Brasília e São Paulo - Impactos ainda incalculáveis. É o que se pode tirar da decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em aumentar a tarifa dos produtos brasileiros em 50%. O governo Lula começa a processar o tamanho das perdas, mas sabe que o prejuízo será certo. O setor privado também começou a fazer contas.

Em carta a Lula, Trump anunciou que as tarifas entrarão em vigor em 1º de agosto e cita o ex-presidente Jair Bolsonaro logo no primeiro parágrafo do texto: “Conheci e tratei com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros líderes de países”, escreveu Trump ao confirmar as tarifas.

“A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, escreveu Trump.

Apesar de citar Bolsonaro, muitos dos profissionais ouvidos pelo NeoFeed, tanto no meio político, financeiro e empresarial, dizem que o pano de fundo é a recente reunião dos Brics, que ocorreu no Brasil, na qual o presidente Lula propôs, novamente, a criação de uma alternativa ao dólar no comércio entre os países do bloco. O fato é que a medida de Trump pegou todos de surpresa.

E, se até o governo brasileiro foi surpreendido, o que dizer então dos empresários e CEOs das maiores empresas do Brasil? Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer, disse ao NeoFeed que “ainda estava tentando entender os impactos da taxação de 50%”. A fabricante de aeronaves não só é uma grande importadora como também exportadora para os Estados Unidos.

Na conta de um gestor do mercado, o impacto para a Embraer será pesado. O Ebit esperado em 2025 para a fabricante brasileira de aeronaves estava em US$ 650 milhões sem os efeitos da tarifa. Com os 10% indicados inicialmente, o cálculo levava a um impacto de US$ 60 milhões, considerando três de quatro trimestres.

“Mas a tarifa de 50% tem um impacto para a Embraer em dois de quatro trimestres de US$ 308 milhões. No pior cenário, o build-up seria US$ 329 milhões de impacto”, calcula esse gestor.

O CEO de uma grande empresa do setor automotivo conversou com o NeoFeed e separou a ação de Trump em duas partes. A primeira é de que, por enquanto, deve-se ter cautela porque o presidente americano muda de ideia o tempo todo. A segunda é a de que os impactos serão sentidos no médio prazo.

"O meu cliente não vai parar de comprar imediatamente. Mas ele vai reduzir, começar a comprar de outros fornecedores de outros países para mitigar os riscos", diz ele. Não é pouco para a companhia.

Sua empresa exporta mais de R$ 1 bilhão aos EUA. "Isso gera uma grande imprevisibilidade. Vai tirar volume ao longo do tempo. E, mesmo que eu produza em outros países, isso tira receita da operação brasileira." Ou seja, o estrago, aparentemente, está feito.

A economista do Bradesco Myriã Bast fez uma simulação do impacto setorial com os dados da relação de troca comercial entre Brasil e Estados Unidos de 2024. Nas contas da especialista, motores e máquinas não elétricas terão um impacto de US$ 6,2 bilhões, seguido por óleo combustível de petróleo, com US$ 3,9 bilhões, e aeronaves, com US$ 2 bilhões.

Nas contas de Bast, motores e máquinas não elétricas terão um impacto de US$ 6,2 bilhões, seguido por óleo combustível de petróleo, com US$ 3,9 bilhões, e aeronaves, com US$ 2 bilhões.

“Com esse patamar de 50%, o Brasil teria uma perda de US$ 15 bilhões nas exportações. Isso pode gerar uma desvalorização cambial de 6% do real e ainda ter impacto na inflação”, diz a economista do Bradesco, em apresentação a investidores.

“Com essa depreciação cambial, haverá impacto no IPCA. Até aqui, estimávamos 5% ao final deste ano. Agora podemos chegar a 5,4%. Isso mostra uma tendência diferente do que estávamos discutindo nas últimas semanas. Então, isso é um baque”, complementa ela.

Eduardo Molon, sócio e especialista em mercados internacionais da Ável, acredita que essa foi uma jogada de Trump para negociar o que quer e que as tarifas não vão ficar nesse patamar.

“Mas, enquanto ficar, a economia brasileira fica muito menos competitiva na cadeia produtiva e pode desacelerar a economia. O Brasil exporta muito minério de ferro, petróleo e carne”, diz ele.

“O impacto também é a desvalorização do real, o que ajuda a aumentar a inflação e diminuir consumo ao mesmo tempo, desacelerando a economia. O risco Brasil aumenta como um todo, o que deve diminuir investimentos estrangeiros no curto prazo”, complementa Molon.

Christian Keleti, CEO da gestora de ações Alpha Key, acredita que o presidente americano Donald Trump não deve recuar tão fácil da sua decisão, seguindo um jogo semelhante ao que fez com a China. “O impacto não é pequeno, mas está concentrado em pouquíssimos produtos. Na Bolsa, é ruim para algumas empresas. O grande problema é o ruído gerado e quanto tempo isso vai demorar para se resolver”, diz ele.

