Brasília - Entre fevereiro de 2023 e junho deste ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e agentes financeiros parceiros vetaram R$ 839 milhões de créditos a projetos que apresentaram algum risco de impacto ambiental.

As cifras são citadas por Maria Fernanda Coelho, presidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), como exemplo da necessidade de vincular investimentos a projetos sustentáveis no País.

“É algo que precisa ser avaliado em todos os momentos, em todos os projetos”, diz Coelho, em entrevista ao NeoFeed. “A COP reforça o vínculo entre investimentos e projetos sustentáveis.”

A ABDE se prepara para apresentar uma série de painéis na COP 30, em Belém, em novembro deste ano. Coelho, que também é diretora de crédito digital do BNDES e ex-presidente da Caixa Econômica Federal, explica quais os mecanismos e a importância de avaliar os investimentos em projetos sustentáveis.

Ao todo, em 30 meses, o BNDES recebeu 358,9 mil solicitações, sendo que 7,2 mil receberam alertas de impactos e 3,1 mil foram efetivamente negadas depois da análise completa.

“O sistema de fomento deve estar envolvido no enfrentamento aos impactos, até porque nas tragédias ambientais esse sistema é o primeiro a ser demandado na reconstrução”, diz ela ao lembrar das enchentes no Rio Grande do Sul no ano passado e os desastres de Mariana e Brumadinho.

A ABDE reúne 34 instituições financeiras públicas e privadas voltadas ao fomento, o que inclui bancos de desenvolvimento e subnacionais. Ao todo, essas entidades representam 45% de toda a demanda de crédito no Brasil. A associação tem foco em desenvolvimento regional, infraestrutura e inovação.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Quais os desafios que o sistema de fomento e crédito enfrenta ao considerar impactos ambientais de empreendimentos no País às vésperas da COP 30?
Ao pensar no Sistema Nacional de Fomento, você tem uma grande mobilização, uma estratégia que vem sendo construída não é de agora, principalmente relacionada ao Fundo Clima. Um grande debate sobre investimentos e riscos ambientais. É o caso do Fórum de Sustentabilidade das instituições do sistema de fomento. Ou seja, cada uma das instituições federais, cooperativas de crédito bancos estaduais de desenvolvimento, fintechs vai prestar contas das ações que estão sendo desenvolvidas para os diversos biomas, para as diversas iniciativas, sejam de transição energética ou de operação em áreas degradadas, máquinas e equipamentos adequados, os sistemas de prevenção e monitoramento para os eventos extremos. Um outro é uma proposta de um painel sobre finanças climáticas e adaptação das cidades.

Como funciona isso, no caso das finanças climáticas?
A gente quer uma parceria com a Alide (Latin American Association of Development Financing Institutions), considerando a discussão sobre a organização do Tratado de Cooperação da Amazônica. É um painel internacional, onde você vai ter CAF e todas as instituições que operam na América Latina e no Caribe.

Vale tanto para o debate privado como público?
A gente vai debater como o sistema está se preparando para financiar a transição energética, o desmatamento zero, quais são as ações de recuperação de áreas degradadas, como o sistema olha para o contexto de um aumento de temperatura de um grau e meio e como responder a isso. Se responde a isso na relação com o setor privado, na relação com estados e municípios e com os governos federais. Como é que a gente, em termos de estruturas de desenvolvimento e de financiamento, pode vir a dar uma resposta em projetos e ações que miram cumprir as metas repactuadas ou pactuadas na COP 30. A gente tem trabalhado muito também no Mais Inovação, buscando soluções que incluam pesquisa e desenvolvimento para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

E o Brasil está preparado?
O Brasil tem uma grande contribuição, a gente já tem uma matriz energética limpa mas também tecnológica que consegue dar respostas adequadas à necessidade que as mudanças climáticas estão gerando, além dos próprios financiamentos adequados.

Como funciona isso do ponto de vista da inovação?
Estamos estruturando um edital no âmbito da Nova Indústria Brasil que tem a mesma perspectiva que você tem pensando na COP. É o caso dos data centers verdes, com o uso de energia renovável, eficiência energética e reaproveitamento de calor. O crédito hoje é indissociável dos impactos ambientais decorrentes desse crédito.

Quais são os números?
De fevereiro de 2023 para cá a gente teve 358.908 solicitações de crédito. Dessas, 31 mil foram bloqueadas por não se adequar, que apresentam riscos ambientais, um bloqueio de R$ 839 milhões. Então o próprio sistema está envolvido com a questão do enfrentamento ao sistema, porque ele é o primeiro a ser demandado para poder dar uma resposta de reconstrução.

Sem a presença dos EUA, a COP 30 não corre o risco de esvaziamento?
Eu penso que o tema dos eventos climáticos, de eventos extremos, têm um tempo muito superior ao tempo dos mandatos dos principais das principais lideranças mundiais. O tema da COP supera em muito essa temporalidade dos mandatos. A ausência é conjuntural, mas o resultado da COP é estruturante, de longo prazo.