nesta segunda-feira, 23 de março, Maia não usou de meias palavras para criticar a medida. “É claro que tratar de suspensão de contrato de trabalho tem que estar vinculado a uma solução de manutenção dos empregos”, afirmou o presidente da Câmara dos Deputados. “Em algum lugar da burocracia tiraram uma parte da MP. O que nós conversamos com a equipe econômica diverge do que está publicado.”
Maia se referia à sinalização dada na semana passada da possibilidade de os empregadores reduzirem em 50% os salários, com o governo arcando com 25% dos vencimentos para quem ganha até dois salários mínimos. O deputado ressaltou que esse contexto estava incluído na exposição dos motivos da MP, com a informação de que o governo entraria com recursos de R$ 10 bilhões. Mas que isso havia sumido do texto.
“A medida gerou pânico na sociedade. Criou uma crise desnecessária e gerou insegurança sobre as relações entre empregador e empregado”, afirmou Maia. “Temos que construir rapidamente junto com a equipe econômica outra MP ou uma sinalização clara de que estamos preocupados com a manutenção dos empregos.”
“A medida gerou pânico na sociedade. Criou uma crise desnecessária e gerou insegurança sobre as relações entre empregador e empregado", disse Maia
Antes de Maia, Bolsonaro só reforçou os ruídos em torno da medida. “Esclarecemos que a referida MP, ao contrário do que espalham, resguarda ajuda possível para os empregados. Ao invés de serem demitidos, o governo entra com ajuda nos próximos 4 meses, até a volta normal das atividades do estabelecimento, sem que exista a demissão do empregado”, escreveu ele, em postagem no Twitter.
E, horas depois da fala de Maia ao BTG Pactual, Bolsonaro, novamente pelo Twitter, alimentou ainda mais a confusão, ao anunciar que iria revogar o artigo da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho sem pagamento de salário por um período de até quatro meses.
Antes mesmo da última decisão, a MP e o presidente já eram alvos de críticas de outros parlamentares. “Bolsonaro mostra não ter a menor capacidade de resolver a crise. Suspender o contrato de trabalho por quatro meses é afundar os brasileiros e a economia. Ao invés de garantir a estabilidade ao trabalhador e mais recursos na economia, o governo deu um tiro no pé. Vamos derrubar”, escreveu a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), em suas redes sociais.
Depois do recuo de Bolsonaro, Tabata voltou a criticá-lo: “Bolsonaro mentiu sobre a MP e agora voltou atrás. Nossos esforços deveriam estar concentrados no coronavírus e em garantir a estabilidade econômica e social. Mas perdemos tempo, energia e a paciência com as trapalhadas de um presidente que representa um risco ao seu próprio país.”
A necessidade de uma abordagem diferente diante da crise já havia sido ressaltada por Maia. “A MP é capenga. Não dá para construir soluções pontuais a cada momento. Isso vai gerar mais estresse e problema”, disse. “Temos que construir um planejamento melhor dessas medidas para que todos tenham noção do esforço que queremos e precisamos fazer nos próximos 60 dias.”
Diante das incertezas desse contexto, a constante troca de farpas entre Bolsonaro e governadores é outro desafio. Em particular, a crescente tensão entre o presidente e nomes como os dos governadores João Doria e Wilson Witzel.
A dupla vem personificando o distanciamento entre o presidente e as demais instâncias do poder executivo. Desde a semana passada, Bolsonaro tem subido o tom nas críticas a medidas que Doria e Witzel estão adotando em seus respectivos estados. Entre elas, o fechamento do comércio e a determinação de quarentena, no caso de São Paulo.
Entre outros termos, Bolsonaro afirmou que a dupla estava tomando medidas excessivas e instalando um clima de terror. “Estamos fazendo o que ele não faz, liderar”, disse Doria, em um de suas diversas respostas ao presidente. Witzel, por sua vez, destacou que, enquanto os governadores tomavam a iniciativa, o governo federal insistia em ficar fazendo política.
Bolsonaro respondeu aos dois governadores no mesmo tom. Em entrevista a TV Record, na noite de domingo, ele chamou os governadores de “exterminadores de emprego.”
“Estamos fazendo o contato direto com os prefeitos, porque é lá que o povo vive. E não na fantasia de alguns governadores. Esse é o nosso trabalho. E acalmar a população. Evitar que o pânico chegue no meio da população, porque as consequências serão trágicas. No momento, já temos um problema: os governadores são verdadeiros exterminadores de emprego, essa parte eu deixo claro. Essa é uma crise muito pior do que o próprio coronavírus vem causado no Brasil e pode causar ainda.”
"Os governadores são verdadeiros exterminadores de emprego, essa parte eu deixo claro", disse Bolsonaro, à TV Record
Esses e outros embates também foram abordados por Maia. “O importante agora não é ser dono da ideia”, afirmou. “Todos precisam entender que têm responsabilidade pela superação da crise e que precisam deixar o debate eleitoral para o momento adequado, especialmente o de 2022.”
Durante o evento online do BTG Pactual, o presidente da Câmara afirmou ainda que irá propor a criação de um “orçamento de guerra”, voltado à crise e separado do orçamento fiscal. “Vamos resolver a crise, em conjunto, com gastos públicos claros”, afirmou. “Ao mesmo tempo, é preciso construir caminhos para pautas que tragam alguma previsibilidade no médio e no longo prazos.”
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