Desde seu lançamento, em maio de 2023, o Pacto Contra a Fome tem entre suas missões mais essenciais o fortalecimento das políticas públicas de erradicação da fome, garantia da segurança alimentar e nutricional e combate ao desperdício de comida. Trabalhar junto ao Congresso, portanto, torna-se imprescindível.
Com a divulgação de sua primeira agenda legislativa, na manhã desta quarta-feira, 27 de agosto, o movimento dá um passo importante rumo a um Brasil sem fome em 2030 e a todos os brasileiros bem alimentados em 2040 — ao fim e ao cabo, o horizonte da coalizão.
Batizado Da política ao prato, o documento traz sete projetos de lei já apresentados à Câmara dos Deputados e ao Senado. Textos com maior potencial de transformação e probabilidade de tramitação rápida, segundo os analistas do Pacto.
“O Legislativo exerce um papel fundamental tanto na fiscalização da implementação das políticas públicas pelo Executivo quanto na proposição e institucionalização de novos projetos e na consolidação de programas já existentes”, diz Maria Siqueira, cofundadora e diretora de políticas públicas e projetos do movimento, em conversa com o NeoFeed.
A agenda é fruto de uma extensa e minuciosa pesquisa, realizada durante seis meses. Em uma primeira etapa, os especialistas se debruçaram sobre 1.915 matérias propostas ao Congresso ao longo dos últimos vinte anos. Delas, 208 foram avaliadas mais profundamente. E, a partir da análise de dados e evidências, eles chegaram às sete apresentadas agora.
Da política ao prato sugere aos parlamentares os projetos que deveriam ser prioridade tanto em termos de urgência quanto de dedicação técnica, explica Maria.
“A gente também quer falar com a população sobre o que é a agenda, o que é responsabilidade do Congresso”, afirma a executiva. “Para que a opinião pública também se engaje e ajude a fazer isso acontecer."
Nas roças familiares
Um dos temas mais caros aos analistas do Pacto é o apoio à agricultura familiar.
São os pequenos produtores que, em grande parte, dão de comer ao Brasil — com alimentos frescos e saudáveis produzidos, frequentemente, em consonância com a natureza, mesmo em contextos mais industrializados.
Fora sua importância para a segurança alimentar e nutricional e a proteção do meio ambiente, eles ajudam a impulsionar a economia de suas regiões e a preservar as tradições culinárias.
Mas vários entraves brecam o desenvolvimento pleno do setor no Brasil. Além de a zona rural concentrar os maiores índices de pobreza do país, historicamente, os pequenos produtores têm dificuldade de acesso à assistência técnica e ao crédito agrícola.
Maria cita o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como exemplo para a força das políticas públicas de fortalecimento da atividade familiar. Lançado em 2003, o projeto prevê a compra pelo governo federal da produção das pequenas propriedades e sua doação para a população mais vulnerável.
Conforme um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a adesão ao PAA aumentou a renda bruta média dos agricultores familiares em 24%, entre 2009 e 2017. E, entre os 10% mais pobres, o impacto chegou a 45%.
Na escolha dos projetos de lei relacionados aos pequenos produtores, a equipe do Pacto teve o cuidado de incluir programas de gestão dos riscos climáticos. A ideia é tornar suas roças e fazendas mais bem preparadas para enfrentar os eventos extremos — cada vez mais intensos e frequentes por causa do aquecimento global.
Nas escolas e nos desastres
A agenda também chama a atenção do Legislativo para a importância da alimentação saudável nas escolas — condição sine qua non para conter a epidemia de obesidade e a escalada das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).
“A primeira infância é um momento crítico para a construção de uma saúde longeva e de hábitos alimentares saudáveis”, lembra Maria.
Quase sete em cada dez brasileiros estão acima do peso. E, deles, cerca de 30% são obesos. Para se ter ideia da gravidade do problema, no Brasil, as DCNT matam mais do que os homicídios.
Em 2019, foram quase 740 mil óbitos associados à má alimentação — 308,5 mil dos quais precoces, cujas vítimas tinham entre 30 e 69 anos. O número de pessoas assassinadas, por sua vez, girou em torno de 213 mil, no mesmo período.
Outra frente de trabalho sugerida na agenda legislativa é a garantia da produtividade e do acesso à comida, sobretudo dos mais vulneráveis, em momentos de emergência e/ou calamidade pública.
No contexto da pandemia do novo coronavírus, por exemplo, o número de famílias com crianças pequenas em situação de fome dobrou. Foi de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022, revela estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Um projeto de lei citado em Da política ao prato sugere que, em períodos de desastre, o Estado priorize a aquisição e distribuição de alimentos do PAA. Dessa forma, fica garantida também a renda dos agricultores familiares.
A agenda legislativa do Pacto aborda ainda a redução do desperdício e a ampliação da doação de alimentos. Não custa lembrar, a fome no Brasil não é um problema de falta de comida, mas de fazê-la chegar às mesas dos mais carentes.
De um lado, 30% de tudo o que é produzido anualmente no país tem o lixo como destino. Do outro, 8 milhões de mulheres, homens e crianças não têm o que comer hoje e nem sabem quando farão a próxima refeição.
Se somados todos os três níveis de insegurança alimentar e nutricional, o número de pessoas sem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente para uma vida saudável, sobe para 64 milhões — aproximadamente 30% da população brasileira.
Círculo virtuoso
O documento é um avanço, com certeza, mas ainda há muito ainda a ser proposto ao Legislativo. Um problema, por exemplo, é a inflação dos alimentos. O boletim de agosto do Pacto sobre o preço dos alimentos mostra: os produtos in natura acumularam alta de 7,96% nos 12 meses anteriores, enquanto os ultraprocessados subiram 6,72% no mesmo período.
“Nesta primeira atuação mais estruturada junto ao Congresso, nós optamos por levar propostas que já estão tramitando”, explica a cofundadora do movimento.
Em 2024, ainda sem uma agenda legislativa tão bem estabelecida como a de agora, o Pacto comemorou o sucesso de sua participação na reformulação da cesta básica nacional.
A inclusão de alimentos frescos ou minimamente processados na nova lista serve de paradigma para o poder da sociedade civil na formulação das políticas públicas e para o alcance das mudanças estruturantes na garantia da segurança alimentar e nutricional.
A cesta mais saudável, por exemplo, impacta tanto a agricultura familiar quanto a merenda escolar. As ações pautando umas às outras, em um círculo virtuoso que garante a comida no prato de quem tem fome.