A 190 quilômetros de São Paulo, em meio à serra da Mantiqueira, uma cidadezinha está se transformando em "sucursal" da Faria Lima. Espírito Santo do Pinhal, ou Pinhal para os “íntimos", vem atraindo um número cada vez maior de empresários, investidores e executivos C-level para seu planalto de campos levemente ondulados.
Região tradicionalmente cafeeira, nos últimos anos, Pinhal se firmou como destino também para os amantes de vinhos, de dentro e fora do País. Nesse movimento, muitos "faria limers" decidiram, eles próprios, cultivar suas uvas e produzir sua bebida.
Tudo começou no início dos anos 2000, quando a família Gaspari identificou nas terras altas de Pinhal as condições perfeitas para a viticultura — um terroir que não deixaria nada a desejar às plantações europeias. Assim nasceu, em 2006, a Vinícola Gaspari.
Deu certo. Hoje, com 50 hectares de vinhedos, a marca já recebeu diversos prêmios — entre eles, o Decanter World Wine Awards 2024, o Oscar dos vinhos.
Aos poucos, os olhares começaram a se voltar para Pinhal. Atualmente, pelo menos, 39 projetos de vinícolas estão em andamento, a um raio de 50 quilômetros do centro do município. Nas últimas duas décadas, foram investidos na região R$ 530 milhões — apenas em 2024, o turismo movimentou R$ 25 milhões.
A cidade prosperou, ganhou o apelido de "Serra dos Encontros" e entrou definitivamente para a rotas dos melhores vinhos brasileiros.
Uma grata surpresa
Sérgio Batista, ex-vice-presidente comercial da Mastercard, descobriu Pinhal “sem querer”. Após anos fazendo enoturismo pelo mundo ao lado da esposa, Luciana Guimarães, ele decidiu participar de uma degustação às cegas, no qual precisava acertar a uva, a safra e a região de cada vinho apresentado.
“Eram seis vinhos e eu acertei cinco deles. No que errei, eu tinha certeza que era um vinho da uva Syrah, feito na França”, conta Batista, ao NeoFeed. “Porém, para a minha surpresa, era um Syrah da Gaspari, feito no Brasil. E o vinho era espetacular”.
A degustação aconteceu em uma quarta-feira à noite. No sábado, o casal já estava em Pinhal para conhecer a região. Ao provar outros vinhos da cidade, ele se animou com a qualidade dos produtos, comparável aos rótulos que ele estava acostumado a consumir na Europa, e , em 2021, comprou um terreno na cidade. Agora, Batista é o orgulhoso proprietário da Vinícola Merum.
A ideia inicial era fazer um “vinho de garagem”. Porém, ao ver o tamanho do investimento privado que estava sendo feito na região, ele decidiu aportar mais capital para o projeto, abrindo um wine bar, de 12 mil metros quadrados, e criando experiências de turismo.
Depois de sair da Mastercard, ele, muito provavelmente, receberia novas propostas para continuar no mundo corporativo. "Mas, eu estava chegando aos 50 anos e aquela não era mais a vida que eu queria", lembra. "Ao entrar de cabeça na Merum, percebi que esse era o meu lugar.”
Desde maio de 2023, ele está 100% dedicado à vinícola. Aprendeu sobre uvas, videiras e produção de vinhos e hoje a Merum conta com dois rótulos de espumante e lançará, em breve, sua primeira safra de branco e tinto. A bebida é comercializada em Pinhal e na plataforma de e-commerce da marca. “E eu não acreditava no potencial do vinho brasileiro", diz Batista.
Para além da bebida
Também se encantaram por Pinhal a oncologista Ana Paula Eckert e o marido, o suíço Patrick Eckert, ex-CEO da Roche no Brasil e atual presidente da GSK no País. O casal rodou o mundo, em cargos executivos — Estocolmo, Dubai e, por fim, em Palo Alto.
“Nessas mudanças, nós começamos a perceber as coisas boas e ruins que temos no nosso país, além de entender o que é efetivamente importante e relevante para a nossa vida”, afirma Ana Paula, em conversa com o NeoFeed. “Durante a pandemia, procurávamos um espaço ao ar livre para enfrentar o isolamento social, e por meio de amigos, descobrimos Espírito Santo do Pinhal e nos apaixonamos.” Eles queriam apenas uma vida mais sustentável. Produzir vinhos não estava em seus planos.
“Nós não largamos o mundo corporativo para investir no vinho, tanto que o Patrick continua trabalhando ativamente, só que hoje na GSK", diz ela. "Foi um processo de construção de, aos poucos, deixar de lado esse mundo e entrar cada vez mais na rotina da vinícola.” E Pinhal foi perfeita, "uma pequena cidade grande", como o casal costuma definir.
Ana e Patrick são donos, junto a outros sócios, da vinícola Les Amis. Nos 2,5 hectares da propriedade, eles plantam as variedades Sauvignon e Syrah. Os vinhos produzidos por lá só são vendidos por meio de parceiros locais, como restaurantes e hotéis.
O projeto é apenas o início de uma porção de ideias que os dois têm sobre como ampliar o desenvolvimento da região de forma integral. Ana Paula sonha em trabalhar com economia circular e criar uma escola agrícola para os moradores locais são apenas algumas das ambições dos Eckert para a região.
