No fim de fevereiro, quando o coronavírus iniciou sua escalada global, as companhias aéreas foram as primeiras a sentir os impactos do surto. Com a mesma velocidade que seus aviões costumam cruzar os ares, essas empresas viram suas malhas internacionais e domésticas serem drasticamente reduzidas. E suas ações liderarem as quedas nas bolsas de valores em todo o mundo, despertando sérias dúvidas quanto à sobrevivência dessas operações.
Uma das poucas representantes de porte do mercado brasileiro no setor, a Gol não ficou imune nesse cenário. Desde o início da crise, os papéis da empresa, por exemplo, acumulam uma desvalorização de mais de 57%.
Diante desse cenário, nesta segunda-feira, ao divulgar o seu balanço não-auditado referente ao primeiro trimestre de 2020, a companhia aérea procurou acalmar os ânimos do mercado ao destacar, em particular, as ações que têm tomado para preservar o caixa, a liquidez e o futuro de sua operação.
“O que temos hoje de posição de liquidez, que é robusta, nos permite navegar em um horizonte de 90 dias e ter uma visibilidade do que teríamos de caixa até o fim do ano”, afirmou Paulo Kakinoff, CEO da Gol, em teleconferência com analistas.
No balanço, entre outros fatores, a Gol observou que encerrou o trimestre com uma liquidez total de R$ 4,2 bilhões, sendo R$ 3 bilhões em caixa e R$ 1,2 bilhão em recebíveis. E destacou que tem à disposição cerca de R$ 7 bilhões em fontes de liquidez, montante que inclui, por exemplo, valores financiáveis até R$ 1,7 bilhão em depósitos em garantia, reservas de manutenção e despesas pré-pagas.
A Gol não leva em consideração nessa conta o pacote de socorro ao setor de aviação que está sendo estruturado pelo BNDES em parceria com os bancos privados. Previsto para ser anunciado neste mês, o programa incluiria, a princípio, uma linha de até R$ 3 bilhões de financiamento por empresa.
“Estamos trabalhando para que a utilização de linhas de crédito adicionais ao que já temos de liquidez não seja necessária”, disse Kakinoff. Segundo o executivo, mesmo que o pacote traga condições atrativas, a Gol não vai necessariamente acessá-lo, seja em parte ou na sua totalidade.
Ele afirmou, no entanto, que não faz sentido ficar construindo cenários, especialmente pelo fato de que os termos do programa ainda não estão definidos. “E tudo depende da intensidade e da duração da crise, que nesse momento, ninguém consegue prever”, acrescentou.
Para atravessar essa turbulência, a Gol vem adotando medidas para readequar e preservar sua operação desde o avanço da crise. Em meados de março, a companhia reduziu seus voos entre 50% e 60% no mercado interno e entre 90% e 95% em sua malha internacional. Poucos dias depois, a rede interna foi reajustada de 800 voos para 50 voos diários, enquanto as rotas para o exterior foram suspensas.
“A partir do fim de maio, vamos acrescentar 20 voos a essa base doméstica que está operando nesse momento”, disse Kakinoff, que afirmou esperar ajustes incrementais, na casa de dezenas de voos para o mês de junho. “Só em julho deveremos ter um crescimento mais significativo dessa malha.”
“Estamos trabalhando para que a utilização de linhas de crédito adicionais ao que já temos de liquidez não seja necessária”, diz Paulo Kakinoff, CEO da Gol
A projeção vai ao encontro da estimativa feita por John Rodgerson, CEO da Azul, que também prevê para julho um reaquecimento, de fato, na malha doméstica. “Esperamos voltar para 900 voos diários em julho”, disse o executivo, em entrevista concedida ao NeoFeed, no início de abril.
Até que esse cenário se confirme, a Gol descarta praticar qualquer estratégia de redução nas tarifas para impulsionar as vendas de passagens para a retomada. “Não queremos que qualquer medida signifique um arrasto brutal nesse retorno”, afirmou Kakinoff. “E, de qualquer forma, uma viagem não parece ser a decisão que muita gente vá tomar nesse momento, mesmo com tarifas muito incentivadas.”
Outras iniciativas
Além da redução na capacidade, a Gol adotou outras medidas para preservar o caixa, diante de um cenário que inclui, além da Covid-19, fatores agravantes, como a alta do dólar, em um setor cujos custos são atrelados à moeda americana.
As ações incluíram, por exemplo, a conclusão de uma operação de venda e devolução de 11 aeronaves 737 NG, da Boeing, o que trouxe uma redução na dívida líquida de R$ 619,2 milhões, composta por uma diminuição de R$ 148,7 milhões no endividamento e pelo acréscimo de R$ 448,5 milhões na liquidez de caixa.
Parte desses recursos foi usada no resgate antecipado de senior notes com vencimento em 2022, no valor de R$ 426,6 milhões. No trimestre, a Gol também realizou o pagamento de dívidas principais e juros de dívidas e arrendamento no total de R$ 1,2 bilhão.
Na área de recursos humanos, a empresa adotou políticas em linha com a readequação da malha, o que incluiu ações com a redução de 50% nos salários de gerentes e diretores, e de 60% nos vencimentos de Kakinoff e dos vice-presidentes.
O pacote passou ainda por frentes como a renegociação com arrendadores de aeronaves e motores e a postergação de pagamentos entre 3 e 6 meses. Já entre os fornecedores de combustíveis, os prazos foram adiados para agosto de 2020, de forma parcelada.
Ao mesmo tempo, a empresa suspendeu todos os investimentos e aportes em projetos não essenciais por um prazo de 180 dias. Com essas e outras iniciativas, a Gol estima uma economia de cerca de R$ 2,4 bilhões no ano.
No contexto dessas políticas, o balanço não-auditado da Gol trouxe um prejuízo de R$ 2,29 bilhões no trimestre, ante uma perda de R$ 32,3 milhões em igual período, um ano antes. A companhia atribuiu o número a variações cambiais. Entre janeiro e março, a receita líquida da companhia caiu 2%, para R$ 3,15 bilhões.
No primeiro trimestre, a Gol reportou um prejuízo de R$ 2,29 bilhões e uma queda de 2% na receita líquida, para R$ 3,15 bilhões
A companhia destacou outros indicadores no trimestre. A porcentagem dos custos e despesas operacionais na receita líquida recuaram para 67,4%, contra 84,2% um ano antes, enquanto a geração de caixa operacional foi de R$ 1,1 bilhão. Entre os indicadores operacionais, a empresa transportou 8,3 milhões de passageiros, queda de 6,7%.
No mercado de capitais, a resposta a esses números não foi positiva. Pela manhã e no início da tarde, os papéis da companhia operavam em queda de mais de 11%. E encerraram o pregão negociados a R$ 11,15, o que representou um recuo de 10,08%.
Em relatório, o BTG Pactual destacou, no entanto, os fortes resultados operacionais no trimestre, com indicadores acima da estimativas, entre eles, a receita líquida. E ressaltou que a empresa está pronta para o “segundo trimestre selvagem” à frente.
“Apesar da pouca visibilidade sobre a recuperação da demanda, vemos a Gol tomando todas as medidas necessárias para manter uma posição saudável do balanço e preservar a lucratividade futura”, escreveu o analista Lucas Marquiori.
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