Brasília - Tão logo assumiu a relatoria do marco regulatório da inteligência artificial na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) deixou claro para os parlamentares e para o governo que iria incorporar ao texto aspectos da arquitetura e infraestrutura dos data centers. Para ele, não há como separar aspectos como direito autoral do próprio armazenamento e tratamento de dados.

O primeiro passo nesse sentido Ribeiro deu na terça-feira, 19 de agosto, quando anunciou a incorporação da medida provisória (MP) que zera impostos de importação para itens de data centers ao projeto sobre Inteligência Artificial (IA). A iniciativa funcionará como plano B, caso a MP não avance ou não apresente regras mais claras sobre a infra para data centers.

A intenção do deputado é apresentar o texto em mais dois meses, considerando uma aprovação nas duas Casas até o final do ano, por causa das regras fiscais. “É fundamental você ter esse hub de data centers para que esses dados, tanto os nossos para serem processados e estocados, quanto para atender outros países", disse Ribeiro, em entrevista ao NeoFeed.

Para o deputado, é necessário regular a Inteligência Artificial. “Não há outra opção, por mais que não se possa controlar o avanço tecnológico, e essa nunca foi a ideia.” Ribeiro diz que não é apocalíptico em relação à IA, mas que é preciso debater os seus efeitos.

Em outra ponta, a crise aberta entre os Estados Unidos e o Brasil relacionada ao tarifaço e ao sistema bancário, com a Lei Magnitsky, mostrou que Ribeiro tinha motivos para avançar sobre uma infraestrutura própria para armazenamento. “É uma questão de decisão política, afinal o País precisa ter autonomia”, diz ele.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O senhor vai incluir no relatório da IA a questão da infraestrutura, mais especificamente a regulação do ambiente para os data centers. Por quê?
O projeto do Senado não tinha essa amplitude de fato que a gente está querendo colocar. É exatamente essa infraestrutura que é necessária para se manter o que você está se propondo fazer, que é regular a inteligência artificial.

Como assim?
Na questão dos dados, por exemplo, até temos uma legislação específica de proteção, mas quando falamos de utilização de dados alocados em determinada base que não a nossa, o Congresso precisa entrar no debate. Acho que esse assunto é do Legislativo, é uma questão de decisão política, de um assunto relacionado ao povo brasileiro.

O senhor está falando de soberania, um debate que voltou à tona com a crise Estados Unidos e Brasil por causa do tarifaço e da Lei Magnitsky?
Trata-se de soberania, mas também de não ter dependência de nenhum país. E quando a gente fala de data centers é disso que tratamos, até pelo potencial que nós temos como no caso da produção energética. Em alguns modelos, você está falando em água também. Aqui, temos capacidade, pois em outros países tem gente até mesmo apostando em energia nuclear para produzir inteligência artificial. É fundamental você ter esse hub de data centers para que esses dados, tanto os nossos para serem processados e estocados, quanto para atender outros países.

"Quando a gente fala de data centers é disso que tratamos [soberania]"

E, na sua avaliação, isso daria autonomia ao País?
O Brasil processa a maioria dos seus dados fora do País. Não processamos porque não temos capacidade de produção pela falta de infraestrutura. Precisamos dessas condições para o País, mas também para atender os players mundiais. Quer dizer, esse atendimento funcionaria não só como um ato de soberania, de autonomia, mas também como uma mostra de que o Brasil está forte no cenário.

Isso significa ser fornecedor, além de consumidor?
Nós queremos ser consumidores ou queremos ser fornecedores? Consumidores já somos de qualquer forma. Mas nós podemos produzir aquilo que a gente consome aqui. Temos toda a capacidade de fazer e ainda de atender boa parte do mundo com esse design que a gente está pensando em fazer, que é um design que eu chamo de design do Estado.

A crise com os Estados Unidos alertou ainda mais para essa questão da soberania?
Eu acho que sempre trabalhamos com um viés, a gente sempre olhou para essa questão, não por conta de tarifas, isso é algo mais específico, os Estados Unidos pontuando com o mundo. Eu sempre entendi a tecnologia como grande fronteira de oportunidade para o País, independentemente de qualquer coisa. É preciso ter essa infraestrutura. Temos que criar essa condição de ter essa fronteira como estratégica.

Qual é a diferença do texto do senhor em relação ao aprovado no Senado?
Isso aí nós vamos construir, é esse debate que nós estamos. Abrimos um calendário de audiências públicas e de várias reuniões com os setores. Estamos abertos para conversar bastante, para aprender, trocar ideias para a gente evoluir mais na frente, que a gente tenha um texto sinérgico com o Senado para aprovação. Fizemos uma opção no PL 2338, que foi o modelo de avaliação de risco, de governança, dos direitos autorais, por exemplo.

Como regular algo pensando no futuro?
É um exercício de pensar um mundo tecnológico. Estamos pegando essas experiências, testando com todo mundo que lida diretamente com esse tema, desde pesquisadores, acadêmicos, empreendedores, usuários, aplicadores, todo mundo que está dentro dessa cadeia.

Poder chegar na inovação.
Aí a gente vai ter a visão de qual é o melhor modelo de regulação que você possa permitir um ambiente propício à inovação, que é o que nós estamos querendo como um País do ponto de vista de estratégia, mas também que garanta esse equilíbrio na prática de manutenção da dos direitos que são aqueles valores inegociáveis enquanto sociedade.

Como o texto protege setores econômicos e a sociedade?
A inteligência artificial é uma ferramenta, mas pode trazer consequências, e isso é preciso que seja debatido. Não tenho uma visão apocalíptica da IA. Tem coisas que vão mudar mesmo, mas acho que é possível a sociedade direcionar. A economia sempre vai buscar soluções, oportunidades. Mas é preciso saber o que a gente vai proteger.

Esse é o ponto atual do debate?
São as coisas que a gente vai ter que fazer uma discussão mais profunda, porque independentemente do governo, da agência reguladora, a tecnologia vai avançar. Agora, alguma regulação tem que ter. Não é uma opção não regular. Eu acho que isso como o País está muito claro para nós. Porque a gente precisa ter um ambiente seguro.