O preço do ouro futuro atingiu um recorde de quatro décadas na manhã de sexta-feira, 8 de agosto, após a revelação de que o governo dos Estados Unidos incluiu as importações de barras de ouro de 1 kg no pacote de tarifas de 39% imposto na véspera pelo presidente Donald Trump à Suíça – que controla 70% do mercado global de refino de ouro.

Na Comex, a divisão de metais da New York Mercantile Exchange (Nymex), o maior mercado mundial de ouro futuro, os contratos para entrega em dezembro subiram acima de US$ 100, atingindo um pico intradiário de US$ 3.534 por onça pela manhã – próximo do recorde ajustado pela inflação de US$ 3.619,48, estabelecido em 1980.

A sobretaxa às barras de ouro pegou de surpresa o governo suíço, que acreditava que a comercialização do metal estava em uma categoria isenta de tarifação.

A confirmação se deu em uma carta de decisão – usada pelos EUA para esclarecer sua política comercial – assinada em 31 de julho, mas que passou batida pelo mercado até ser revelada na noite de quinta-feira, 7, pelo jornal britânico Financial Times.

Nos 12 meses até junho, as exportações suíças de ouro para os EUA somaram cerca de US$ 61,5 bilhões. Esse mesmo volume de ouro agora estaria sujeito a tarifas adicionais de US$ 24 bilhões, de acordo com a nova tarifa de 39% da Suíça, que entrou em vigor ontem.

O ouro em barras teve uma alta histórica este ano, subindo 27% desde o final de 2024, justamente como efeito da política comercial de Trump – o ouro é considerado um ativo seguro em tempos de incerteza econômica.

Além da valorização linear ao longo de 2025, os preços do ouro em suas diferentes categorias subiram em cinco dos últimos seis dias, impulsionados em parte pela esperança de que o Federal Reserve (Fed) corte as taxas de juros em breve em resposta ao enfraquecimento dos dados econômicos.

"Dada a volatilidade das decisões comerciais dos EUA, é difícil fazer previsões de longo prazo, mas assumindo um cenário em que as tarifas permaneçam em vigor seria de se esperar que os preços à vista fossem afetados e subissem, estreitando o spread em relação aos futuros", diz Ricardo Evangelista, analista sênior da corretora ActivTrades.

Com cerca de 70% do mercado mundial, a Suíça domina o comércio de transformação de ouro de minas e outras fontes em barras de ouro.

O comércio de ouro geralmente é circular entre Londres, Nova York e Suíça, com barras fundidas e refundidas em diferentes tamanhos de acordo com os pedidos. A Suíça importa cerca de 2.000 toneladas de ouro anualmente, grande parte de bancos intermediários em Londres, Nova York e outros lugares, que depois são exportados.

Os americanos com alto poder aquisitivo estão entre aqueles que recorrem ao ouro físico, que pode ser guardado em cofres nos Alpes Suíços por um custo extra.

Fiasco em Washington

A inclusão das barras de ouro no tarifaço de Trump representa um novo duro golpe para o governo suíço, que fracassou em evitar uma tarifação excessiva na rodada de negociações com o governo americano.

Anteriormente, Trump havia imposto tarifas punitivas de 31% sobre produtos suíços. A presidente Karin Keller-Sutter havia garantido um adiamento até 1º de agosto, e a Suíça propôs um acordo com uma tarifa de 10% e investimentos suíços nos EUA de até 200 bilhões de francos suíços.

No entanto, durante a ligação telefônica de 31 de julho com Keller-Sutter, Trump considerou a oferta insuficiente, citando um déficit comercial de US$ 39 bilhões dos EUA com a Suíça. Ele chamou os argumentos da presidente suíça de "moralistas".

Depois, Trump disse à CNBC que "a mulher foi simpática, mas não quis ouvir" suas reclamações sobre o desequilíbrio comercial, decidindo aumentar a alíquota inicialmente anunciada. Keller-Sutter recebeu críticas dentro do governo suíço por ter abordado a conversa com Trump sem preparação suficiente e sem um mandato claro do Conselho Federal.

Sob pressão interna, a presidente suíça desembarcou em Washington na terça-feira, 5, com o ministro da Economia, Guy Parmelin, sem convite formal da Casa Branca e sequer foi recebida por Trump, tendo se encontrado apenas com o secretário de Estado, Marco Rubio.

Embora tenha postado nas redes sociais ter mantido uma “conversa muito boa” com Rubio sobre cooperação bilateral, tarifas e questões internacionais, Keller-Sutter voltou de mãos vazias, sem nenhuma concessão americana.

Além do ouro em barra, a tarifa de 39% imposta por Trump colocou pressão em outros dois setores — farmacêutico e relojoeiro — que são pilares da economia suíça.

Os EUA são o maior mercado individual para os produtos farmacêuticos suíços – que respondem por cerca de 40% do total de exportações do país, somando mais de US$ 30 bilhões por ano. Em abril, a Roche abunciou planos de investir US$ 50 bilhões na construção de novas fábricas e centros de P&D nos EUA nos próximos cinco anos, num claro movimento para evitar a sobretaxação americana.

Já os relógios suíços, que têm 16,8% das exportações direcionadas para os EUA, deverão ver o preço de seus modelos como Rolex, Patek Philippe, Omega, Swatch Group e Richemont ficarem 20% mais caros no varejo americano com a tarifa de 39%.

Desnorteados com o impacto para o país, políticos locais chegaram a sugerir ao governo suíço recorrer ao presidente da Fifa, Gianni Infantino – que é suíço e próximo de Trump, com quem esteva na posse do americano, em janeiro, e na final do Mundial de Clubes, em julho -, para que solicite uma revisão do tarifaço imposto à Suíça, o maior entre os países ricos e abaixo apenas de Brasil, Índia, Síria, Laos e Mianmar.

Após uma reunião de emergência convocada com o gabinete do país na quinta-feira, a presidente suíça disse que as tarifas criaram uma "situação extraordinariamente difícil" para as empresas e seus funcionários – o impacto no médio prazo é estimado em até 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da Suíça.

Keller-Sutter admitiu que, apesar das tarifas, a Suíça continuará com seu acordo de aquisição para comprar caças F-35 e o sistema de mísseis Patriot dos EUA: "O Conselho Federal tem afirmado repetidamente que continuará com o F-35; se não fizéssemos isso, não teríamos defesa aérea.”