Brasília - Durante evento no Palácio do Planalto, na quinta-feira, 10 de agosto, representantes do setor produtivo trocaram impressões e mensagens sobre a ameaça do tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil. A tônica de parte das conversas: os integrantes da família Bolsonaro conseguiram repercutir uma ação em benefício próprio, sem avaliar, entretanto, os efeitos para o comércio internacional brasileiro.
O movimento não passou despercebido por integrantes do governo Lula, que tentam aproveitar a “janela de oportunidade” para reiniciar uma aproximação com o empresariado. Não é uma tarefa tão simples, principalmente depois das trapalhadas legislativas com a proposta de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e com o discurso de ricos contra pobres, que só aumentou a indisposição de empresários.
Nas últimas 48h, o NeoFeed conversou com políticos, empresários e analistas para montar um mosaico de como o governo se prepara para retomar o diálogo com os empresários. Um primeiro efeito simbólico citado está na freada de uma debandada de empresários do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o Conselhão, desprestigiado inicialmente por Lula mas que deve ser retomado com mais atenção.
“A ameaça de Trump é uma espécie de freio de arrumação, que pode ser aproveitada. O discurso de defesa do território e das empresas nacionais é bem aceito tanto pela sociedade quanto pelo setor produtivo”, afirma Antônio Augusto de Queiroz, consultor político e integrante do Conselhão.
“A depender dos movimentos em defesa do comércio brasileiro há uma brecha para um enlace com o setor produtivo”, complementa.
O fator Alckmin
O principal nome do governo para restabelecer as pontes com o setor empresarial é o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Geraldo Alckmin, que, como outros integrantes da Esplanada, havia perdido tração nas negociações com o Congresso depois da crise aberta com o aumento do IOF.
“Alckmin é indispensável nesse processo, pois a maior parte da agenda dele é com o setor produtivo”, afirma Queiroz.
Na solenidade de quinta-feira, 10, no Planalto, Alckmin foi elogiado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que acabou desgastado nas últimas semanas depois da queda de braço com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O vice-presidente assim funcionaria como ponte imediata com o setor empresarial, restabelecendo o próprio poder político para a campanha eleitoral do ano que vem.
“Por mais que o discurso dos ricos contra pobres tenha resultado em alguma energia imediata nas redes, os efeitos ao longo do tempo ainda são incertos. Mas não resolverá a dificuldade do governo com o setor empresarial. A guerra das tarifas é diferente”, diz o cientista político argentino Leandro Gabiati, diretor da Dominuim Consultoria Política.
Efeitos difusos
A agenda do governo, entretanto, não é tão simples, pois os efeitos econômicos são ainda difusos e dependem dos setores atingidos.
“Caso ocorra uma escalada no conflito com Trump, há risco de aumento de mais tarifas, o que tensiona o mercado brasileiro, criando desvalorização do câmbio e a insegurança”, diz Thiago Vidal, diretor de análise política da Prospectiva. “O efeito imediato é favorável ao governo, mas tudo ainda é imponderável.”
Segundo Vidal, Lula ganhou apoio interno e interno. “A aposta ‘Bolsonaro tributa o Brasil’ tem potencial. No entanto, o impacto da crise sobre a opinião pública pode se dissipar antes das eleições. Um eventual prolongamento da crise, especialmente se acompanhado por efeitos econômicos negativos, pode gerar desgaste e fazer com que a população responsabilize o governo por não ter conseguido dissipar a crise”, diz o cientista político.
Algo comum nas análises é que o governo Lula subestimou os movimentos do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos e acabou surpreendido com a carta de Trump. Desde fevereiro que o parlamentar se licenciou da Câmara sem que a diplomacia brasileira tentasse neutralizar os movimentos do filho de Bolsonaro.
“Não houve uma leitura correta da ação de Eduardo Bolsonaro, independente dos efeitos”, diz Gabiati.