Com cada vez mais cara de banco, o Mercado Livre entra em 2025 com planos de manter uma postura agressiva na concessão de crédito, apesar das projeções de um cenário econômico mais desafiador.
Com o objetivo de transformar o Mercado Pago no maior banco digital da América Latina, a companhia encerrou o quarto trimestre com uma expansão de 74% na carteira de crédito, que atingiu US$ 6,6 bilhões. O crescimento foi impulsionado, sobretudo, pela linha de cartão de crédito, que avançou 118%, representando US$ 2,6 bilhões da carteira.
“O cartão de crédito é a peça central dessa estratégia porque, na América Latina, o principal parceiro financeiro do cliente é onde ele recebe seu salário ou tem acesso a crédito. Como grande parte da população trabalha no mercado informal, esse acesso se torna ainda mais essencial”, afirma Leandro Cuccioli, vice-presidente sênior do Mercado Livre, em entrevista ao NeoFeed.
A expansão da carteira de crédito contribuiu para o desempenho do Mercado Pago, que encerrou o trimestre com uma receita de US$ 2,5 bilhões, alta de 29%. Segundo Cuccioli, o ritmo deve seguir acelerado. “Não damos guidance para 2025, mas posso dizer que nossa estratégia continua inalterada”, diz ele.
Para incentivar a adesão ao cartão, a empresa tem lançado iniciativas como melhores condições de parcelamento em compras no Mercado Livre e cashback. O foco, segundo Cuccioli, é ampliar o uso do cartão entre os próprios clientes do e-commerce, que chegaram a 100 milhões no ano passado. Na fintech, são 61 milhões de usuários ativos.
No último trimestre, o crescimento acelerado da carteira de crédito chegou a preocupar analistas, diante da deterioração das expectativas macroeconômicas. O executivo pondera, no entanto, que os riscos macroeconômicos precisam ser bem precificados. “Dar crédito é fácil, sempre há demanda. Mas o risco precisa ser administrado corretamente.”
A aposta do Mercado Livre para navegar nesse cenário — que indica juros mais altos e menor atividade econômica — é sua base ligada ao e-commerce.
“Tomamos cuidado com o ambiente em que operamos. Mais do que acompanhar mudanças no macro, observamos de perto o que acontece na rua. Hoje, o Mercado Livre deve ter dados quase tão bons quanto os do IBGE, pois nossa abrangência de consumidores e setores permite sentir o pulso do mercado. Temos clientes conosco há 20 anos”, diz Cuccioli.
Até agora, segundo ele, as ruas ainda não deram sinais de preocupação. Pelo contrário. “Até o fim do quarto trimestre, não vimos nenhuma mudança relevante.”
O Mercado Livre encerrou mais um trimestre de forte crescimento, com lucro líquido de US$ 639 milhões, alta de 287% em relação ao mesmo período do ano anterior, impulsionado pelo aumento da receita e da margem.
Crescimento sustentado no e-commerce
Na divisão de e-commerce, a receita líquida avançou 44%, atingindo US$ 3,6 bilhões, apesar do crescimento mais modesto de 8% no GMV, que somou US$ 14,5 bilhões — reflexo da desvalorização cambial nos mercados onde a empresa atua. No Brasil, seu principal mercado, o GMV cresceu 32% em moeda local.
O ritmo de crescimento representou uma leve desaceleração de três pontos percentuais em relação ao quarto trimestre de 2023. Cuccioli atribui o movimento a uma base de comparação maior, mas reforça que ainda há muito espaço para avançar, tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina.
“Somente 15% das vendas do varejo no Brasil são feitas online. Ainda estamos nos 15 minutos do primeiro tempo do e-commerce”, afirma o executivo.
Uma das frentes que o Mercado Livre tem reforçado para ampliar as vendas digitais é a logística. No quarto trimestre, 49% das entregas foram realizadas no mesmo dia ou no dia seguinte à compra, um crescimento de 21% no volume em relação ao mesmo período de 2023.
Mas Cuccioli sabe que, para manter a equipe vencedora até o final do jogo, é preciso ajustar a estratégia conforme o adversário. A companhia, por exemplo, passou a investir na venda de produtos com maior prazo de entrega e preços mais baixos — modelo que permitiu a seus principais concorrentes chineses ganhar espaço no Brasil.
“Temos que criar estratégias para diferentes perfis de consumidores. Mas não foi com a chegada dos chineses que descobrimos a concorrência. No Brasil, sempre houve jogadores locais fortes, além da Amazon e, agora, os asiáticos. Concorremos contra diferentes players e adoramos competir. Se não fosse pela concorrência, não teríamos chegado onde chegamos.”