A Alta Mogiana está toda prosa. Não contente em ter uma das melhores produções de cafés especiais, a região localizada no nordeste do estado de São Paulo, que reúne os municípios de Franca, Ribeirão Preto e Ituverava, entre outros, está despontando como um polo promissor vitivinícola no Brasil.

Contrariando todas as crenças de que o solo ali não era bom e que o clima não era adequado para vinhos de qualidade, a Alta Mogiana tem rótulos premiados internacionalmente desde 2022. E está se destacando na Rota dos Vinhos de São Paulo ao oferecer boas experiências de enoturismo.

“Em 2006, quando decidi cultivar uvas em meu primeiro hectare, na antiga fazenda de café desativada que comprei para fazer um haras, fui pedir ajuda ao amigo Jorge Maeda. Ele achou loucura e disse que rasgaria seu diploma de agrônomo se essa ideia de vinícola desse certo”, diz o empresário Luis Roberto Lorenzato di Ivrea ao NeoFeed. “Anos depois, eu fui lá cobrar a promessa.”

Atualmente, a Marchese di Ivrea, que fica em Ituverava, está produzindo 70 mil garrafas por ano – e pretende atingir 100 mil garrafas anuais – a partir das uvas italianas Sangiovese, Nebbiolo e Moscato Giallo. Em 2023, seu Bianca Di Borgogna safra 2022, elaborado com Moscato Giallo, recebeu a medalha de bronze no prestigiado Decanter World Wine Awards, o maior e mais influente concurso de vinhos do mundo. No site da vinícola, cada garrafa custa R$ 209.

Outros queridinhos da vinícola são o Arduino (R$ 195 e R$ 140, dependendo da safra), feito com a Sangiovese, e o Beregaio (R$ 295), de uvas Nebbiolo. Os espumantes Principe Di Ivrea, que custam a partir de R$ 88, também têm feito sucesso.

A ideia de começar a vinícola surgiu quando Luis Roberto teve que cancelar uma festa de Santo Antônio por causa do frio de 4°C e viu que na manhã seguinte fazia um dia ensolarado e quente. Desde então, assegura que tudo vem acontecendo de forma intuitiva.

“A Europa tem solo ruim e por isso dizem que esse tipo de terra é boa para o vinho. Mas nunca acreditei nisso. O solo daqui é muito rico e não precisei fazer nenhum ajuste diferente do que se faz em qualquer tipo de plantação”, afirma.

Para o dono da Marchese di Ivrea, a qualidade da sua produção se deve, além da dupla poda, da boa terra e das condições climáticas locais, à delicadeza com que é feita a colheita.

“A alma do vinho é a uva. Então, colhemos e separamos os cachos manualmente, colocamos em caixas com cuidado para não amassar. De lá vai para o tanque, a vinificação é feita e em um ano está pronto o nosso vinho”, explica ele, que já investiu cerca de R$ 20 milhões.

Ricardo Baldo, sócio da vinícola Terras Altas, em Ribeirão Preto, também calcula que ele e os sócios José Renato Magdalena e Fernando Horta já aportaram R$ 20 milhões na vinícola Terras Altas.

Engenheiro agrônomo com pós em enologia, afirma que notou o potencial de Ribeirão Preto para produção de vinhos lendo um estudo da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).

Hoje, a propriedade está em Bonfim Paulista, distrito do município, a 750 metros de altitude. Lá, a amplitude térmica pode chegar a 20 graus no inverno. “Essas são condições ideais para uma melhor maturação da uva, que atinge um nível Brix [proporção de açúcar] mais encorpado, com teor alcoólico um pouco maior”, explica Ricardo.

O primeiro plantio, em 2017, foi feito em uma área de 2 hectares. Atualmente, a vinícola Terras Altas quintuplicou sua área de cultivo e produz 40 mil garrafas por ano, mas o objetivo é aumentar, dentro de alguns anos, a área cultivada para 15 hectares e produzir 100 mil garrafas ao ano.

A estimativa é feita com os pés bem fincados na terra, porque Ricardo sabe que o vinhedo é um grande laboratório. “Todo dia a gente aprende uma coisa nova. E, por isso, a cada nova safra fazemos ajustes para melhorar a qualidade da uva”, diz.

