O empreendedor Fernando Montera Filho conseguiu um feito raro no Brasil. Em um mercado em que saídas para startups são difíceis, ele vendeu duas das empresas que criou. A primeira, a BeCommerce, para o Mercado Livre. E a segunda, a Hubster, para a CloudKitchens.

Agora, Montera Filho está em sua terceira startup, a Doji, uma plataforma que conecta quem quer vender e comprar celulares usados. Mas ele aprendeu uma lição com a transação de seu segundo negócio. Como usou parte dos recursos da venda de sua primeira empresa para criar e escalar a Hubster, ele pressionou por uma rodada secundária quando foi captar com investidores.

Na época, um dos investidores percebeu que o empreendedor precisava de dinheiro e mudou a conversa. No fim, a CloudKitchens, que iria fazer um aporte, comprou 100% da empresa. “Se não precisasse de uma secundária, poderia desenvolver mais a empresa e até mesmo vender melhor no futuro”, diz Montera Filho, ao NeoFeed.

Rodadas secundárias, aquelas em que o capital vai para o bolso do empreendedor em vez de ser investido no crescimento da startup, ainda são um estigma no mercado brasileiro. Pouco se fala a respeito e, em alguns casos, elas são cercadas de preconceitos.

Mas uma pesquisa à qual o NeoFeed teve acesso com exclusividade faz a primeira radiografia sobre aportes secundários no Brasil. O relatório, realizado pela Beacon e pela Spectra, ouviu tanto empreendedores (foram 93 respostas) quanto investidores (28 participantes, entre fundos de venture capital, family office e investidores-anjo) para traçar um panorama deste tipo de aporte.

E a principal conclusão é que as rodadas secundárias são mais comuns do que aparentam. “A frequência foi maior do que eu imaginava”, diz Ricardo Duarte, fundador da Beacon, startup que é uma espécie de private banking para fundadores de startups. “Tanto investidores quanto family offices têm propensão (a fazer esse aporte), assim como interesse no tema.”

A pesquisa mostra que a venda de uma fatia secundária pelos empreendedores ocorre no contexto de uma rodada. Em 66% das vezes, isso se deu a partir da série A, quando a startup já tem o que é chamado de product market fit. Em rodadas seed, quando a empresa está dando os primeiros passos, correspondeu a 34%.

“Não parece existir um tabu em vender a secundária (no caso dos empreendedores). E o medo de o founder perder a motivação (temor dos investidores) não parece uma questão muito relevante”, afirma Ricardo Kanitz, sócio da Spectra.

A razão para entender esse comportamento é fácil de ser compreendida. Em 82% dos casos, a venda de uma fatia secundária representa menos de 10% da participação do fundador da startup. Na prática, é um percentual pequeno, o que mantém o empreendedor alinhado com as metas de longo prazo.

“Os fundadores não fazem venda de uma fatia apenas pelo dinheiro. É um mix de preço atrativo, alinhamento estratégico e desejo de paz financeira”, diz Duarte.

O NeoFeed ouviu empreendedores e fundos de venture capital para tentar entender, além dos números da pesquisa, como encaram rodadas em que parte do recurso vai para o empreendedor.

De uma forma geral, todos são a favor de que ocorram secundárias, que podem ajudar na motivação do empreendedor que tem todo o seu patrimônio concentrado na startup, bem como abrir espaço para os investidores aumentarem suas participações. Mas há condicionantes. Os dois principais são o momento e a situação financeira da startup.

“Existe um momento a partir do qual você pode pensar em fazer isso. Em geral, é depois da série A e o empreendedor já tem uma boa tese para escalar o negócio”, afirma Marcelo Lombardo, fundador e CEO da Omie, que já vendeu sua primeira empresa e fez duas secundárias na atual empresa.

A outra condicionante é o momento financeiro da companhia. Como são startups, é comum que, no começo, queimem caixa para escalar o negócio. Mas, mesmo sem dar lucro, é preciso ter uma trajetória clara de crescimento sustentável.

