Ao ser lançado, há 50 anos, "O Poderoso Chefão" ganhou vários Oscars e seu diretor, Francis Ford Coppola, foi saudado como uma nova voz autoral no cinema. Mas, como diz o ditado, o tempo é tudo.

O filme conta a história de um idoso chefão da máfia e de sua família na cidade de Nova York entre os anos de 1945 e 1955. É uma saga arrebatadora das provações e aflições de se administrar uma organização criminosa. (O filme foi remasterizado em celebração aos 50 anos)

Há duas linhas do tempo que precisam ser observadas ao assistir "O Poderoso Chefão": a época na qual a história se passa e quando o filme foi feito. Ambas as linhas estão inextricavelmente ligadas, embora localizem-se em polos opostos do tecido moral, cultural e social dos Estados Unidos.

Otimismo pós-guerra

Após a destruição devastadora e a perda de vidas da Segunda Guerra Mundial, os americanos passaram a ter uma nova sensação de otimismo de que o pior já tinha passado. Anos de incerteza e estresse fizeram com que as pessoas ansiassem, em suas mundanas casas nos subúrbios, por uma “normalidade” na vida familiar e no trabalho. As pessoas acreditavam em governos e em instituições familiares para cuidar de seus interesses e de seu bem-estar.

Novas oportunidades e uma distribuição uniforme da riqueza criada pelo baixo desemprego pós-guerra incentivaram o crescimento e criaram “uma economia de consumo avançada” que abriu portas para negócios legítimos e ilegítimos.

Os grupos mafiosos floresceram, alimentados pela possibilidade de ganhar dinheiro fácil. É nesse mundo que encontramos a família Corleone: imigrantes italianos com uma visão distorcida do sonho americano e que por isso mesmo buscavam enriquecer por meio do roubo, da extorsão e da violência.

Os grupos mafiosos floresceram com a possibilidade de ganhar dinheiro fácil. A família Corleone tinha uma visão distorcida do sonho americano

Vito Corleone (Marlon Brando) quer continuar com os velhos hábitos e suspeita do novo comércio de drogas oferecido pelos Tattaglia, uma outra família mafiosa. Seu filho Michael (Al Pacino), que experimentou a vida fora do círculo mafioso, deseja mudar toda a estrutura da organização. Seu objetivo é legitimar a família.

O que acontece em seguida é ao mesmo tempo uma afirmação sobre o caráter do personagem de Michael e sobre a época na qual "O Poderoso Chefão" foi filmado.

Uma nova guerra para uma nova geração

Até 1972, as normas sociais e culturais haviam mudado radicalmente. As pessoas - especialmente os mais jovens - cresceram cada vez mais desconfiaças e desencantadas em relação ao governo e às instituições que emergiram após a Segunda Guerra. Se muitos viam o conflito mundial como uma “guerra moral”, o mesmo sentimento não existia em relação à guerra do Vietnã: na visão de muita gente, os Estados Unidos eram o agressor imoral.

Os anos 60 começaram como uma década de esperança, repleta de idealismo. Os jovens não queriam continuar o caminho do passado e almejavam por transformações. Eles lideravam as mudanças em busca de um futuro melhor.

Mas nos anos 70, a geração Woodstock começava a perceber que os valores e ideias pelos quais havia lutado não se concretizavam. Contribuíram para o sentimento de desilusão a guerra do Vietnã - que estava então em curso -, o escândalo dos papéis do Pentágono e o desenrolar do Watergate.

Apesar dos clamores por revolução, as instituições mantinham forte controle sobre a sociedade. Isso tornou-se uma metáfora para "O Poderoso Chefão"

Apesar dos clamores por revolução, as antigas instituições mantinham forte controle sobre os mecanismos da sociedade. Tudo isso tornou-se uma metáfora para "O Poderoso Chefão".

Pragmatismo crescente

O argumento de "O Poderoso Chefão" é de que os princípios de uma geração são frequentemente corrompidos pelas realidades da época.

Da mesma forma como os ideais perdidos dos anos 60, Michael é confrontado com o pragmatismo de presidir uma organização criminosa. Os Corleones nunca conseguiriam ser legitimados: as instituições do passado eram muito poderosas.

Semelhante a uma ópera italiana, o filme oscila entre lealdades pessoais, traições e consequentemente assassinatos cruéis. No final disso tudo, Michael – um homem ético que desesperadamente quer transformar o mundo em algo melhor - cai na armadilha do passado. Ele assume o “negócio” da família e acaba tornando-se mais astuto e implacável do que seu próprio pai havia sido. O único personagem que representava a luz acaba como mais sombrio de todos. Não haveria nenhuma mudança em relação ao passado.

O final do filme é poderoso, mas pessimista. No início, Michael diz a Kay (Diane Keaton), sua então namorada, que iria mudar completamente a forma como a organização operava.
Agora, Michael adverte Kay, que já era sua esposa, a “não perguntar sobre meus negócios”. Ao sentar na cadeira do pai, Michael fechava a porta na cara de Kay. De certa forma, Coppola previa o caminho da próxima geração e talvez até mesmo de cada jovem geração que surgisse no futuro.

Eles todos começam com boas intenções, mas as praticidades frequentemente mudam os ideais. Os anos 80 iniciavam como uma era anti-apartheid e de concertos beneficentes como Live Aid, mas logo mudaram para o lema “ganância é bom”. A década de 90, que começa com a queda da União Soviética e a crença confirmada na democracia ocidental, resultou em um grunhido de desilusão.

A década de 90, que começa com a queda da União Soviética e a crença confirmada na democracia ocidental, resultou em um grunhido de desilusão

Os movimentos dos jovens da época atual terão impacto comprovado nos próximos 10 anos? Ou, como Michael Corleone, eles terão sido transformados pelo poder e pela autoridade das instituições tradicionais?

Cinquenta anos depois, "O Poderoso Chefão" ainda continua sendo um conto alegórico sobre a passagem do poder de uma geração para outra. Mas talvez a maior lição do filme seja o velho ditado: se você não aprender com o passado estará condenado a repeti-lo. Muitas vezes o passado faz uma oferta irrecusável.

Daryl Sparkes é professor sênior de Estudos de Mídia e Produção da University of Southern Queensland, Austrália

Este artigo foi originalmente publicado em inglês no The Conversation