“Claramente empresas exportadoras para os EUA são as primeiras vítimas, mas é preciso entender como isso vai se seguir ainda, sendo o maior impacto o da instabilidade que está causando entre os mercados, com empresas que queriam investir aqui paralisando”, diz Eduardo Câmara, CIO Jubarte Capital.

Para empresas brasileiras que contam com produção nos Estados Unidos, a medida deve ser positiva. Companhias como Gerdau, que tem 60% de sua receita com produção no mercado americano, e JBS, que também tem cerca de 50% do faturamento vindo de sua operação nos EUA, a notícia – apesar de ruim para o Brasil – pode ser boa para as companhias. Concorrentes diretos delas terão mais dificuldades.

“No caso de papel e celulose, Klabin tem só 2% das receitas com os EUA, então o impacto é neutro. Já a Suzano exporta cerca de 17% para os EUA, o que é relevante. Mas ela é a maior fornecedora de celulose dos EUA, com cerca de 50% do mercado. A empresa pode redirecionar parte do volume, então o impacto pode ser mais moderado do que os números sugerem”, diz Rafael Barcellos, head Latam do mercado de ações de metais e mineração, papel e celulose, e cimento do Bradesco BBI.

Mudança de paradigma

Essa nova tarifa representa uma mudança importante de paradigma. Até ontem, o Brasil era neutro. O objetivo do Trump parecia ser atingir China, México e Canadá, que eram os países com maiores tarifas, além dos países asiáticos, que estavam próximos de 40%.

“O Brasil estava longe desse furacão. Esse patamar de 50% é bastante elevado. E deve impactar os setores exportadores, principalmente o agronegócio, que é o principal que temos”, diz Marcela Kawauti, economista-chefe da Lifetime Investimentos, ao NeoFeed.

Para uma gestor de investimentos, que preferiu não se identificar, a tarifa aplicada ao Brasil é “menos grave que a aplicada à China anteriormente”, com impacto no PIB estimado de 3%, pelos seus cálculos. Por outro lado, esse mesmo fator pode levar à demora na resolução do conflito.

Com relação ao impacto na economia brasileira, Kawauti recomenda cautela. É difícil estimar porque vai depender da antecipação da importação e do efeito de substituição dos produtos, algo mais complexo no agronegócio.

“Esse impacto é difícil de medir porque tem o efeito substituição, que é muito difícil no agronegócio. Quando a gente fala de fábricas, ainda que não trivial, você muda de um lado para outro. Mas o agronegócio e a indústria extrativa, que são importantes do Brasil, não é tão fácil achar substituto”, diz ela.

Um dos grandes exportadores para os Estados Unidos é o setor de café. E não vai ser tão fácil para os Estados Unidos deixar o Brasil de lado. Afinal, o País é o maior produtor mundial. “Podem até buscar na África ou Colômbia, mas não acredito que vai suprir a demanda deles”, diz Aurélio Pavinatto, CEO da SLC Agrícola, ao NeoFeed. “Nesse caso, o café vai ficar mais caro para os americanos, gerando inflação lá.”

Movimentação em Brasília

Lula convocou uma reunião às pressas no Planalto, mas antes mesmo da confirmação de que os Estados Unidos taxariam em 50% os produtos brasileiros, o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, disse que o aumento da tarifa era injusto.

Diante da ameaça de Trump, o governo Lula já começava a calcular os prejuízos. E por isso a declaração direta de Alckmin, que acabou servindo de resposta oficial do governo sobre a medida do norte-americano.

“Eu não vejo nenhuma razão para aumento de tarifa em relação ao Brasil. O Brasil não é problema para os EUA, é importante sempre reiterar”, disse Alckmin durante uma conversa com jornalistas, da qual o NeoFeed participou, antes da oficialização do anúncio de Trump.

“Os EUA realmente têm um déficit de balança comercial, mas com o Brasil têm superávit. Dos 10 produtos que eles mais exportam para nós, oito têm alíquota zero, não pagam imposto”, disse Alckmin.

Sobre a referência a Bolsonaro na carta de Trump, Alckmin disse que o presidente dos EUA está desinformado sobre Bolsonaro.

"Lula ficou preso quase dois anos e ninguém questionou. A prisão ou não do ex-presidente é assunto interno do Poder Judiciário”, disse o vice-presidente.

Em nota assinada pelo presidente Lula, o governo brasileiro disse que "qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica".

E a nota acrescenta que "O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais".

"É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos", assina o texto o presidente Lula.

“Claramente o governo Trump vai enfrentar o governo Lula. É muito forte a conexão entre as tarifas e a política. [A taxação] pegou o mercado fechado então pode piorar um pouco mais”, diz Glauco Cavalcanti, sócio-fundador e CEO da BLP Capital e OBY Capital. O Ibovespa fechou o pregão em queda de 1,31%, aos 137.480 pontos, e o dólar subiu 1,06%, aos R$ 5,50.

(Colaboraram Letycia Cardoso, Patricia Valle, Marcio Kroehn e Sérgio Vieira)