Há dois anos, a economia circular entrou no radar da eB Capital, gestora fundada por Luciana Antonini Ribeiro, Eduardo Sirotsky Melzer e Pedro Parente. Desde então, parte dos sócios da operação mergulhou no tema para entender se ali havia uma oportunidade para a empresa, que tem R$ 4 bilhões sob gestão.
Nesse intervalo, o plano amadureceu. E, agora, a companhia de private equity começa a materializar essa tese ao anunciar sua primeira investida nesse espaço. Trata-se da Green PCR, empresa de reciclagem de plásticos com sede em Campinas (SP) e que atua no segmento do polietilenotereflato, o popular PET.
A eB Capital está adquirindo uma fatia de 60% no negócio. Em um montante que inclui a compra dessa participação, o acordo envolve ainda o compromisso de investir até R$ 200 milhões na operação nos próximos três anos. E é o ponto de partida para uma estratégia mais ampla da gestora.
“Esse é um passo inicial de uma série de outros acordos que iremos fazer para construir uma plataforma de economia circular de plástico no Brasil, quiçá, na América Latina”, diz Luciana Antonini Ribeiro, sócia-gestora da eB Capital, ao NeoFeed.
Como o pano de fundo para esse plano, ela cita a combinação de questões regulatórias com fatores como a pressão crescente exercida por consumidores e investidores para uma destinação adequada desses materiais. Esse contexto é embalado ainda por números que indicam o fôlego desse segmento.
“Esse já é um mercado de R$ 7 bilhões no Brasil e que deve chegar a cerca de R$ 35 bilhões nos próximos cinco anos”, observa Ribeiro. “A Green PCR foi pioneira nesse espaço e está no momento e no lugar certo, o que fez com que a gente identificasse a empresa como uma peça fundamental desse primeiro movimento.”
Esse “alinhamento dos astros” também é apontado por Renato Caruso, fundador e CEO da Green PCR, que seguirá à frente do negócio, com os 40% restantes da companhia. Ele ressalta que a lição de casa feita pela eB Capital, em dois anos debruçada sobre esse mercado, foi um fator decisivo para se aliar à gestora.
“Há um ano, nós percebemos que já não dava para crescermos sozinhos na velocidade que o mercado estava demandando”, diz Caruso. “Nós falamos com outros fundos, mas a conversa com a eB Capital foi de igual para igual.”
Fundada no ano 2000, a Green PCR ajudou a desbravar no País o modelo chamado conhecido como bottle to bottle. Esse conceito inclui um ciclo que se inicia na compra de garrafas PET descartadas e passa por etapas como seleção, trituração e a transformação do plástico em flocos e, posteriormente, em grãos.
O material é reutilizado na produção de embalagens PET, inclusive de alimentos, um dos ingredientes que diferenciam a companhia. E que ajudaram a empresa a compor uma base de mais de dez clientes, que inclui grupos e marcas como Ambev, Coca-Cola, Colgate e Danone.
A empresa tem três fábricas, localizadas em Poços de Caldas (MG), Itobi (SP) e Conde (PB). Com essa infraestrutura, faturou R$ 200 milhões em 2021 e projeta fechar este ano com cerca de R$ 300 milhões. A companhia entende, porém, que é possível ir bem mais longe – a meta é chegar a R$ 600 milhões em 2026.
Essa projeção é embasada pelo volume já demandado pelos clientes. E que, hoje, com uma capacidade instalada de 3 mil toneladas por mês, a Green PCR não consegue absorver nem de longe em sua totalidade. Ao todo, o mercado de PET no País, incluindo o não reciclado, está em torno de 60 mil toneladas mensais.
Um dos componentes por trás dessa demanda que está movimentando toda a cadeia de reciclagem é a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Já em vigor, ela estabelece, entre outras medidas, que as empresas deem uma destinação adequada a, no mínimo, 22% do que produzem de resíduos sólidos.
