A primeira viagem ao redor do mundo, façanha marítima fundamental para demolir a ideia de que a Terra era plana, é reconstituída na minissérie espanhola “Sem Limites”. Dividida em seis episódios, a produção estimada em 20 milhões de euros chega para celebrar o 500º aniversário da travessia épica que se estendeu por três anos.
Uma das novas atrações do catálogo da Amazon Prime Video, a minissérie refaz a jornada iniciada em agosto de 1519, com cinco navios e 239 homens. Ao final de um percurso de quase 90.000 quilômetros, apenas 18 deles retornaram, famintos e doentes, em uma única embarcação, em setembro de 1522.
Nem o homem que navegou por águas até então inexploradas, o que culminou provando que a Terra é redonda, conseguiu sobreviver. O português Fernão de Magalhães (1480-1521), interpretado aqui por Rodrigo Santoro, foi morto em uma emboscada nas Filipinas. Quem o substituiu foi o espanhol Juan Sebastián Elcano, vivido pelo ator Álvaro Morte, o Professor de “La Casa de Papel”.
Assinada pelo diretor britânico Simon West (de “Lara Croft: Tomb Raider”), a produção destaca os acontecimentos mais marcantes na expedição que levaria à primeira circum-navegação da história. Há intrigas políticas, tempestades, rebeliões, confrontos com nativos, doenças e fome suficientes para garantir todo o drama da minissérie. A começar pela rejeição sofrida por Magalhães em seu próprio país.
Como a sua empreitada não teve apoio de Dom Manuel I, o rei de Portugal, o navegador recorreu à Espanha, ao rei Carlos I, em busca de financiamento. Oferecer seus serviços ao país vizinho foi considerado uma traição, fazendo com que o português fosse perseguido pelos compatriotas.
Inicialmente, Magalhães propunha apenas realizar uma nova rota rumo às Índias, à procura de especiarias. Na época, a rota tradicional era dominada por Portugal, seguindo pelo leste, dobrando o Cabo da Boa Esperança, no sul da África. Já o trajeto de Magalhães seria pelo oeste, contornando a América do Sul.
O navegador falava de uma passagem que unia o “mar do norte com o mar do sul” (os oceanos Atlântico e Pacífico), no sul do continente americano. Foi por esse canal que a expedição conseguiu passar, ganhando então o nome de Estreito de Magalhães.
Mas depois de provar que estava certo quanto à passagem, o navegador acabou assassinado em Cebu, nas Filipinas, em confronto com os nativos, sem ver a sua expedição dar a volta ao mundo. Realizar a circum-navegação não estava nos planos de Magalhães. Até porque havia uma proibição neste sentido por parte da Espanha, para não desrespeitar o Tratado de Tordesilhas.
O que ele almejava era abrir uma nova rota comercial para chegar às Ilhas Molucas (arquipélago da Indonésia), carregar as embarcações com especiarias (como cravo, canela, noz moscada e canela, entre outras) e fazer fortuna. De posse da carga, algo tão precioso quanto o ouro na época, a ideia era dar meia volta e retornar pela mesma rota.
A decisão de seguir em frente, pelo Oeste (voltando, assim, ao ponto de origem com uma circum-navegação), teria sido uma decisão estratégica de Elcano, assim que a expedição partiu das Ilhas Molucas. O espanhol queria evitar os perigos que eles tinham enfrentado até ali – até porque todos estavam com a saúde muito fragilizada.
Isso incluía o inverno cruel que obrigou a expedição, no caminho de ida, a ancorar por dois meses no porto de São Julião, na Patagônia, o que quase congelou a tripulação. Elcano também queria fugir da perseguição dos portugueses, que continuavam no encalço de Magalhães e os esperavam na rota marítima tradicional – por não saberem que o navegador já estava morto.
Toda a trajetória foi registrada pelo italiano Antonio Pigafetta, o geógrafo e marinheiro que foi o relator responsável pela versão oficial da navegação. Conforme a minissérie mostra, o cronista observa todos os aspectos da viagem, incluindo a flora e a fauna das terras visitadas, os costumes dos nativos, as adversidades brutais enfrentadas pelo caminho e até as variações de humor de Magalhães.
Em muitas passagens, o navegador é reverenciado por sua determinação e coragem, o que não impede Pigafetta de vê-lo, em outros momentos, como um sujeito despótico e sem alma. Sobretudo por Magalhães ter tomado muitas decisões que deixaram a tripulação sem comida e à mercê de doenças – os marinheiros chegaram a comer ratos e pedaços de couro que revestiam os barcos.
O navegador ainda cortou muitas cabeças ao longo do percurso, não perdoando quem representasse o menor obstáculo. E isso sem mesmo imaginar que a expedição acabaria contornando a Terra, entrando para a história como um grande feito da humanidade.