Apesar do privilégio de a vinícola estar em solo basáltico, a famosa terra roxa, que é muito rica em nutrientes, isso não é garantia de boas uvas. “A fertilidade na época da maturação é um problema, porque nesse momento a planta quer vegetar, soltar folhas. Então, provocamos um estresse hídrico controlado, porque quando ela está em condições desfavoráveis é que produz os frutos”, ensina.

Como a propriedade foi planejada para ser uma vinícola, ela foi construída em gravidade para evitar o bombeamento das uvas desengaçadas, que pode desmanchar as bagas, gerando uma fermentação indesejada. “Esse cuidado não melhora a qualidade do vinho, mas melhora a qualidade da uva. E é a qualidade da fruta que vai resultar em um bom vinho”, explica Ricardo.

O reconhecimento internacional da Terras Altas veio a partir de 2022, com a linha Entre Rios produzida com Syrah. O Terroir (R$ 180), que passa nove meses em barril de aço inox e um ano descansando na garrafa, foi premiado pelo Decanter, bronze em 2022 e prata em 2023, e ouro no Concours Mondial de Bruxelles 2023.

O Evolução (R$ 335), que fica 15 meses em barrica de carvalho francês e 2 anos descansando na garrafa, ganhou o Decanter bronze de 2022 e ouro no concurso de Bruxelas de 2023. E o Equilíbrio (R$ 245), que fica cerca de 19 meses no inox e 12 meses no barril de carvalho, ficou com o bronze do Decanter 2022.

Vínicola Marchese di Ivrea, de Ituverava, pretende chegar a 100 mil garrafas anuais

Linha Entre Rios garantiu reconhecimento internacional à Terras Altas, de Ribeirão Preto

Arcano, de Franca, recebeu a prata no Decanter pelo Syrah safra 2021

Prata para o vinho de Franca

No ano passado, foi a vez da vinícola Arcano, de Franca, se destacar no Decanter, recebendo prata com o Arcano Syrah safra 2021, que custa em torno de R$ 160, dependendo da loja.

Em 2014, Maurício Orlov e José Fernando Bizanha começaram sua vinícola. Se cercaram de especialistas e dois anos depois, para testar, plantaram parreiras em uma chácara dentro da cidade, numa área de 2.500 m². Quatro anos depois, compraram a propriedade que fica a cerca de 20 km do município.

Ali, o parreiral ocupa 5,5 hectares e produz em torno de 20 mil garrafas por ano. Sobre o valor investido na terra, Orlov prefere não declarar, mas afirma que devem alcançar o breakeven agora que a vinícola completou uma década.

Ele diz que para produzir vinhos de qualidade é essencial ter boas uvas, o que, acredita, só acontece em um meio ambiente saudável. Por isso, dos 40 hectares atuais que a vinícola ocupa, 30% são destinados à produção dos parreirais e 70% são de mata nativa preservada, “50% a mais do que a lei obriga”, orgulha-se.

Em nome da sustentabilidade, e dos negócios, o vinhedo tem suas ruas entremeadas de leguminosas para gerar parte do nitrogênio que faz com que economizem 50% com adubo. A água da chuva é coletada para ser reusada em regas e, com técnicas de pulverização que adotaram, conseguem mais eficiência economizando 50% em água e 20% em uso de produtos químicos.

Na Arcano, a colheita é manual e feita em parcelas. “Não colhemos tudo ao mesmo tempo: vamos por etapas, apenas nas áreas em que as frutas atingiram a plena maturação, que é quando têm o equilíbrio que consideramos ideal entre Brix, acidez e pH”, diz o proprietário.

Agora, os sócios da Arcano também estão explorando outras possibilidades para oferecer novas experiências aos consumidores. Uma delas é a guarda submarina, feita em uma das represas do Complexo de Furnas, com garrafas a 34 metros de profundidade durante quatro meses.

A outra é a subterrânea: em que os vinhos são enterrados por um ano em uma das matas da propriedade. Orlov diz que estão sempre observando o espaço em busca de insights. “Se há uma coisa que aprendemos com a vinícola é respeitar a natureza e seu tempo. O tempo da natureza não é o do homem.”

E, ao que tudo indica, a natureza, com uma mãozinha da tecnologia, está sendo generosa na Alta Mogiana. “Ali, tanto as castas francesas quanto as italianas produzidas têm resultado em vinhos muito bons”, elogia Sergio Bruxo, professor da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo (ABS-SP). “E a tendência é que fiquem ainda melhores.”