Startups que oferecem infraestrutura para inteligência artificial estão recorrendo a empréstimos bilionários garantidos por chips da Nvidia para acelerar sua expansão.
A estratégia, revelada pelo The Information, tem sido adotada por diversas empresas do setor e foi inicialmente popularizada pela CoreWeave, que se tornou referência ao levantar US$ 9,9 bilhões em financiamentos usando seus estoques de GPUs como garantia.
A nova protagonista desse movimento é a Fluidstack, startup de computação em nuvem sediada em Londres. De acordo com o The Information, a empresa obteve aprovação da Macquarie e de outros credores para tomar mais de US$ 10 bilhões emprestados com base em seus investimentos em chips de IA da Nvidia.
Fundada em 2017, a Fluidstack começou como uma provedora de serviços básicos de computação e, atualmente, aluga acesso a GPUs para empresas de inteligência artificial. Entre seus clientes estão a francesa Mistral AI e a alemã Black Forest Labs. A empresa também fechou um acordo com o governo francês para construir um data center com capacidade de 1 gigawatt.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a Fluidstack gerou apenas US$ 65 milhões em receita em 2024, mas espera superar US$ 400 milhões neste ano.
A startup já anunciou publicamente o financiamento com a Macquarie, mas os valores e o envolvimento de outros bancos, como Goldman Sachs e J.P. Morgan Chase, ainda não tinham sido revelados.
O apetite dos fundos por esse tipo de dívida vem crescendo. Os fundos de crédito privado cresceram quase dez vezes na última década, para mais de US$ 2 trilhões. O interesse cada vez maior em startups de infraestrutura de IA é devido ao crescimento acelerado delas e à previsibilidade de receita gerada por contratos de longo prazo com clientes.
A dúvida dos credores, porém, é sobre o tempo de vida útil dos chips da Nvidia. Eles seriam como carros, que se desvalorizam só de sair da concessionária, ou como imóveis, que têm uma vida útil mais longa e grande potencial de valorização?
A CoreWeave estima que as GPUs mantenham valor por até seis anos, mas analistas e concorrentes consideram esse prazo otimista. O encurtamento dos ciclos de desenvolvimento da própria Nvidia, que tem lançado novos chips com maior frequência, também aumenta o risco de obsolescência. Mesmo assim, o crédito segue fluindo.
O The Information destaca que empresas como a Blue Owl Capital estão confortáveis em conceder empréstimos com base nesses ativos, sob a justificativa de que o mercado de IA exigirá financiamento massivo para aquisição de GPUs. Kurt Tenenbaum, diretor sênior da Blue Owl, estima que até 75% do capital investido na construção de negócios de nuvem de IA será destinado à compra de chips.
Os empréstimos, no entanto, vêm com juros elevados, na casa dos 10% a 14% — mais do que grande parte do mercado de títulos de alto rendimento exige.
No caso da CoreWeave, os financiamentos com Blackstone e Magnetar Capital foram contratados com taxas de 10,5% e 14,1%. Ainda assim, a abertura de capital da empresa foi bem-sucedida. As ações subiram cerca de 300% desde o IPO ajudadas pelo fato de a Microsoft ter se comprometido a investir US$ 10 bilhões na companhia até o fim da década.
Em busca de condições mais vantajosas, a CoreWeave passou a captar recursos por outros caminhos. Em maio, levantou US$ 2 bilhões por meio de uma emissão de títulos de alto rendimento com juros de 9,25%, com parte dos recursos sendo destinada a pagar dívidas anteriores. E, no início de julho, anunciou a aquisição da operadora de data centers Core Scientific por US$ 9 bilhões. A compra deve permitir que a empresa tenha acesso a linhas de crédito mais baratas voltadas à infraestrutura.
O CEO da Fluidstack, Gary Wu, afirmou que a escolha por usar chips como garantia veio da necessidade de levantar grandes volumes de capital sem diluir excessivamente a participação dos fundadores. Segundo ele, outras opções de financiamento não oferecem a mesma escalabilidade. A startup também considera construir seus próprios data centers, mas ainda não tomou essa decisão.
A estratégia da Fluidstack inspira outras startups do setor, as quais têm tentado, inclusive, obter empréstimos usando chips de outras marcas como garantia.
A TensorWave, que aluga chips da AMD para empresas de IA, está em busca de empréstimos garantidos por esse tipo de hardware, o que seria uma das primeiras operações do tipo com chips da AMD. Em maio, a empresa levantou US$ 100 milhões em capital de risco liderado pela AMD Ventures e pela Magnetar.
A infraestrutura para inteligência artificial está sendo construída com grandes volumes de dívida, muitas vezes lastreados em chips de altíssimo valor. Enquanto os retornos da IA seguirem em alta, o modelo pode continuar viável. Mas, se o ritmo de crescimento desacelerar ou os chips perderem valor mais rapidamente, essas empresas podem enfrentar riscos financeiros relevantes.