No mundo do venture capital, a especialização é cada vez mais uma realidade. Depois de gestoras focadas em healthtechs, construtechs, agtechs e SaaS (software as a service), está surgindo um fundo especializado em foodtechs, como são conhecidas as startups que atuam na área de alimentos e bebidas.
É o Outcast Ventures, que acaba de nascer, embora estivesse em gestação desde 2020. Ele busca US$ 25 milhões em seu primeiro fundo até o fim do ano. Até agora, 15% deste total já foi captado com family offices brasileiros.
Os fundadores são José Rodolpho Bernardoni e Thiago HC, que batizaram a gestora inspirados na brincadeira de serem dois excluídos, estranhos no ninho, alheios ao mercado financeiro, sem histórico de investidores. Em boa parte de suas trajetórias, a dupla esteve do outro lado do balcão, como empreendedores, tomando e não investindo dinheiro.
“Vamos levar o nosso conhecimento para dentro das startups para ajudar a criar soluções que resolvam a ineficiência do sistema alimentar”, diz Bernardoni, ao NeoFeed. “Temos algo a fazer em conjunto num país onde 52,2% da população vive em insegurança alimentar, sem falar no desperdício recorde de comida”.
Bernardoni, por exemplo, foi o fundador da Go Light, empresa que surgiu como um carrinho de snacks naturebas que zanzava pelos escritórios (lembra-se deles?), transformou-se em lanchonete, depois em cozinha industrial e delivery. Em 2019, a startup foi parar nas mãos da Sapore, gigante do setor de restaurantes corporativos, com 17 mil funcionários e faturamento de R$ 2 bilhões.
Já o sócio Thiago HC, por sua vez, criou a plataforma Ideia no Ar, que ajuda as startups “early stages” a decolar. Da combinação de especialidades dos dois veio a ideia de montar a gestora das foodtechs.
Como primeiro movimento, a Outcast Ventures vai investir em foodtechs latino-americanas. Bernardoni já mapeou cerca de 600 dessas startups na região, 450 delas no Brasil. A ideia é fazer o aporte em rodadas pré-seed, seed e série A sempre em conjunto com outros fundos.
“Não vamos entrar como líderes de investimento, não agora. A ideia é compor esse pacote de financiamento inicial junto com um fundo de VC mais robusto, líder, em startups cujos produtos já tenham aderência, ou seja, já estejam atendendo a uma necessidade de mercado”, diz Bernardoni.
O alvo, segundo ele, são as empresas em estágio já operacional, próximas de atingir o product market fit, termo dos “startupeiros” para se referir as empresas que conseguiram testar a tese de produto ou serviço que pretendem vender ao consumidor ou empresas.
A tese do Outcast Ventures é encontrar soluções que possam resolver problemas crônicos do sistema alimentar. São, por exemplo, startups que atuam no percurso da comida - dos produtores até as nossas casas (farm to table e agtech) - e que trabalhem com o rastreamento da cadeia produtiva e gestão de resíduos
São empresas que têm tecnologia para o desenvolvimento das chamadas superfoods, os complexos vitamínicos e novas categorias de alimentos e bebidas. Aplicativos de nutrição e receita e companhias de entrega de comidas também estão na mira dos “outcasts”.
Em todas elas, Bernardoni e HC também entrarão como conselheiros informais. Nada de poder de veto ou de voto. De cargos, pompas ou qualquer outra situação atrelada ao contrato. “Não queremos entrar no operacional”, diz Bernardoni.
A dupla do Outcast Ventures já fez um investimento na Gourmetzinho, startup de alimentação saudável para bebês e crianças, que havia recebido um aporte de R$ 1,4 milhão em setembro passado, via plataforma CapTable.
Os sócios não revelam o montante da operação, dizem apenas que ficaram com 4% da empresa. Outra operação deve ser anunciada no início da semana que vem.
A meta da Outcast é investir em cerca de 20 empresas em dois anos. Os cheques médios vão ficar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões. Mas eles podem ser maiores, dependendo do tamanho da rodada. Aproximadamente 60% dos recursos do fundo serão reservados para follow ons.
O sonho de Bernardoni e de HC é transformar a Outcast na maior especialista em foodtech, uma gestora com alternativas de financiamento, capaz de oferecer vários ativos às empresas do setor, em qualquer estágio de suas “vidas”.
“Geralmente, os fundos de VC são agnósticos em termos de escolha de setor de atuação, mas inflexíveis quanto ao tamanho das empresas que elegeram para seus investimentos”, diz Bernardoni. “Nós fazemos o oposto, somos nichados no setor e abertos a todo o ciclo de vida das startups. É um olhar diferente, especializado.”
Levantamento do Pitchbook Data mostra que os investimentos em foodtech superaram, no mundo, a casa dos US$ 28 bilhões em 2021, alta de 85% ante 2020. O mercado global movimenta R$ 250 bilhões, segundo a empresa de inteligência de mercado Mintel.
Na América Latina, diz o estudo Foodtech Landscape Latam 2021, foram investidos mais de US$ 1,7 bilhão em foodtechs na última década, metade disso no Brasil. Os principais nichos foram: logística e inteligência de dados; empresas de produtos saudáveis, naturais ou orgânicos; e-commerce e marketplaces e transporte e distribuição.