O professor israelense Yuval Noah Harari, autor de best-sellers mundiais como "Sapiens" e "Homo Deus", se tornou uma espécie de guru ao retratar a trajetória da humanidade em seus livros e apontar alguns dos caminhos possíveis para nossa espécie. Por isso, quando ele fala, o mundo para para escutar. E o que ele tem a dizer sobre a pandemia é pouco animador.

"O ano da Covid não me deixou muito otimista sobre nossa habilidade em combater as mudanças climáticas", afirmou Harari, na noite desta terça-feira, em sua participação no evento Expert ESG, promovido pela XP. "Se não fomos capazes de organizar uma cooperação mundial para enfrentar a pandemia, qual a chance de enfrentarmos problemas muito mais complexos?"

Para o historiador, o ano da Covid-19 representa uma grande vitória para a ciência, mas um fracasso do ponto de vista governamental. Segundo Harari, a falta de respostas mais assertivas de alguns países piorou a já grave crise provocada pelo vírus.

Ele citou os Estados Unidos e o Brasil como exemplos negativos. "A resposta dos governos federais foi absolutamente terrível, levando a centenas de milhares de mortes evitáveis”, diz ele.

Harari usou o exemplo da peste negra, que devastou um terço da população do planeta na Idade Média. “Naquele tempo, ninguém sabia o que estava causando a doença”.

Agora, em comparação, foram necessárias apenas duas semanas para fazer o sequenciamento genético do vírus. E um ano após o primeiro alerta vacinas efetivas estão sendo produzidas em larga escala. “Nunca estivemos tão preparados”.

A resolução da crise, no entanto, esbarra no que ele vê como uma competição entre os países. Não adianta um país vacinar toda a sua população, como Israel vem fazendo de forma rápida, se o vírus continuar se espalhando e sofrendo mutações. "Ninguém vai se sentir totalmente seguro enquanto todos os países não estiverem protegidos. E falta sabedoria política pra ver isso", disse.

Para Harari, a pandemia deve deixar uma lição importante também para empresas e instituições financeiras sobre a necessidade de investir pesado no combate às mudanças climáticas. "Vejam o que um único vírus fez com a economia global. Imagine o que vai acontecer com um colapso ambiental".

O enfrentamento à Covid também acelerou processos e transformações. O monitoramento é um deles. Para o historiador, um monitoramento da população não é algo necessariamente ruim e pode ser usado de forma benéfica para entender como a doença se espalha, por exemplo.

Mas quando esses dados ficam concentrados na mão de governos ou grandes corporações e são usados de forma pouco clara, cria-se as bases para uma ditadura. A solução, para ele, é a descentralização das informações. "É claro que isso gera ineficiências, mas nesse mundo de dados, um pouco de ineficiência significa proteção".

Desinformação e fake news

O debate sobre a desinformação e a disseminação de fake news também se tornou ainda mais urgente. Harari aponta que as redes sociais têm responsabilidade nessa questão, mas que não é possível colocar toda a culpa nos meios.

Para mostrar como o fenômeno das teorias da conspiração e das fake news não é novidade, ele citou o exemplo do Rádio. "Quando surgiu, pessoas como Hitler usaram o meio para disseminar mentiras. E o Rádio não tem nada a ver com isso. São só ondas", observou.

Para ele, as fake news têm uma grande vantagem sobre as informações científicas: são menos dolorosas e muito mais fáceis de assimilar. Entender o que é um vírus, por exemplo, não é algo simples. "Para contrapor esse problema é importante educar, colocando a ênfase não em ter informação, mas em saber em qual informação confiar", afirmou.

E nessa mudança de percepção, a imprensa livre tem um papel importante. "Há uma grande diferença quando posso confiar na informação que recebo", disse o historiador. "Se os governos controlam os jornais e a televisão, não sei se estou recebendo informação ou propaganda".

Outras coisas, no entanto, não devem mudar. E a principal é a necessidade de contato social - ao vivo, e não pela internet. As redes sociais ajudaram a manter relacionamentos, mas não são a mesma coisa. "Assim como a Aids não acabou com o sexo, a Covid não vai acabar com os abraços", disse Harari.