“Existe uma hora certa para um empreendedor buscar uma secundária. Na minha concepção, o empreendedor tem de buscar crescimento, não secundária. Ela é consequência de um trabalho bem-feito”, diz um empreendedor que não quer se identificar e que já fez secundárias em pelo menos duas rodadas de sua startup.

De acordo com esse empreendedor, isso só deve acontecer se o empreendedor precisar muito ou a empresa gerar muito caixa. “Não dá para sacrificar o crescimento”, afirma essa fonte. “E tem de ser uma quantia que não vai mudar a vida do empreendedor, a ponto de ele deixar de ter sangue nos olhos.”

No fim do dia, o segredo para que o tema de rodadas secundárias não se torne um tabu é o equilíbrio. “Muita gente ainda enxerga as secundárias como um ‘atalho de liquidez’, mas na prática elas podem ser um divisor de águas", afirma Daniel Chalfon, sócio da Astella

Em sua visão, rodadas secundárias feitas com equilíbrio melhoram o ponto de entrada dos fundos. "E também permitem que fundadores reduzam a ansiedade financeira para que possam focar no que realmente importa: escalar o negócio”,  diz Chalfon.

Neste ponto, pode haver uma convergência entre empreendedores e investidores. De um lado, o fundador de uma startup pode ganhar um alívio financeiro para tocar sua vida financeira sem apuros. De outro, os fundos de venture capital e os family offices não só podem aumentar a participação, como também conseguir isso com descontos sobre o valuation.

A pesquisa da Beacon e Spectra mostrou que 46% das rodadas secundárias acontecem com um desconto do valuation do atual aporte. O desconto mais comum é entre 10% e 20%, citado por 23% dos entrevistados. Reduções entre 20% e 30% representam 10% do universo pesquisado.

“Tem sido uma boa estratégia do fundo, porque compramos com desconto”, diz André Maciel, sócio da Volpe Capital, referindo-se a compra de fatias secundárias. “E tem um lado benéfico para a companhia, pois dá tranquilidade para o founder. É ruim quando o founder está apertado com dinheiro e não consegue focar no negócio.”

É fato que o fundador não tem liquidez. E todas as suas fichas estão apostadas no sucesso de sua empresa para que, em uma eventual liquidez, seja recompensado. Mas qual deve ser o salário de um founder? Lombardo, da Omie, tem uma opinião clara.

“O fundador precisa ter um salário de um executivo decente. Ele não precisa ser remunerado abaixo do mercado, mas um salário compatível com o porte da empresa em que ele está”, diz Lombardo.

Montera Filho, da Doji, o empreendedor do começo desta reportagem, lembra que em sua primeira startup não tinha salário. E tudo o que entrava no caixa era reinvestido. Mas eram outros tempos. Ele era estudante e vivia na casa dos pais. Hoje, ele sabe que essa estratégia seria insustentável.

Ao mesmo tempo, ele sempre usou a estratégia de stock options para atrair talentos – já que não podia oferecer um salário compatível com o do mercado. Dessa vez, à frente de sua terceira startup, está encontrando dificuldades para contratar. Frustrados, muitos profissionais se recusam a trabalhar ganhando menos do que em uma grande empresa.

“Nos últimos cinco anos, muitos trabalharam com a promessa de ganhar muito dinheiro com stock options. Mas ninguém teve liquidez ou tudo veio a zero”, afirma Montera Filho. “A sensação, hoje, é que o stock option é uma pegadinha.”

Esse é outro lado das secundárias - e um reflexo do excesso de liquidez dos anos 2020 e 2021, que atraiu muitos executivos às startups. Aqueles que resistiram - e persistiram - como Montera Filho, estão, agora, sendo recompensados. Mas antes de o dinheiro ir para o bolso, as startups precisam dar sinais claros de que estão dando certo.