"Eu vejo milhões de oportunidades em Pinhal e acredito que a cidade ainda é muito mal aproveitada no que diz respeito ao seu entorno, algo que pretendemos mudar”, conta ela.
O sonho de viver na roça
Um dos restaurantes no qual os vinhos da Les Amis é vendido é o Rancho Churrascada, um spin-off da Fazenda Churrascada, badalado restaurante de carnes, com unidades em São Paulo e Campinas.
O projeto foi levado a Pinhal pelo sócio do negócio original, Felipe Aversa, que se uniu a Juliano Lourenço, cofundador da iClinic, adquirida pela Afya por R$ 182,7 milhões em outubro de 2020.
Lourenço é engenheiro agrônomo de formação, mas entrou de cabeça no mundo da tecnologia desde muito novo, por influência do irmão. Ao vender a startup, ele decidiu: era chegada a hora de seguir seu sonho e viver na roça.
Após procurar por lugares mais conhecidos como Campos de Jordão, a dupla de sócios encontrou Pinhal e bateu o martelo na compra de um terreno de 54 hectares.
Por lá, eles decidiram criar um complexo com restaurante, hospedagem e "experiências rurais". Inaugurado em fevereiro de 2024, do papel, o negócio movimentou R$ 40 milhões, em investimentos.
“Nós largamos uma vida bem-sucedida em São Paulo para vir capinar o mato no interior, sem fazer ideia se o negócio iria dar certo ou não. Sabíamos que a produção de vinho começava na região e era o momento de aproveitar a oportunidade”, diz ao NeoFeed Lourenço, hoje vice-presidente da associação dos viticultores da cidade. “Até agora, os sinais foram muito positivos.”
No Rancho, a dupla produz quase tudo o que é consumido por lá. Vinho, mel, queijo e café são feitos na propriedade, que tem como meta mostrar a seus visitantes como é a vida da porteira para dentro.
Ao longo de 2024, o local recebeu mais de 40 mil visitantes e, até o momento, o chamariz do negócio é o restaurante. “As pessoas chegam pelo restaurante, conhecem a propriedade e as cabanas, e voltam com vontade de se hospedar e viver um pouco mais essa experiência”, diz Lourenço.
A iniciativa chamou a atenção de nomes da música sertaneja, como Luan Santana e Jorge da dupla Jorge e Mateus. Eles se tornaram sócios de Lourenço e Aversa em um condomínio residencial, ao lado do rancho. Com o novo negócio, o investimento total deve ultrapassar os R$ 100 milhões.
“90% das pessoas com projetos na cidade não são de Pinhal, o que mostra o tanto que os investidores e empresários estão apostando no potencial da região", afirma Lourenço.
Uma delas é Fabiano Duarte, fundador da Vinícola Duarte, ex-executivo do Itaú e da Mastercard. Ele conheceu a cidade em 2015, muito antes de pensar em ter sua própria propriedade.
Apenas em 2019, ele comprou as terras e, dois anos depois, plantou seu primeiro hectare. Até o momento, o empresário aportou cerca de R$ 4 milhões, no negócio.
“Hoje nós já temos dois hectares plantados, com três variedades de uvas, sendo elas Syrah, Touriga Nacional e Chardonnay”, conta Duarte. “Nossa estratégia foi, desde o início, comprovar que o vinho era bom antes de sair rodando com ele. Agora temos confiança para começar a construir o nosso próprio wine bar." A primeira safra do vinho da Duarte rendeu 1,4 mil garrafas. A segunda, de 2024, porém deve chegar a 4 mil.
De olho no café
Rodrigo Dantas, fundador da Fazenda Luzia, também foi executivo do Itaú por mais de dez anos e cofundou a Vindi, startup de gestão de pagamentos recorrentes, adquirida pela Locaweb por R$ 180 milhões em 2020. Após ficar por dois anos como executivo dentro da gigante de tecnologia, ele decidiu mudar de rumo.
As histórias de empreendedores como Juliano Lourenço, do Rancho Churrascada, inspiraram Dantas a conhecer Pinhal. Ao ver a movimentação de investidores por lá, o empresário pensou “está acontecendo alguma coisa grande aqui”.
“No primeiro momento, a nossa ideia era fazer uma vinícola. Porém, ao olhar para o lado, percebi que esse movimento do vinho já estava bastante maduro na região, o que me levou a olhar com mais carinho para o café, que hoje ainda é responsável por grande parte do PIB de Pinhal”, afirma Dantas.
Como ele conta, os cafeicultores estão envelhecendo e as novas gerações não se interessam pelo trabalho no campo. Abre-se assim um espaço a ser explorado e as lavouras de café se tornam uma oportunidade.
A efervescência dos negócios em Pinhal estão chamando atenção de peixes grandes. O grupo Radisson está construindo um hotel avaliado em R$ 120 milhões na cidade, previsto a ser inaugurado em 2028. A famosa vinícola argentina Catena também andou sondando as terras pinhalenses.
“A proximidade com o aeroporto internacional de Campinas é uma ótima oportunidade para Pinhal e, nos próximos anos, devemos ver esse movimento de turistas crescer ainda mais”, diz Dantas. “Para suportar essa demanda, a cidade precisa de mais hotéis, restaurantes e até serviços básicos como lavanderias, o que mostra que ainda há muito espaço para investir.”