Cabernet sauvignon e merlot são as uvas mais conhecidas de Bordeaux. Junto com a cabernet franc e a petit verdot, principalmente, e também a malbec e a carmenère, elas formam o que é chamado de corte bordalês. É assim desde que Bordeaux brilha como a terra de um dos melhores, mais caros e mais longevos vinhos europeus.

No já distante ano de 1855, por exemplo, foram os vinhos elaborados com cabernet sauvignon, principalmente, com merlot e com menores porcentagens das demais uvas que foram classificados como Premier Grand Cru Classé, um título cobiçado até hoje e ostentado por ícones como Mouton Rothschild, Lafite, Margaux, Latour e Haut-Brion.

Mas nada é imutável no mundo do vinho. As clássicas uvas bordalesas estão ganhando a companhia de seis novas variedades e, acreditem, nem todas são de origem francesa – algo impensável para os mais apegados às tradições.

Nesse início de ano, o INAO, o Institut National de l'Origine et de la Qualité, que coordena as denominações de origem, autorizou o plantio das tintas arinarnoa, que é um cruzamento da cabernet sauvignon com a tannat; castets, variedade histórica de Bordeaux; touriga nacional, originária do Dão, em Portugal; e marselan, resultado do cruzamento da cabernet sauvignon com a grenache.

Nas brancas, entraram a liliorila, cruzamento da baroque com a chardonnay, e a alvarinho, da região de vinhos verdes, em Portugal, e da Galícia, na Espanha. Sémillon, sauvignon blanc, sauvignon gris, muscadelle, colombard, ugni blanc, merlot blanc e mauzac eram as variedades brancas até então permitidas em Bordeaux.

As novas variedades foram escolhidas pela sua resistência aos efeitos da chamada mudança climática. No vinhedo, o calor em excesso faz as uvas concentrarem mais açucares e perderem sua acidez. As geadas e as chuvas fora de época reduzem a produção e trazem doenças ao vinhedo.

Assim as variedades escolhidas são uvas com capacidade de manter a acidez, mesmo com o calor, o que para um leigo pode ser traduzido como o frescor do vinho. Elas também têm boa adaptação ao estresse hídrico e, não raro, têm maturação mais tardia, escapando das geadas da primavera.

A arinarnoa, por exemplo, amadurece com baixa produção de açúcar e boa acidez. A touriga nacional, por sua vez, é uma variedade tardia, menos exposta às geadas da primavera, como explica o site do Sindicato por produtores de Bordeaux e de Bordeaux Supérieur (Syndicat des AOC Bordeaux et Bordeaux Supérieur).

As variedades podem ser cultivadas em apenas 5% dos vinhedos de cada propriedade e podem entrar em até 10% do blend

As novas regras valem já para essa safra. As variedades podem ser cultivadas em apenas 5% dos vinhedos de cada propriedade e podem entrar em até 10% do blend. Seus vinhos, vinificados separadamente, devem ser enviados para análise, e os nomes das variedades não podem aparecer no rótulo.

As novas variedades ainda não podem ser utilizadas por todos os produtores. Vale apenas para os vinhos classificados como AOC Bordeaux e Bordeaux Supérieur, conhecidos como Bordeaux genéricos. Nos Premier Grand Cru Classé, nem pensar.

A análise das novas variedades começou há uma década. Desde o início, foram estudadas 52 uvas, vindas do sul da França, de Portugal e da Grécia, que são regiões mais quentes. Em 2019, sete variedades foram selecionadas e, agora, o INAO oficializou as seis permitidas.

De acordo com o sindicato, essas uvas, utilizadas em pequenas quantidades, não devem mudar o perfil dos vinhos genéricos de Bordeaux. Mas isso só o tempo dirá.