“Na verdade, nenhuma empresa está falando em meta de menos de 25%. A maioria fala em 50%. Os objetivos de uso de reciclado dessas grandes marcas são absurdos”, diz Caruso. “Se nós tivéssemos o triplo que temos de capacidade hoje, esse material estaria todo vendido.”
A partir da associação com a eB Capital, o plano da Green PCR está dividido em duas frentes. A primeira envolve justamente a ampliação da capacidade da companhia, com a previsão de dobrar esse volume até o fim de 2023. A princípio, com aportes nas fábricas que já compõem a estrutura da empresa.
Um segundo destino será subir a régua de qualidade, com a aquisição de equipamentos importados, já encomendados. Essas máquinas vão permitir, por exemplo, mais eficiência na redução do grau de contaminação, por meio de recursos como separação a laser de materiais, por cor ou tipo de plástico.
“Essa é mais uma demanda dos clientes. A Coca-Cola, por exemplo, quer que a qualidade da resina aqui no Brasil seja a mesma da Alemanha”, explica Renan Pereira Henrique, sócio da eB Capital. “Para nós, como investidores, isso é ótimo, porque é uma barreira de entrada e protege ainda mais o nosso negócio.”
Plataforma
Em paralelo ao anúncio do seu primeiro pé no mercado de reciclagem, a eB Capital já planeja os próximos passos no segmento. A tese seguirá a premissa de outros investimentos do seu portfólio, com a estruturação de operações em determinados setores que reúnem uma série de aquisições sob um único guarda-chuva.
Foi assim, por exemplo, com a Alloha (ex-EB Fibra), empresa que oferece serviços de fibra óptica e que reuniu um pacote de pequenos provedores regionais de internet. E também com a Proz Educação, edtech de cursos técnicos e profissionalizantes fruto da união da Essa e da Enferminas.
A plataforma de reciclagem é, por sua vez, uma das principais teses do Preferred Futures Fund I, veículo da eB Capital que está em captação e busca levantar R$ 1 bilhão para investir em empresas ligadas ao conceito de ESG (sigla para environmental, social and corporate governance).
Em reciclagem, com cheques e ativos que podem ser “maiores ou menores”, a ideia é fechar entre duas e quatro aquisições, no prazo de 12 a 18 meses, com operações similares a da Green PCR. Especializadas, porém, na reciclagem de polipropileno (PP) e de polietileno (PE) rígido e flexível.
“PET, PP e PE representam entre 80% e 85% de todos os plásticos”, diz Tiago Wigman, sócio da eB Capital. Os acordos também seguirão os moldes da Green PCR, com a gestora assumindo o controle, o empreendedor mantendo uma fatia relevante e o jogo já combinado de reunir os ativos em um único CNPJ.
Com essa abordagem, a gestora entende que a plataforma terá um modelo mais atrativo para as cooperativas, sucateiros e demais fornecedores, que passam a ter a garantia que terão um destino de compra para dar vazão a todos os materiais que recolhem. A mesma visão se aplica na ponta dos clientes.
“Para um grande fabricante de refrigerante, por exemplo, o PET não é a única preocupação. Já que a tampinha é de PP, o rótulo é de PE flexível e assim por diante”, diz Wigman. “Quando você chega com uma solução de multipolímeros, você resolve o problema inteiro desse cliente.”
Da mesma forma, ele destaca que há sinergias importantes entre os ativos que irão compor essa plataforma. Entre elas, o fato de que os plásticos descartados, por exemplo, na reciclagem de PET, podem alimentar as demais operações. E já com um matéria-prima, lavada e pré-processada, de boa qualidade.
“Com todas as operações juntas em uma única empresa, a ideia é que a gente faça a saída do investimento, via um IPO ou uma venda estratégica, no prazo de quatro a seis anos”, acrescenta Wigman. “Esse é o tempo que precisamos para construir essa plataforma.”
De olho nesse horizonte, Luciana Antonini Ribeiro acrescenta: “Tem uma questão de timing aqui que nos favorece”, diz. “Há uma tendência global, que não é passageira, e outros players estão começando a se mexer. Mas nós estamos investindo agora, porque já estamos olhando esse negócio há dois anos.”