Três décadas após decepcionar fãs, despertar a ira da crítica e virar alvo de piadas, “O Poderoso Chefão III” finalmente ganha uma versão à altura da trilogia. Pelo menos é nisso que aposta o seu diretor, Francis Ford Coppola.
Desde quinta-feira, 3 de dezembro, nas telas brasileiras, a conclusão da saga da família Corleone foi reeditada, restaurada e rebatizada. Tudo para deixar o filme, agora intitulado “O Poderoso Chefão - Desfecho: A Morte de Michael Corleone”, com a trama mais coesa e um final mais apropriado para a franquia, que foi um marco na história do cinema, sobretudo por consagrar a figura do mafioso.
“Não se trata de um título novo, mas sim do original”, disse Coppola, no seu vídeo de apresentação da nova montagem, exibido durante a CCXP, a Comic Con Experience. A convenção brasileira dedicada à cultura pop, realizada digitalmente este ano devido à pandemia, termina neste domingo, 6 de dezembro.
“Quando Mario Puzo e eu escrevemos o terceiro filme, ‘The Godfather Coda: The Death of Michael Corleone’ foi o título que escolhemos”, garantiu o cineasta. “Em termos musicais, ‘coda’ é uma espécie de recapitulação, um resumo, o que foi a nossa intenção aqui”, completou ele, deixando claro que a ideia nunca foi desenvolver necessariamente uma terceira parte.
Apesar de tardia, a nova montagem chega para revigorar a produção, concebida originalmente mais como uma “revisita” aos personagens. Talvez o título imposto pelo estúdio Paramount Pictures, “O Poderoso Chefão III”, sugerindo uma continuação nos moldes tradicionais, tenha criado falsas expectativas.
Isso explicaria, em parte, a fria recepção ao terceiro filme, sempre apontado como o mais fraco da trilogia. A narrativa de uma recapitulação acabou decepcionando pelo seu desenrolar mais irregular, longe do ritmo progressivo dos dois longas anteriores.
“Agora vocês verão um filme com um começo e um final diferentes. Muitas cenas foram reposicionadas, o que dá uma nova vida ao longa-metragem e ajuda a entender melhor o que os dois antecessores significaram”, contou Coppola.
As mudanças foram feitas justamente na esperança de que a crítica especializada e os fãs reavaliem o final da franquia. Na época de seu lançamento nos EUA, em 25 de dezembro de 1990, a terceira parte da história sofreu vários ataques. Alguns deles, impiedosos, como o de Pauline Kael, que chamou a produção de “humilhação pública”, na revista “The New Yorker”.
As principais críticas se referiam ao roteiro confuso e ao fato de o filme não funcionar como uma obra autônoma (exigindo que o público tivesse visto as duas primeiras produções). A atuação da filha do diretor, Sofia Coppola, que assumiu o papel de Mary Corleone às pressas, após a desistência de Winona Ryder, também foi massacrada pela crítica.
Outro problema foi o personagem Vincent Mancini (Andy Garcia), filho ilegítimo de Sonny Corleone, ter sumido da trama, sem ganhar um arco adequado. Afinal, a sua rivalidade com Joey Zasa (Joe Mantegna) foi um dos aspectos que melhor funcionou no filme.
“Vincent, o meu personagem, agora é apresentado antes, já que a linha do tempo de Michael (Al Pacino) tem uma narrativa mais limpa”, contou Andy Garcia, que participou de painel sobre a produção durante a CCXP, com cobertura do NeoFeed.
O ator se referiu aqui ao fato de a nova versão dispensar os flashbacks da morte de Fredo Corleone (John Cazale) em “O Poderoso Chefão II” na abertura. Agora, o roteiro entra logo de cara no que realmente interessa. Ou seja, no conflito principal: a associação dos Corleone com o Vaticano e a corrupção na Igreja.
No lugar de esperar 40 minutos, como acontecia no filme lançado em 1990, a nova montagem já abre com o encontro de Michael com o Arcebispo Gilday (Donal Donnelly), o chefe do banco do Vaticano, o que leva a uma troca de favores, sacramentada no investimento da família Corleone em empreendimento com a Igreja.
“Ficou muito mais claro agora o acordo imobiliário com o Vaticano, assim como o dilema que Michael enfrenta”, disse Garcia, lembrando que o mafioso tenta sem sucesso deixar a vida de crimes.
Garcia destaca que uma das cenas de seu personagem foi cortada para aumentar o impacto do assassinato de Joey Zasa. “Não vemos mais Connie, interpretada por Talia Shire, dando a ordem, dentro da igreja, para que Vincent mate Joey, o que acrescenta um elemento de surpresa”, afirmou o ator.
Indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo seu desempenho como o mafioso aqui, Garcia atribui os problemas do filme à “pressão” sofrida por Coppola 30 ano atrás. “O que descobri ao longo do processo foi que, com o lançamento da produção previsto para o Natal de 1990, Francis não teve tempo suficiente para organizá-la do jeito que queria”, comentou.
Coppola ter revisitado a obra é um sinal, para o ator, de que o cineasta teve de se submeter à Paramount Pictures, com decisões que “fugiram ao seu controle”. “Só o fato de o estúdio ter insistido para que o título fosse ‘O Poderoso Chefão 3’ já sugere que eles queriam mesmo a parte 4, 5, 6, 7...”, brincou o ator.