O anúncio da assinatura de um memorando de entendimento (MoU) não vinculante para a fusão entre Azul e Gol, oficializado na noite da quarta-feira, 15 de janeiro, não pegou ninguém de surpresa.
As duas companhias, ambas em dificuldade - a Azul com alto endividamento e a Gol em recuperação judicial -, já vinham conversando há quase um ano sobre uma união de forças.
As empresas decidiram acelerar o andamento das tratativas porque a Gol, controlada pela Abra Group, que tem a família Constantino como principal acionista, deve sair da RJ dentro de quatro meses e, enquanto isso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) já poderiam ir analisando o mérito do negócio.
Outro ponto que fez as conversas andarem mais rápido foi a disparada do câmbio. “Trabalhamos com produto importado e esse câmbio a mais de R$ 6,00 dificulta a situação das empresas”, diz John Rodgerson, o CEO da Azul, ao NeoFeed.
Se operação for concluída e aprovada pelos órgãos reguladores, a junção das duas companhias dá origem a uma gigante com mais de 300 aeronaves, faturamento combinado de R$ 25,3 bilhões de janeiro a setembro de 2024 e 60,3% do mercado nacional, desbancando da liderança a Latam, que tem 39,4%
“Essa fusão faz todo o sentido e não queríamos perder o timing”, diz Rodgerson. Indagado sobre a alta concentração e as chances de o negócio não ser aprovado, o executivo diz que “uma companhia mais forte faz o mercado crescer.”
Ele defende que em outros países a concentração é maior ainda. Rodgerson cita o Canadá com uma companhia que domina 70% do mercado, a Alemanha com uma empresa dona de mais de 80% e dá outros exemplos como os da França e do Chile.
Indagado sobre uma possível – e provável – reação da Latam junto ao Cade, ele afirma que a Latam não “deveria reclamar”. “A Latam já tentou se unir conosco e ela também não pode reclamar de concentração quando ela tem mais de 70% do mercado chileno, mais de 60% no Peru.”
O racional do executivo para dizer que uma companhia mais forte é boa para o mercado é que uma empresa grande tem mais força para comprar aeronaves e insumos. Além de um custo de capital menor. “Nossos concorrentes são internacionais”, afirma ele.
Outra alegação é a de que “uma companhia mais forte abrirá espaço para mais rotas”. “Azul e Gol são complementares. Vamos criar hubs no Norte e Nordeste do País, voos internacionais de lá, vamos aumentar o número de cidades cobertas”, afirma Rodgerson. Isso, aliás, é música para os ouvidos do governo federal, sobretudo para o presidente Lula.
Pelo assinado no MoU, a nova companhia continuará operando com marcas separadas e nos primeiros três anos de operação ela terá um chairman indicado pela Abra e um CEO indicado pela Azul. O conselho de administração terá três indicados pela Abra, três pela Azul e outros três independentes.
Rodgerson diz que a ideia é que a divisão seja de 50% para cada companhia. “Não haverá vencedor e perdedor. Vamos fazer tudo igual.” A empresa terá ações no Novo Mercado da B3 e na Bolsa de Nova York.
Tudo isso será feito mediante novas capitalizações e depende também que a Abra Group, que tem a família Constantino com principal acionista, emerja mais forte da RJ. Nas próximas semanas, a Azul vai converter dívidas de US$ 1 bilhão em equity e está captando mais US$ 500 milhões no mercado.
Até quarta-feira, 15 de janeiro, o valor de mercado da Azul era de R$ 1,48 bilhão, com ação em queda de 65,8% em 12 meses na bolsa brasileira. Já o valor de mercado da Gol era de R$ 685,3 milhões, com a ação em queda de 76,4% em 12 meses.
Se esse deal entre as duas empresas, de fato, sair, Rodgerson acredita que atrairá novos investidores internacionais. Mas há uma poison pill para terceiros que pretendam avançar com muita vontade sobre a companhia.
“Os acionistas da Azul e a Abra Group farão com que a Companhia Combinada altere seu estatuto para incluir uma cláusula exigindo que qualquer terceiro (ou grupo de terceiros) que adquira 15% ou mais das ações com direito a voto da Companhia Combinada deva lançar uma oferta pública para adquirir 100% das ações da Companhia Combinada”, diz o comunicado publicado na CVM.