Por que Taiwan é tão importante para a política global? A ilha tem menos de 25 milhões de habitantes, mas está no centro dos conflitos entre China e Estados Unidos, e tem uma relevância desproporcional ao seu tamanho. Há três razões que explicam sua influência mundial.
A primeira é política. Ao longo do que os chineses chamam de “o século das humilhações” (1839-1949) a China perdeu o controle de diversos territórios que faziam parte de seu império e passaram para o domínio de potências estrangeiras (Hong Kong) ou se tornaram independentes (Tibete, Xinjiang).
Taiwan é a única dessas regiões que não voltou para a soberania do governo central em Pequim. Como tal, é um poderoso símbolo das demandas históricas chinesas.
Japão conquistou a ilha na guerra de 1895 contra a China, e a manteve como colônia até 1945. Depois, ela passou para o controle do Partido Nacionalista chinês, que então estava nos últimos estágios de uma longa guerra civil contra os comunistas.
Quando as tropas de Mao Tsé-Tung venceram o conflito, em 1949, os nacionalistas se retiraram para Taiwan, o único território que ainda governavam. E lá ficaram. Inicialmente como um governo autoritário, e a partir da década de 1980, como uma democracia.
A segunda razão da importância global da ilha é militar. Quem controla Taiwan domina o Mar do Sul da China, onde estão as principais rotas de navegação do comércio mundial. A ilha também poderia ser usada como base para lançar bombardeios e ataques anfíbios contra a China continental.
A terceira é econômica. Taiwan tem alta renda per capita, US$33 mil ao ano. O triplo do resto da China. Tem indústrias sofisticadas e é o maior produtor global de um componente-chave para muitos equipamentos avançados: semicondutores, essenciais para computadores, celulares e automóveis.
Qualquer guerra ou bloqueio naval afetaria esse fornecimento e traria consequências muito negativas para várias cadeias produtivas globais.
Estados Unidos e Taiwan: uma aliança informal
Quando aconteceu a revolução comunista chinesa em 1949, os Estados Unidos não reconheceram o novo governo chinês em Pequim, e mantiveram relações diplomáticas apenas com a administração nacionalista em Taiwan.
Essa diplomacia mudou nos anos 1970. Por razões que iam dos problemas na guerra do Vietnã às dificuldades econômicas domésticas, os Estados Unidos deram uma guinada na sua política externa e se aproximaram da República Popular da China.
O presidente Richard Nixon visitou Pequim e negociou vários acordos com seu colega Mao Tsé-Tung, levando depois de alguns anos ao reconhecimento diplomático.
Taiwan pagou o preço da aproximação entre as grandes potências e foi progressivamente perdendo vínculos internacionais. Hoje em dia, só cerca de 15 países, a consideram uma nação soberana. A maioria formada por pequenos Estados do Caribe e do Oceano Pacífico, como São Cristóvão e Névis, Tuvalu e Palau.
Contudo, os americanos mantiveram forte relação com Taiwan, auxiliando a ilha do ponto de vista financeiro e militar. Não há um tratado diplomático que estabeleça o compromisso de que os Estados Unidos defendam Taiwan em caso de guerra, mas há consenso entre democratas e republicanos de que essa aliança aconteceria se houvesse um ataque da China à ilha.
O que mudou nos últimos anos?
O status quo desde os anos 1970 é o de uma Taiwan autônoma, mas sem independência formal, com fortes relações econômicas tanto com a China quanto com os Estados Unidos. O governo chinês reivindica a soberania sobre a ilha, mas afirma que a reunificação deve ser pacífica.
Em 2012, Xi Jinping se tornou presidente da China. Seu governo aumentou a repressão política contra regiões chinesas que desfrutavam de mais autonomia, como Hong Kong, ou que a pleiteavam, como Xinjiang. Embora ele não tenha alterado a política para Taiwan, suas ações repercutiram mal na ilha.
Simultaneamente, à medida que as relações sino-americanas se deterioram e cresce o risco de guerra, Taiwan desponta como aliado fundamental de Washington. Com a invasão russa da Ucrânia, aumentaram as preocupações americanas que algo semelhante pudesse acontecer com Taiwan. Daí atitudes como a da presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, em visitar a ilha para reafirmar o compromisso com sua defesa.
A visita de Pelosi foi o estopim para a quarta crise entre China e Estados Unidos por causa de Taiwan. As anteriores ocorreram nas décadas de 1940, 1950 e 1990. Até agora, nenhuma levou a uma guerra entre os dois países. Contudo, se a relação sino-americana degenerar em conflito armado, é provável que Taiwan esteja no centro da conflagração.
Maurício Santoro é doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autor do livro “Brazil-China Relations in the 21st Century: the making of a strategic partnership” (Palgrave Macmillan, 2022).