Em seu comentário sobre o novo livro de Ray Dalio, Principles for Dealing With The Changing World Order, Ariana Huffington destacou a impressionante capacidade do autor de transformar assuntos importantes e complexos em explicações simples.

Há um ditado que diz que “todo assunto complexo tem uma resposta simples... e errada”. Esse, sem dúvida, não é o caso da forma “simples” de Dalio. O talento a que se refere Ariana é justamente usar uma quantidade enorme de dados, criar hipóteses sobre as relações entre eles baseadas em enorme erudição econômica, testar essas hipóteses e, a partir daí, construir uma história acessível para a maioria das pessoas.

Ainda que o resultado pareça simples, como é o objetivo, o processo de construção/criação não poderia ser mais complexo. Essa forma de entender as coisas, “dados – hipóteses – testes – modelo”, não é novidade para o autor.

É, aliás, o que o tornou um dos investidores mais respeitados e bem-sucedidos do mundo. Seus modelos de gestão funcionam do mesmo jeito, não só para as estratégias de investimento, mas estendendo-se para a cultura corporativa.

Eu e meus sócios da Gama e da HMC Itajubá visitamos a Bridgewater, empresa de Ray e o maior hedge fund do mundo, e é impressionante como seus Princípios permeiam a cultura da empresa, dos times de investimento ao departamento de recursos humanos, criando um ambiente de estímulo e recompensa ao pensamento crítico.

No livro, Ray usa uma espécie de lupa conceitual para buscar na história das criações, auges e declínios de impérios do passado, insights para o que vem pela frente. Há um princípio central por trás da narrativa de Dalio que pode ser sintetizado com uma frase de Mark Twain: “a história não se repete, mas rima”.

Ou seja, há particularidades nos ciclos históricos, mas algumas características são muito parecidas. É focando nessas semelhanças que o autor desenvolve um arcabouço para comparar os destinos de impérios passados com o mundo atual e, principalmente, o que isso significa para o futuro.

Princípio: “Para entender o que vem pela frente, entenda o que aconteceu no passado”

A motivação para entender esses fenômenos partiu da compreensão de que vivemos tempos extraordinários. Três realidades atuais que não haviam acontecido nesta geração despertaram a curiosidade de Dalio sobre as dinâmicas que levam ao surgimento e declínio dos impérios: países sem dinheiro para pagar suas dívidas mesmo com os juros próximos ou iguais a zero; distribuição desigual de riqueza levando a conflitos internos, polarização e populismo; e conflitos globais.

Esse tipo de ambiente, na observação do autor, aconteceu várias vezes na história e levou invariavelmente ao que ele define como “mudança da ordem global”. A ordem global se estabelece seguindo um roteiro em que uma nação passa por algum tipo de revolução (normalmente uma guerra, mas algumas vezes pacífica), eleva seu nível institucional e intelectual, o que permite desenvolvimento tecnológico, aumento de competitividade, crescimento econômico e aumento da participação no comércio global.

O capital acumulado leva a um ciclo virtuoso em que é reinvestido, gerando mais educação, desenvolvimento tecnológico e produtividade. A oxigenação desse capital leva ao desenvolvimento do mercado de capitais, que tende a se tornar o centro financeiro global.

Há um princípio central por trás da narrativa de Dalio que pode ser sintetizado com uma frase de Mark Twain: “a história não se repete, mas rima”.

Finalmente, a relevância no comércio internacional somada à força institucional e, invariavelmente, ao poderio militar, tornam a moeda do país a chamada “Moeda de Reserva”. Essa condição traz enormes benefícios, comumente chamados de “privilégio exorbitante”.

Por ser a moeda usada como referência no comércio global, todos a percebem como uma reserva de valor confiável e na qual podem poupar seu capital. Isso significa que a nação emissora da moeda tem uma capacidade de se financiar que parece ilimitada; e essa capacidade de financiamento quase ilimitada acabou sempre sendo testada.

No auge dos impérios, tem-se a impressão de que a bonança será eterna. E é pelo próprio sucesso que são espalhadas as sementes do declínio. As populações dos impérios hegemônicos tornam-se mais exigente em relação às suas próprias realidades, quanto merecem ganhar para trabalhar, quanto tempo de lazer precisam aproveitar e, no extremo, tornam-se decadentes.

O império perde competitividade e fica vulnerável às nações que buscam ocupar seu espaço no cenário global. Mesmo com a capacidade econômica enfraquecendo, tanto as pessoas como o aparelho estatal buscam manter a realidade a que estão acostumados, se endividando cada vez mais para manter os padrões de consumo e demandas sociais.

É natural que a temperatura política se eleve, tanto a interna quanto a externa, já que há menos riqueza para ser dividida. Há ainda o alto custo de manter a hegemonia militar, pesando ainda mais na real capacidade financeira do império.

Eventualmente, a fragilidade desse arranjo vai ficando cada vez mais clara e os financiadores – no caso, o resto do mundo – começam a perder a confiança na solvência do emissor. Sem dinheiro para honrar as obrigações assumidas, a bolha financeira estoura e restam duas opções: dar um default ou imprimir moeda.

Acerta quem acha que os impérios sempre escolhem a segunda opção... E essa opção implica em inflação e na perda do valor da moeda contra o resto do mundo. As condições de vida declinam e as tensões políticas se intensificam, com populismo e extremismo se fortalecendo.

Esse ambiente tumultuado acaba reforçando as dinâmicas perversas já em curso, enfraquecendo ainda mais a capacidade econômica. Essa espiral negativa acaba em algum tipo de ruptura institucional. Esse é o momento crítico onde a democracia é posta à prova: as forças políticas exigem uma liderança que redistribua a riqueza e promova as mudanças necessárias para a retomada da prosperidade e algum tipo de conflito interno é inevitável.

Enfrentando turbulência interna, perda de relevância econômica e dificuldades para fundear os custos da hegemonia militar, o império decadente será testado. Quando fica claro que não há como resistir, aqueles que possuem ativos representando direitos sobre aquela nação perdem a confiança e os vendem. Isso marca o fim do “grande ciclo” e o início de uma “nova ordem mundial”.

Quando o autor sai da análise histórica para revelar insights sobre o futuro, faz uso de um conjunto de métricas que indicariam em que fase do “grande ciclo” os EUA se encontram

Dalio analisa de forma detalhada como essas dinâmicas se repetiram com a Holanda, a Grã-Bretanha e, atualmente, com os EUA. Quando o autor sai da análise histórica para revelar insights sobre o futuro, faz uso de um conjunto de métricas que indicariam em que fase do “grande ciclo” os EUA se encontram. Observando essas métricas (e suas tendências), tal qual um check-up médico, é possível aproximar quanto tempo ainda resta ao império.

Por mais que a recorrência desse tipo de ciclo pinte um quadro sombrio e aparentemente inevitável para os EUA, a mensagem que Dalio procura passar é justamente que, ao identificar essas dinâmicas, é possível retardá-las ou até revertê-las.

Como país, o importante é focar na melhoria das métricas, buscando um consenso em que seja possível tomar as medidas necessárias, ainda que invariavelmente dolorosas, que levam à prosperidade.

Princípio: “A maior guerra de uma nação é contra si mesma”

Como indivíduos, apenas duas coisas: ganhe mais do que gasta e trate os outros bem!

O livro traz lições valiosas para o Brasil. Ainda que distantes da disputa pela hegemonia global, os brasileiros e suas instituições também deveriam focar nas métricas críticas apresentadas por Dalio. São elas que apontam os caminhos que levam à prosperidade e os que nos afastam dela.

Ian Cao é CIO da Gama Investimentos