O estrago na marca Facebook desde o escândalo dos hackers russos se arrasta há cinco anos. O último episódio dessa longa novela foi a convocação para depor pelo Congresso Americano de Adam Mosseri, chefe do Instagram, ocorrido em 6 de dezembro, após as revelações do escândalo "Facebook Papers", pacote de documentos da empresa vazados para um consórcio internacional de veículos de imprensa sobre um estudo interno que mostrava o quanto o aplicativo do Facebook causa impacto na autoestima e saúde mental de meninas adolescentes.
A mudança do nome do grupo para Meta, no fim de outubro desde ano, foi recebida como uma tentativa quase desesperada de limitar o desgaste de imagem do Facebook nos últimos anos. A marca sofreu dezenas as acusações de ampla repercussão na mídia. Desde vazamentos de dados, monopólio e até prejuízos à democracia e à saúde mental de adolescentes com as suas redes sociais.
Um livro, lançado neste ano no Brasil, ajuda a entender o que aconteceu. Mais que isso, é uma obra essencial para se compreender até mesmo seus reflexos nas eleições brasileiras de 2018, marcada pelas fake news. Uma verdade incômoda – Os bastidores do Facebook e sua batalha pela hegemonia, das jornalistas do The New York Times Sheera Frenkel e Cecília Kang, lançado pela Companhia das Letras, envolve o leitor pela profundidade e a quantidade de fontes, que tornam sua narrativa ainda mais confiável.
Vendida como “o livro que o Facebook não quer que você leia”, a obra mostra a busca irrefreável por crescimento e poder em que se transformou a rede social fundada por Mark Zuckerberg que mudou a forma das pessoas consumirem, votarem e se relacionarem. As autoras mostram que a estratégia agressiva da empresa para ganhar bilhões de dólares piorou durante a campanha das eleições presidenciais de 2016.
Frenkel e Kang escreveram uma longa reportagem que traz o que se poderia descrever como uma “narrativa eletrizante”, a partir de mais de 400 entrevistas e cerca de mil horas gravadas. As duas repórteres revelam como Zuckerberg e a número 2 da rede social Sheryl Sandberg tentaram negar o fato de que o Facebook foi totalmente manipulado durante as eleições que levaram Trump ao poder e que seu sistema de impulsionar financeiramente postagens foram fundamentais nesse processo.
Com detalhes que chegam a cansar em determinadas passagens, as autoras consolidam as informações e mostram que, em meio a um jogo de vaidades e arrogância, Zuckerberg deixou brechas em nome de uma aparente liberdade de expressão para difundir desinformação, discurso de ódio e propaganda política, enquanto buscava o crescimento da plataforma a qualquer preço.
Há várias passagens que chamam atenção pela falta de atitudes eficientes e responsáveis em relação às ações dos russos. Para o departamento de segurança digital do Facebook, a impressão era a de estar sob ataque. “Eles haviam revelado uma campanha de desinformação russa que ninguém mais, incluindo o governo americano, havia previsto ou pensado em verificar. Porém, em vez de receberem agradecimentos, eram alvo de zombaria por terem deixado passar a campanha russa e por levarem tempo demais para divulgar o que tinham descoberto”, relata um trecho do livro.
Essa teimosia em negar a gravidade de suas falhas e descuidos por parte do Facebook se estendeu até depois da eleição de Trump, ao tentar esconder informações sobre os ataques russos, embora a cúpula da empresa fosse alertada o tempo todo desse perigo por seus gerentes de segurança. A estrutura burocrática que manteve o comando da empresa isolado em uma espécie de bolha fez com que as informações precisassem passar por filtros de hierarquia, e que Zuckerberg e seus executivos ignorassem o que estava acontecendo.
O que se viu no primeiro momento foi um esforço para negar ou amenizar dados que pudessem comprometer a reputação da rede social e abalar o valor de seu negócio. A pressão da imprensa e do Congresso, porém, fez com que Zuckerberg experimentasse seu inferno astral, com convocações para depor de outros executivos do Facebook, do Instagram e até mesmo do Twitter.
Em quase 400 páginas, Uma verdade incômoda interessa a profissionais de diversas áreas, como economia, tecnologia, comunicação, política e sociologia. Ele leva o leitor a percorrer as entranhas de uma revolução digital que está engatinhando ainda, com suas maravilhas e perigos.